Quantos "te amo" são permitidos em uma música de amor para se tornar hit?
32 vezes.
Pronto, respondi logo de cara, para evitar os comentários de que só faço títulos polêmicos (o que é, em partes, verdade).
É esse o número de vezes em que a expressão "te amo" é repetida em "Disco Arranhado", um dos hits do ano, - que como todo hit do ano que se preze é uma cria de anos anteriores.
O G1 até contou a história desta música que é meu vício musical desde que ouvi o álbum de Tierry (aquele de "Rita" e de outras maravilhas do realismo fantástico do atual cancioneiro brasileiro, lançado em janeiro de 2020). Ele criou a música para César Menotti & Fabiano, que a gravaram em uma versão que se aproximava do bolero (no gênero bachata).
Assistam ao clipe da Malu cantando no rádio de um caminhão. É maravilhoso.
E a música acabou inspirando Malu, a cantora autodenominada a "nova voz romântica do Brasil", que fez um baita sucesso e, depois, foi remixada no ritmo do bregafunk com o DJ Lucas Beat.
Atualmente "Disco Arranhado" venceu até Anitta nas paradas.
Sim, "Disco Arranhado", hit de tantos donos (embora só um autor) e uma festa para os românticos e apaixonados, foi a terceira música mais ouvida do Spotify ontem (dia 30). Advinha qual foi a quarta música mais ouvida?
Uma tal de Girl From Rio. Acredita?
Mais ouvidas do Spotify em 30 de abril:
- 1º Volta Bebê, Volta Neném - Dj Guuga, DJ Ivis
- 2º Batom de Cereja - Ao Vivo - Israel & Rodolffo
- 3º Disco Arranhado - Funk Remix - Malu, DJ Lucas Beat
- 4º Girl From Rio - Anitta
Vamos analisar estes dados, pode ser?
DJ Ivis é um fenômeno e minha nova obsessão musical (e escreverei sobre ele outro dia). No segundo lugar, temos o principal concorrente ao hit do ano, "Batom de Cereja", graças ao bom lançamento da dupla enquanto Rodolffo não tinha pisado na bola durante a participação dele no BBB 21.
E o quarto lugar é da maior artista brasileira da atualidade.
A presença de "Disco Arranhado" ali é um ato heroico, de fato. Bíblico até, ouso dizer, já que traz algo de Davi (os corajosos Malu e Lucas Beat) versus Golias (todos os outros são garantia de milhões de views e plays).
O que faz de "Disco Arranhado" um sucesso absurdo é a possibilidade de adaptação da canção.
Com um refrão simples (basicamente, "te amo"), a música pode ser cantada como um sertanejo arrastado e manhoso ou uma versão pisadinha psicodélica do Edinho Pakera (também autodenominado "O Barão da Pisadinha").
"Disco Arranhado" domina agora as paradas e, por isso, chama a atenção mídia, mas os versos de Tierry são datados de 2017. A versão de César Menotti & Fabiano é também de quatro anos atrás.
Neste longo tempo entre César Menotti & Fabiano e o top 3 das paradas do Spotify, a música ganhou muita versão. Sim, são inúmeras.
Uma busca no Spotify aponta 67 versões. Sessenta e sete!!! No Apple Music, são 75 música com esse título também, acredite.
São diferentes sabores, mas os versos desgraçadamente apaixonados são os mesmos. Além das quatro versões "originais" (de Tierry, de César Menotti & Fabiano, Malu e dela com DJ Lucas Beat), curti o tal "O Barão da Pisadinha" pela ousadia e pelos vocais completamente surpreendentes.
Também gostei da Tropa da Bregadeira, que troca alguns dos "te amo" por "Tiago". Me senti como aquele meme da cabeça que explode com uma revelação.
Mas meu coração foi conquistado pela vontade que canta a Raquel dos Teclados essas 32 vezes de "te amo". Há uma rouquidão e um canto que parece que pega a lateral da garganta.
Entre todos, a versão solo de Malu talvez seja a melhor. Ela é quem captura o desespero, a paixão, a entrega e o temor do sentimento não ser recíproco com maestria.
Porque não dá para ser blasé ou indiferente em uma canção como "Disco Arranhado". Uma música cujo refrão traz oito vezes o desabafo de "te amo" requer entrega.
Sem alma, você cansa de tanto "te amo". Quer um exemplo?
Te amo.
Te amo.
Te amo.
Te amo.
Te amo.
Te amo.
Te amo.
Te amo.
Ainda estão aqui? Ufa.
Nada mais sincero do que um "te amo", não é?
Quando a declaração sai da nossa boca sem que a gente consiga controlar e torcemos para que o sentimento seja recíproco, ou lá vem um climão que só a Letrux poderia prever. Dito pela primeira vez, por um casal, o "te amo" congela a espinha. Dito nas despedidas dos amantes, o "te amo" aquece. Nas cartas dos românticos, "te amo" encerra o texto com paixão.
Não existe uma pessoa no planeta que não tenha dito "te amo" para alguém.
É versátil, também, porque "te amo" pode ser um de otimismo ou uma cartada final do traidor. Talvez seja frase mais universal da língua portuguesa. Funciona para amigos, familiares, paixões, desamores.
A habilidade de "Disco Arranhado" é voltar à essência das declarações de amor. A música brasileira já viu todas as metáforas possíveis para tratar do sentimento que guia a humanidade.
A ascensão da música me lembrou de tempos mais simples, de quando Zezé Di Camargo & Luciano, por exemplo, não tinham se metido em política e cantavam "É o Amor" em todas as rádios.
"Disco Arranhado" nos lembra dos álbuns em vinil, vitrolas, amores antigos, de quando Bolsonaro não era presidente e usar máscara era ruim até para ficção científica.
Queria ouvir uma versão também feita pela nova MPB, tipo Anavitória e/ou Rubel. Zeca Baleiro faria um estrago nestas palavras aqui (aliás, um disco "Zeca Baleiro canta Tierry" seria sucesso absoluto).
Também imagino uma banda emo ou punk descendo a lenha nos instrumentos enquanto canta o óbvio ululante: "te amo, te amo, te amo".
Vivemos tempos de ódio, não é? De vizinhos que não se aguentam mais, de estresses pelas menores bobagens.
Entre tanta braveza gratuita, é bom ouvir um "te amo", repetido à exaustão.
Mais amor, menos ódio. Vamos pregar isso por aí.
E você, comentarista tão feroz destas malfadadas linhas escritas neste espaço, em vez dos costumeiros xingamentos no campo de comentários experimente espalhar o amor. Diga "te amo". Prometo entender a ironia e responder com "também te amo".
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