Agnaldo Timóteo sobreviveu ao 'apagamento' com voz de veludo e contradições
Liguei para Agnaldo Timóteo pela última vez faz mais de 10 anos, pelo menos. Coisas da vida jornalística, caminhos às vezes se cruzam, noutras se distanciam. Atendeu-me educadamente, solícito e gentil. Falava com a voz com o mesmo peso que destilava em músicas de amor e em discursos políticos. Eloquente, falador. Não fugia de assunto algum.
Era o que eu costumo chamar de sonho de todo editor.
Timóteo era deliciosamente contraditório. Compôs e gravou, por exemplo, a poderosa "A Galeria do Amor", em 1975, uma música na qual canta sobre uma noite em que o personagem, em noite de insônia, saiu de casa e encontrou "emoções diferentes", como diz um verso da faixa.
A música se tornou hino gay pela referência à Galeria Alaska, famosa no Rio de Janeiro (ficava na altura do Posto 6, em Copacabana), considerada como o "maior reduto de gays do País". Timóteo disse ter sido o retrato de uma noite em que voltou de viagem e foi até a galeria onde rapazes e homens frequentavam para paquerar sem importunações.
Com "A Galeria do Amor" e as posteriores "Perdido na Noite" e "Eu Pecador", Timóteo criou o que chamou de "trilogia da noite". Nela, as temáticas eram amores e aventuras de pessoas do mesmo sexo.
Portanto, é curioso pensar que esse mesmo artista tenha criticado Daniela Mercury ao revelar a relação dela com a jornalista Malu Verçosa. À TV Record, chamou a declaração da cantora de "exibicionismo" e "oportunismo".
No início da carreira política, Timóteo era brizolista, passou a ser malufista anos depois, por admiração ao político Paulo Maluf. No fim da vida, era declaradamente lulista e até cogitava filiar-se ao PT. Ao todo, ele foi deputado federal pelo Rio de Janeiro e vereador no Rio e em São Paulo.
Por essas e outras, os olhos do meu chefe brilhavam com o anúncio de uma nova entrevista com Timóteo. "Pergunte disso", e apontava a polêmica da vez. Ele, afinal, responderia o que viesse.
Mineiro de Caratinga, Agnaldo sabia que era preciso ter opinião forte e acreditar em si para dar certo na carreira. De motorista de Ângela Maria a uma das mais poderosas vozes da música brega brasileira.
Veja bem, "brega" é bom, ok? É popularesco, é cheio de rococó, mas é uma arte realmente dominada por poucos, por ótimos cantores de uma geração que a crítica musical tentou calar e apagar.
Agnaldo Timóteo era da turma de Cauby Peixoto, Nelson Ned, Waldick Soriano, Reginaldo Rossi, Benito di Paula, Nilton Cesar, Moacir Franco. Destes, os três últimos estão vivos.
É uma geração que chega, pouco a pouco, ao fim. E nunca foi devidamente apreciada. Vendiam discos, passaram pelos apuros que os cantores da MPB refinada também viveram (com a censura da ditadura e tudo mais), mas foram "deletados" por não buscarem a vanguarda e, sim, dialogar com o maior número de pessoas possível.
Negro numa sociedade e uma indústria musical historicamente racista, saído de Minas Gerais em busca do sonho de ser cantor, Agnaldo Timóteo se impunha. Não por acaso que o primeiro álbum, de 1965 se chamou "Nasce um Astro".
O disco, apadrinhado por Ângela Maria, era de releitura de clássicos, algumas versões ótimas, como "A Casa do Sol Nascente" (de "The House of The Rising Sun", do The Animals), outras nem tanto, caso de "Em Busca do Amor" (uma versão exageradamente doce de "From Russia With Love") - constância, é importante dizer, nunca foi o forte dos álbuns dele.
Os dois discos seguintes de Agnaldo Timóteo faziam alusão à forma como o artista se enxergava e, principalmente, com a narrativa que ele quis impor para si diante do público, a da estrela da música popular. Depois de "Nasce um Astro" vieram "O Astro do Sucesso" e "O Sucesso é o Astro".
Agnaldo tinha a voz e confiava nela. Despudorado e confiante como precisava, dizia ser um dos grandes. E foi.
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