Injustiçado, Army of the Dead é poesia trash, nonsense e colorida
Sem tempo?
- Você gosta de filmes de assalto (aqueles com um grupo de ladrões planejando um roubo)?
- Curte histórias de zumbi com bastante sangue e cenas grotescas?
- Emociona-se com redenção de personagens brutos?
- E tudo isso junto, faz sentido para você?
- Pois este é Army of the Dead, filme novo do diretor Zack Snyder disponível na Netflix.
- No longa, nada faz muito sentido (temos um tigre morto-vivo e um zumbi de capa de super-herói, afinal), mas é diversão garantida.
Zack Snyder tinha uma ideia na cabeça há anos. Queria contar uma história que envolvesse um grande roubo e zumbis.
Maturou esta proposta enquanto construía uma carreira em Hollywood sendo conhecido como esse cara de boas ideais, empolgação invejável e execuções questionáveis (e o posto de diretor que mais recorreu às cenas em câmera lenta da história)
Encontrei Snyder alguns dias seguidos enquanto ele filmava "Batman Vs Superman" e vi como ele era realmente devoto de cada ideia. Na época, falamos de Watchmen e do futuro dos heróis nos cinemas, já dominado pela Marvel.
Mas nem sempre as ideias dos cineastas se confirmam na tela por mil motivos (da falta de tecnologia para fazê-las funcionar às imposições do estúdio). E nem sempre elas são boas, também.
A verdade é que "Army of the Dead" (lançado nos cinemas dos Estados Unidos e também disponível Netflix) levou pancada da crítica séria e com razão. No site Rotten Potatoes (site agregador de reviews), a nota do filme é 69%.
Se você quiser ler uma crítica séria sobre o filme, aconselho a leitura do excelente texto do mestre Roberto Sadoviski, colunista aqui de UOL Splash, que conta tim-tim por tim-tim do porquê este filme é considerado ruim.
O que você lerá a seguir não é uma crítica, exatamente. Nem tenho talento para isso. É uma reflexão empolgada após assistir a "Army of the Dead" numa despretensiosa noite de sábado.
O que faz do longa de Snyder ser tão criticado é, pra mim, o que faz do filme excelente.
Não estou falando dessa bobagem do "entretenimento para entreter", sem sustância e vazio. Snyder faz arte com o ruim. Transformar a vergonha pelo clichê em orgulho dele. Faz poesia com o brutal.
Snyder se desamarrar da tradição do storytelling e apresentar uma história que: 1) abra várias possibilidades de franquia, como bem destacou o colunista aqui da casa Guilherme Ravache; 2) dialogue com o seu tempo, com um público jovem e com superlotação do entretenimento por demanda.
Tudo mudou quando você parou de precisar ir até uma videolocadora para gastar sua mesada para alugar um filme em VHS (ou DVD). Com uma conexão de wifi razoável e um cartão de crédito, o público tem acesso a trocentos filmes e séries em plataformas como Prime Video, Netflix, Apple TV+, Disney+, etc - isso sem falar em conteúdos inexplicáveis e viciantes do YouTube, como do cara que ganha a vida se filmando comendo mais de 20 mil calorias por dia, sem qualquer motivo aparente.
E se você (ou eu) ainda é apegado à arte, assiste tudo do início o fim, pacientemente, mesmo que o filme ou série não seja tão bom assim, entenda que a geração Z não tem essa paciência toda. Cansou, troca.
(Eu não daria conta de ver minha timeline da Netflix cheia de episódios e filmes parados pela metade, mas entendo.)
"Army of the Dead" apresenta uma nova linguagem. Você não tem tempo de cansar de uma trama porque, sem medo de soar episódico, o filme salta de uma história para a outra: vai do drama de pai e filha para depois amizade entre dois desconhecidos, descobrimos um casal de zumbis, vemos sacrifícios dos integrantes da equipe do tal "assalto". Morte, sangue, drama. E zumbis!
Pode ser demais - e eu acho que é, mesmo. Demais nos dois sentidos da palavra: excessivo e ótimo.
Depois de anos amarrado pela franquia da DC, pilotando personagens donos de uma história maior, como Batman e Superman, Snyder se diverte com "Army of the Dead".
Ele faz poesia com o brega. A cena de um grandalhão que a segurar uma arma há muito deixada de lado é acompanhada por música clássica, heroica e retumbante. Claro que não dá pra levar a sério: é um cara segurando uma metralhadora de plástico, com um pôr do sol ao fundo. E, por isso mesmo, divertidíssimo.
Sem ninguém a dizer-lhe para maneirar no slow motion, Snyder foi lá e gastou toda a cota que tinha com a câmera lenta. Usa tanto que até me incomodava com as cenas corridas em velocidade normal. "Ué, não vai ter um slowmotionzinho aí?"
Os diálogos são propositalmente banais e de frases prontas, porque é isso que o fã do trash quer assistir e o diverte. Cada conversa banal é dita e filmada como se fosse Shakespeare, mas sem que estivéssemos no teatro e os atores sejam lá essas coisas.
Não há sutilezas. Tudo é gigantesco.
Afinal, "Army of the Dead" conta a história de um grupo contratado para invadir o cofre de um cassino uma Las Vegas sitiada e infestada de zumbis. Eu via o tigre zumbi e pensava: "Isso é maravilhosamente ruim.
E adorei.
Em determinado momento, a personagem vivida pela humorista Tig Notaro (acrescentada à trama com a mágica da tecnologia após o titular Chris D'Elia ser apagado digitalmente por estar envolvido em acusações de assédio sexual) diz:
"Ei, aquilo ali é um zumbi de capa?"
Ao longo de duas horas e pouco de filme, eu estava tão absorvido naquele nonsense todo que não tinha me ligado que, sim, estava assistindo a um filme em que um zumbi usava uma capa. Tipo algum super-herói, sabe?
"Army of the Dead" é a redenção de Zack Snyder depois de fazer Ben Affleck caber em um uniforme do Batman e colocá-lo para justificar cada movimento e decisão tomada pela Liga da Justiça ao longo de mais de quatro horas.
Aqui, não a trama não necessita de mil justificativas. Não precisamos saber a história das "caixas maternas" e o que elas significam para o universo da DC. Nada disso.
Ruim é Liga da Justiça (acredite, digo isso com dor no coração). Army of the Dead é divertido, atropelado, sangrento, deliciosamente sem sentido.
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