Adolescentes, furiosas e barulhentas. E, sim, são o futuro do punk
Sem tempo?
- Conheça o grupo The Linda Lindas
- Criada em 2018, a banda viralizou com o vídeo da música Racist, Sexist Boy, gravada na Biblioteca de Los Angeles
- O grupo já tem fãs famosos como Kathleen Hanna (do Bikini Kill), Hayley Williams (Paramore), Thuston Moore (ex-Sonic Youth) e outros
- Entre um trabalho e outro da escola, elas chegam para salvar o punk.
"Um, dois, três, quatro!"
Mila tem dez anos e esmurra as baquetas no couro da bateria com fúria.
A irmã dela, Lucia, de 14, grita ao microfone. "Racist, sexist boy", ela canta, ou ruge, enquanto parece não fazer qualquer esforço algum para tocar o baixo grande demais para a extensão do braço dela.
Nas guitarras estão Eloise (13 anos e prima de Lucia e Mila) e Bela (a mais velha do quarteto, de 16 anos, e amiga da família). Juntas, fazem uma barulheira.
Estas são a The Linda Lindas. Adolescentes, raivosas e nova sensação do punk mundial. Temos a música do ano até aqui e é esta:
Criada há 3 anos, em 2018, com nome inspirado em um filme japonês de nome "Linda Linda Linda" (sobre um grupo de garotas que se esforça para aprender a tocar para fazer uma apresentação na escola), a banda já fazia estrago há algum tempo, mas não tinha furado a bolha como aconteceu agora, graças ao vídeo acima.
Tinham, por exemplo, chamado a atenção de Hayley Williams (do Paramore) e de Kathleen Hanna (da seminal banda Bikini Kill). Nada mal, não é?
"Quando o cover ultrapassa a original", elogiou a vocalista do Bikini Kill ao postar um vídeo das The Linda Lindas tocando "Rebel Girl" ainda em 2019.
No mesmo ano, a The Linda Lindas foi chamada para abrir o show do Bikini Kill na história casa de shows Hollywood Palladium, em Los Angeles. Set enxuto, quadro músicas e muito ruído bom.
"Elas eram tão eletrizantes e positivas que me fizeram ter vontade de começar uma banda. E, então, eu lembrei que eu tenho uma banda e ia tocar naquela noite."
Kathleen Hanna, da Bikini Kill
Já Hayley Williams citou a banda em resposta ao infeliz comentário de Adam Levine sobre "o fim das bandas" (falei sobre isso em outra coluna). "Sou fã desde antes delas saírem do útero", disse a líder do Paramore.
O burburinho já tinha as levado para uma performance no filme "Moxie", dirigido por Amy Poehler e disponível na Netflix e à assinatura de um contrato com a gravadora Epitaph Records, lendária na história do punk.
Um vídeo viral
As The Linda Lindas fizeram uma performance para a Biblioteca Pública de Los Angeles e o vídeo com a versão de "Racist, Sexist Boy", publicado no dia 20 de maio, foi assistido mais de 3,9 milhões de vezes no Twitter.
A apresentação completa pode ser assistida abaixo.
E, depois deste vídeo, o mundo todo está atrás delas e começaram a pipocar as primeiras entrevistas com elas também. O grupo falou, por exemplo, com veículos prestigiados como o jornal inglês The Guardian e o site Pitchfork.
Para o site dedicado à música, elas contaram como perceberam que tudo estava mudando.
"Estava na cama, de pijama, quando nosso pai apareceu e falou: 'Vocês estão viralizando'. E eu nao acreditei. 'Não, não estamos. E o que significa isso?' É um termo estranho para a gente."
Lucia, à Pitchfork
"Eu estava vendo o meu feed no Instagram e as pessoas nas quais a gente se inspira estavam postando [a banda]. E a gente ficava pensando se eles minimamente sabiam quem nós éramos."
Bela, também à Pitchfork
Veteranos embasbacados
O vídeo gravado na Biblioteca Pública de Los Angeles pode ter passado já pela sua timeline.
Flea, baixista enlouquecido do Red Hot Chili Peppers, citou uma música do The Who para falar do The Linda Lindas: "The Kids Are Alright"
Thurston Moore, ex-guitarrista do Sonic Youth, concorda comigo. "Música do ano de 2021 até agora", escreveu ele. "Inspiração não tem idade", acrescentou.
O sempre presente falastrão Tom Morello também destacou "Racist, Sexist Boy" no Twitter.
Repertório curto, para ouvir em uma sentada
São pouquíssimas músicas já gravadas pela The Linda Lindas, mas a visão simplista do mundo delas parece ideal para nosso tempo tão complicado.
Nas plataformas de streaming são 9 faixas. Quatro delas estão em um EP lançado no ano passado (destaque para as melancólicas e melódicas "Missing You", de autoria de Eloise, "Never Say Never", de Lucia). Para o filme da Netflix "Moxie", elas gravaram duas covers: "Rebel Girl", da Bikini Kill, "Big Mouth", de The Muffs. Também fizeram uma música de nome autoexplicativo, "Vote!", lançada no ano passado.
Inacreditável pensar que a única que sabia tocar guitarra era Bela, a mais velha delas, de 16 anos, quando começaram a banda. As outras três integrantes tinham noção musical por culpa de aulas a tocar piano clássico.
E tudo é muito bem gravado, o que se explica pelo fato de que o pai de Mila (10 anos) e Lucia (14) é Carlos de la Garza, um engenheiro de som premiado com Grammy que trabalhou com Hayley Williams no Paramore. Ele também gravou Best Coast, Bad Religion e Jimmy Eat World (todas ótimas bandas, aliás).
Dá para escutar as 9 faixas em uma sentada já que nenhuma tem mais de 3 minutos de duração, algo fundamental para o repertório de bandas punk.
"Eu cresci com a cultura do faça-você-mesmo do punk. Fui a apresentações de punk, criei mixtapes. Toda essa ideia de que qualquer um pode fazer qualquer coisa. Punk é o que a gente quiser que seja. Não tem que ser de um jeito específico."
Eloise, ao The Guardian
'Eu fico com a pureza da resposta das crianças'
(Rarará, perdão por esse intertítulo)
A música "Racist, Sexist Boy" (do vídeo que viralizou) nasceu após um coleguinha de escola dizer à Mila que o pai havia o aconselhado a ficar longe de chineses. E o menino seguiu a ordem descabida do progenitor e parou de falar com a garota.
(O porquê de alguns adultos tentarem emburrecer as futuras gerações eu jamais vou entender.)
O timing foi perfeito, principalmente diante da onda de ataques às pessoas amarelas nos Estados Unidos e aos absurdos ditos a partir da história do tal "vírus chinês".
Por isso, repito que esta talvez seja a música mais importante lançada em 2021. Feroz, delirante, raivosa. E, ao mesmo tempo, também é direta, simples e inocentemente construída.
Não há hipérboles ou metáforas. A faixa soa como raiva pura.
Enquanto o mundo parece perdido em complexidades e padece de doenças sociais como racismo, homofobia, machismo, uma menina de 10 anos descomplica tudo com algumas poucas palavras.
"Eu espero que essa canção empodere as pessoas que foram oprimidas. É bom porque eu posso gritar bastante nela -- toda essa raiva que se acumula, é bom deixar sair. É realmente divertindo quando eu me apresento."
Eloise, ao The Guardian
Assustadoramente maduras ao tratar de questões sociais nas suas letras, além de temas como solidão e paixões, as The Linda Lindas ainda sofrem com questões inescapáveis da idade, como provas e trabalhos da escola.
(O que não deixa de ser um choque de realidade: apesar de serem apontadas como futuro do punk, elas ainda são adolescentes)
Bela, a mais velha delas, contou ao Guardian que não se livrou das obrigações estudantis, por exemplo.
"Tenho um trabalho que eu ainda não terminei. E fico pensando se devo ou não fazê-lo", ela diz. "Olha, estou realmente feliz que isso esteja acontecendo [a banda ter viralizado], mas eu meio que queria que isso tivesse acontecido na semana que vem."
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