A vida pós-30 anos com Kings of Leon
Sem tempo?
- Kings of Leon lança hoje o oitavo álbum da banda, 'When You See Yourself'
- O disco é o mais contemplativo da banda até aqui e ficou 'guardado' por um ano por conta da covid-19
- Nesta entrevista à coluna, Jared Followill fala sobre como alguns significados do álbum mudaram por causa da pandemia
- E ele diz que o grupo chegou a cogitar mudar de nome, já que em nada mais parece com a banda do início dos anos 2000
Aquelas fotos do início da década de 2000, meu Deus.
Os cabelos hypster - que, na época, significava ter uma vibe meio anos 70 -, as jaquetas de couro (natural, sintético, falso, não importa) vestidas debaixo de sol ou chuva, as calças jeans compradas propositalmente alguns números menores.
Noitadas, cigarros, bebedeiras.
E as ressacas? Bom, delas, a saudade não bate, não.
Jared Followill ri do outro lado da linha ao lembrar dos velhos tempos, de quando a banda mantida até hoje ao lado dos dois irmãos e o primo, uma tal de Kings of Leon, despontou na cena como parte de uma onda "salvadora", entre aspas, mesmo, do rock mundial.
Com eles, estavam The Strokes, The White Stripes, The Killers, Arctic Monkeys, Franz Ferdinand e a turma que sacudiu as rádios naqueles anos que iniciaram a década de 2000 com guitarras.
Nenhuma banda dessas chegava próximo do que era o Kings of Leon em termos de hype. Claro, os grupos liderados por Julian Casablancas e Jack White eram imensamente mais populares e surgiram antes, mas a atenção chamada pelo Kings of Leon por conta da estética, a sujeira das músicas, a energia da guitarra somada ao sotaque caipira do grupo de Nashville, nos Estados Unidos, era estonteante e, principalmente, revigorante.
No mesmo ano em que Kings of Leon estreou com o álbum "Youth & Young Manhood", em 2003, saiu uma versão ao vivo dessa música acima, gravada no Birmingham Academy, na Inglaterra, que mostra com esse era um som que funcionava no palco - perceba a diferença no player abaixo.
Formado pelos irmãos Caleb Followill (voz e guitarra), Jared Followill (baixo), Nathan Followill (bateria) e o primo Matthew Followill (guitarra), Kings of Leon não vinha de nenhum grande centro urbano. Nashville, historicamente, era uma cidade musical, mas sua energia girava em torno da country music, do blues, bluegrass e outros gêneros mais identificados com o interior dos Estados Unidos.
Início fulminante de uma banda adolescente
E de lá vieram os desordeiros do Kings of Leon, de uma família descrita por Jared sem muitas condições financeiras e bastante religiosa.
"Meu pai nunca teve um bom trabalho. Crescemos muito pobres. E eu acho que isso ajudou um pouco a gente a não ser muito deslumbrado pela história toda. Sermos pagos para fazer música era inspirador para a gente."
Jared tinha 17 anos quando o Kings of Leon soltou o primeiro disco, em 2003. A banda começou em 2000, quando ele tinha 14 anos.
"Ter um bom trabalho era a única coisa que passava pela nossa cabeça. Sabe, ter um emprego. Foi estranho estar naquele furacão, mas sempre nos motivamos a continuar para não estragar aquilo. Fizemos uma tonelada de shows, entrevistas, trabalhamos sem parar."
Entre 2003 a 2008, ou seja, em um intervalo de cinco anos, o Kings of Leon lançou quatro discos - "Youth & Young Manhood" (2003), "Aha Shake Heartbreak" (2004), "Because of the Times" (2007) e "Only by the Night" (2008). Sendo o último deles o álbum de maior popularidade dos Followill, com músicas menos sujas e mais épicas, como "Sex On Fire" e "Use Somebody".
"Não dá para dizer que isso afetou a nossa personalidade porque éramos ocupados demais, sabe? Claro, era uma loucura ter tipo 15 anos e tocar com seus heróis, ver o The Strokes, o The White Stripes, tocar com o The Cure, Pearl Jam, assistir ao Pixies. Mas foram essas bandas que ajudaram a gente a manter os pés no chão."
Isso não quer dizer que o grupo não passou por apertos, como foi mostrado no documentário "Talihina Sky", de 2011, que mostrava como a convivência entre eles e as pressões para se tornarem cada vez mais rockstars afetou a cabeça deles.
Fama e álcool, misturados com muita pressão e uma educação bastante rigorosa e religiosa, nunca são uma boa combinação. E as gravações de discos eram marcadas por egos feridos, brigas físicas e discussões enormes.
Pausa dramática para você assistir ao trailer do documentário.
Corta para 2019 e 2020, quando o Kings of Leon preparou "When You See Yourself", o oitavo álbum da carreira da banda.
Banda 'na paz'
Embora as cenas de "Talihina Sky" mostrarem uma banda em frangalhos, o Kings of Leon nunca parou. Eles espaçaram o período de lançamento de discos, é verdade - "Come Around Sundown" (2010), "Mechanical Bull" (2013), "Walls" (2016) e "When You See Yourself" (lançado hoje) -, mas seguiram produzindo e em turnê.
"Somos uma banda que vive para tocar ao vivo", diz Jared. Em São Paulo já foram cinco apresentações. No Rio de Janeiro, mais três.
As brigas, eles garantem, que ficaram para trás. Aliás, "When You See Yourself", disco que chegou hoje (5) às plataformas digitais, é o álbum mais pacífico da trajetória deles. Sem treta, sem nada de absurdo.
O grande debate a respeito do álbum aconteceu após tê-lo pronto. A previsão era de lançamento para março de 2020, mas a pandemia de covid-19 atingiu o mundo naquele início do ano passado, os shows pararam e a gravadora decidiu ser importante frear o lançamento do álbum.
"When You See Yourself" ficou ali estacionado e, como reforça Jarded, sem ser mexido ou editado. "Depois que terminamos, insistimos para que a gente não mexesse em nada do disco, apesar de ter o lançamento adiado."
"Terminamos este álbum em janeiro de 2020, lançaríamos em março e sairíamos em turnê. É difícil, é claro, trabalhar em algo por tanto tempo, viver essa energia pré-lançamento, a ansiedade, e ter se parar e esperar por isso. Ao mesmo tempo, há um certo conforto nisso."
Pergunto qual tipo de conforto ele diz e Jared segue:
"Sabe quando você está para ter um grande acontecimento na sua vida e é bom, mas você fica feliz quando ele é adiado, dá um certo alívio. É esse tipo de conforto, é que a pressão vai embora."
Manter o álbum guardado fez bem ao trabalho. "When You See Yourself" é o trabalho mais épico do Kings of Leon, de canções alongadas, sem pressa sonora ou urgência. Vai-se embora a fórmula radiofônica e chegam canções que bonitas e contemplativas.
Disco pré-covid-19
De alguma maneira, as 11 canções terminaram por se relacionar com o período sombrio no qual o mundo passa desde o surgimento da covid-19.
"Sem dúvida, é um lançamento estranho. É a primeira vez em que soltamos um disco e que não temos um show na mesma noite, na noite anterior, ou não estamos em meio à turnê. É estranho estar em casa e ver ele sair assim. Sem tocá-lo. Vou estar sentado na sala da minha casa, acompanhando os comentários no Instagram. É diferente."
Músicas como "100.000 People" trata de quando a memória se esvai, "Echoing" é tocante ao cantar o refrão: "esperando uma memória", enquanto fala sobre amores antigos.
"Surgiram algumas coincidências realmente surpreendentes, especialmente nos pontos apresentados pelas letras do álbum. Parece que fizemos esse disco pós-covid, mas não foi. Isso nos assustou um pouco até."
O que "When You See Yourself" se diferencia dos outros trabalhos do Kings of Leon é, realmente, a perspectiva a respeito do tempo. É sobre abrir os olhos e perceber que o tempo passou, embora, talvez internamente, a gente não sinta isso.
Comento isso com Jared. Temos, eu e ele, 34 anos agora. É estranho acordar de manhã e perceber que temos essa idade - e a responsabilidade que ela representa e carregamos. Ele ri e faz uma pausa antes de responder.
"Sinto exatamente isso. É como se o corpo tivesse 34 anos, mas a cabeça ainda está com 17, 18 anos. Claro, a gente passa a ter responsabilidades. Tenho esposa e uma filha de 13 meses. A vida ficou mais adulta, mas você espera que vá se sentir realmente mais velho, mas isso não acontece. O que muda é o corpo e as coisas com as quais você precisa lidar."
Essas mudanças e transformações de adolescentes para jovens adultos para a versão de uma banda que beira os 40 anos - o mais velho deles, o baterista Natham, tem 41 anos, mas é o único que passou da marca - está escancarada em cada um dos álbuns do Kings of Leon.
A juventude rebelde dos primeiros discos, as primeiras e mais sérias rasteiras da vida presentes em "Only By The Night". Inerentemente, o grupo agora olha para a vida com uma maturidade pós-30 anos, que não é gigantesca, mas é transformadora ainda assim. Viveram (vivemos) um tanto de coisa já, das mais doces às mais azedas, e isso se reflete na forma como eles compõem e criam música.
Quando digo que Kings of Leon em nada soa como aquela banda do começo da carreira, nem como o grupo da virada de década de 2010, Jared concorda e revela que, inclusive, os Followill conversaram até sobre em mudar o nome do grupo por conta disso.
"Estamos nos transformando, sabe? Queremos ser uma banda nova. E chegamos a cogitar mudar o nome, já que tudo pareceu ser tão diferente. Se alguém compara este álbum com o primeiro, verá que é completamente diferente. Sempre amamos isso. É tipo na gastronomia, os chefs estão sempre em um processo de reinvenção. Não querem fazer a mesma comida repetidas vezes. Querem fazer novos pratos. Assim como a gente."
Duvidei, confesso, que fosse mais do que um exagero, mas o baixista garantiu que não.
"Começou meio como uma piada, claro, mas falamos seriamente sobre isso eventualmente. Vamos lançar esse disco com outro nome, porque isso realmente não parece com as nossas primeiras músicas. Eventualmente conversamos, inclusive com a gravadora, e entendemos que não seria possível mudar o nome da banda."
Possivelmente, o que sente o Kings of Leon é, em maior escala, o que sente qualquer um que lide com algum tipo de criatividade ao longo do tempo. As referências mudam, novas estéticas são absorvidas, melhora-se a técnica, tenta-se fugir das fórmulas.
Adoro meus primeiros textos, digo a ele, mas entendo que não posso seguir fazendo a mesma coisa que fazia em 2008. Ele concorda. Curiosamente, percebemos que o tempo, o personagem de "When You See Yourself", também norteia nosso papo.
Jared, por exemplo, fala com orgulho do início da banda, mas a visão daquele começo se dá a partir da perspectiva de alguém que tem 34 anos. Relembra daqueles pivetes colocados em pedestais de salvadores do rock com nostalgia e, também, alguma vergonha.
"E aqueles cabelos, ein?", pergunto, ao final da entrevista.
Ele ri alto. "Quero só ver você explicar para a sua filha, quando ela crescer, que esse era o papai", provoco.
"Vou esconder essas fotos dela, essa é a verdade", diz Jared.
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