Sem medo de ser feliz, Metallica quer destruir as memórias do Black Album
Sem tempo?
- O Metallica está pronto para sacanear o seu fã reaça que não gosta de mudanças.
- É isso, mesmo. A banda vai lançar uma versão nova do disco Black Album com 53 participações.
- E os artistas responsáveis por estas novas versões de clássicos como Enter Sandman e Nothing Else Matters estão completamente fora do escopo do rock.
- De Miley Cyrus a Elton John. De Juanes a J Balvin.
- A genialidade da coisa toda é que o grupo dá um golpe no conservadorismo musical mais uma vez, já que o Black Album também foi transgressor na época.
- E, cá entre nós, quanto mais fora da caixinha, melhor.
O ano era 1991 e, se você nasceu na primeira metade dos anos 80, sabe que Nirvana ainda não bombava entre a molecadinha brasileira, apesar de o álbum "Nevermind" ter sido um estouro nos Estados Unidos naquele ano.
Por aqui, a turma roqueirinha vivia o início da adolescência entre debates acalorados sobre as duas principais forças gravitacionais do gênero que também lançaram discos em 1991 e que reverberaram mais por aqui: o "Metallica" (trabalho também chamado de "Black Album" pela capa em preto e simples), e "Blood Sugar Sex Magic!" (do Red Hot Chili Peppers).
As coisas poderiam ficar intensas no debate entre as facções, inclusive.
O "Black Album" é assombrosamente importante para a história da música com guitarra e foi responsável por catapultar uma banda peso-pesada para as rádios e para as massas de uma forma que nenhum outro disco ou grupo conseguiu.
A popularidade do disco do Metallica, mais melódico e menos barulhento, foi tão grande que fomentou o surgimento de uma leva fervorosa de fãs descolada do passado thrash metal, sujo e pesadão do grupo que criou hinos como "Master of Puppets", "Creeping Death", "Seek and Destroy", "For Whom The Bell Tolls".
Essa turma nova não sabia que o melhor baixista do Metallica fora Cliff Burton, promissor músico que morreu tragicamente em um acidente em 1986, por exemplo. Um absurdo, diziam os fãs radicais.
Dificílimo de ser finalizado, o álbum custou US$ 1 milhão e três casamentos (Lars Ulrich, Kirk Hammett e Jason Newsted terminaram seus relacionamentos na época).
Mas estreou no topo das paradas em dez países e ficou quatro semanas consecutivas como líder de vendas dos Estados Unidos. Estima-se que o disco tenha vendido mais de 16 milhões de cópias.
E justamente por isso, por estourar bolhas, por sair da caixinha e extrapolar limites conhecidos do rock pesado, que o "Black Album" foi histórico.
Trinta anos se passaram e o Metallica é uma dessas instituições que habitam o Olimpo da música. Inclusive, eles vêm frequentemente ao Brasil e têm uma conexão fortíssima com o público daqui que acompanha a banda desde a turnê de 1989 que passou por São Paulo e Rio de Janeiro.
Para a comemoração de três décadas de existência do álbum Black Album, o Metallica vai provocar aquele fã que gosta das coisas como elas estão e, a qualquer sinal de mudança, corre mais do que o Cascão da chuva.
É alegria e ousadia que fala?
O grupo anunciou dois projetos a serem lançados no mesmo dia 10 de setembro: "The Black Album (Remastered)" e o "The Metallica Blacklist".
O primeiro é, obviamente, uma versão remasterizada do disco trintão. O outro, meus amigos, é um deleite para quem ama ver a raiva dos haters e conservadores no geral.
O álbum que ensinou pra muita gente o que é heavy metal (de um jeito bem soft, aliás), agora vai ser revisitado por gente que não tem nada a ver com a turma que usa bandanas e jaquetas de couro.
De Miley Cyrus a J Balvin, mais de 53 artistas vão regravar hinos como "Enter Sandman", "Nothing Else Matters" e "Sad But True".
Elencados para participar deste projeto estão gente da estirpe de Elton John e Yo-Yo Ma, o jazzísta moderno Kamasi Washington, as rainhas indie Phoebe Bridgers e St. Vincent, a viciante Rina Sawayama, o interessante Moses Sumney e uma das minhas bandas favoritas, o Idles.
Duas músicas já foram lançadas. O colombiano Juanes regravou "Enter Sandman", em uma versão sem sal parecida demais com a original.
A ousada Miley Cyrus se juntou a Elton John, Yo-Yo Ma, Robert Trujillo (atual baixista do Metallica), Chad Smith (baterista do Red Hot Chili Peppers) e WATT numa reedição de "Nothing Else Matters".
Nenhuma das duas são tão revolucionárias quanto poderíamos esperar, mas a impressão é que o Metallica está guardando as mudanças mais radicais para serem lançadas no futuro.
Só "Enter Sandman" terá seis versões diferentes neste "The Metallica Blacklist".
Soa como uma provocação aliada a uma boa estratégia comercial.
O Metallica quer destruir suas memórias com as músicas do "Black Album" para os fãs que não sabem lidar com o novo. E que vão reclamar na internet sobre isso (a web, afinal, parece existir pra gente colocar essas frustrações pra fora).
A genialidade da história toda é que, ao se juntar com nomes gigantescos das paradas e de outros gêneros, a banda rompe com o seu passado como fez na época em que lançou o próprio "Black Album". Sacou?
Ao romperem com o passado, o Metallica dá um golpe no conservadorismo musical.
Lembra no início do texto, quando escrevi que o Black Album trouxe uma leva nova de fãs para o Metallica que não necessariamente conhecia os primeiros discos, mas amava cantar "Enter Sandman" porque a ouvia na rádio?
É a mesma coisa que está acontecendo agora.
A banda se aproxima de um público que nunca foi dela, de gente que é fã de Juanes ou de Portugal. The Man, justamente com seu álbum mais palatável e popular. Se a ideia é apresentar o Metallica o para uma nova geração curiosa, o "Black Album" é a melhor escolha. Já deu certo uma vez.
Apesar de amar o solo de baixo distorcidão de "Anesthesia (Pulling Teeth)", eu sei que isso não vai angariar novos seguidores pra James Hetfield e companhia.
Sem medo de ser feliz
Em 1991, houve quem olhasse com desdém para a chegada dessa turma que não sabia cantar "Master of Puppets" nova à "família Metallica".
Talvez a gente esteja diante de um movimento similar, trinta anos depois. Porque essas pessoas que não gostam de mudança sempre vão existir.
E essa gente pode seguir na mesma discussão de trinta anos atrás (de qual é o melhor, se é o "Black Album" e o "Blood Sugar Sex Magic!"). Aliás, todo o debate ficou vazio porque, anos depois, descobrimos que o mais revolucionário álbum lançado naquele ano, em termos de estética e de criação de uma nova onda, foi "Nevermind", do Nirvana, não é mesmo?
Para os fãs de "Master Of Puppets", o álbum sempre estará lá. Para a turma da geração de 1991, o "Black Album" segue imutável. O tempo não substitui nada, só soma.
Estou, mesmo, ansioso para ouvir a visão de J Balvin, ícone do reggaeton, para "Wherever I May Roam", e do Weezer para "Enter Sandman".
São 40 anos de Metallica, comemorados também em 2021. E, mesmo com tanto tempo de estrada, o Metallica propõe o novo. De novo. Que seja um exemplo para outras instituições conservadoras gênero, inclusive.
E quanto mais fora da caixinha, melhor.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.