Belchior é despido pela poesia de Ana Cañas e Maria Casadevall
Sem tempo?
- Clássico de Belchior, Alucinação ganha uma versão por Ana Cañas.
- A cantora fez uma live só com o repertório do cantor e compositor de Sobral e, agora, lança um disco.
- A primeira parte do trabalho chega hoje às plataformas, junto do clipe, lançado aqui com exclusividade.
- O vídeo, aliás, tem participação de Maria Casadevall e direção de Ariela Bueno.
Belchior não se interessava por teorias, não. Elas, a gente sabe hoje, pouco importam no mundo real. Nesta realidade que bate na gente, que maltrata, que escava, que queima, que dizima. Como lutar este combate com ideias acadêmicas?
Foi com "Alucinação" que me percebi apaixonado pela moça que, hoje, com muita sorte minha a chamo de namorada. E é esta canção, emblemática, a porta de entrada no universo do compositor de Sobral, no interior do Ceará, para muita gente.
Uma ode ao amor em meio às inquietações mil. Gigantesca é, portanto, a responsabilidade de Ana Cañas ao reinterpretá-la de um jeito só seu.
Artista que ascendeu com standards de jazz em bares requintados como a cantora de voz generosa e aveludada quando eu era um jovem estagiário da gravadora que a contratou pela primeira vez, a Sony Music (então Sony BMG), lá pelos anos 2010, Ana refaz Belchior sem se perder grosseria dos rearranjos.
Mas também não reproduz o irreproduzível. Na voz, em novo tom, leva os versos de Belchior para um lugar adocicado, menos tenso do que a versão original. Por mais tensa que estivesse em gravar a obra de Bel, Cañas soa o oposto disso.
"Alucinação" ganha um clipe estreado com exclusividade aqui na coluna com a participação da atriz Maria Casadevall e dirigido pela excelente Ariela Bueno.
É leve, sem a urgência de Belchior. Mais do que o incomodo com a realidade, tão presente na versão original, Ana Cañas canta com a mesma luminosidade de sentir o amor pela primeira vez ao acordar ao lado de alguém de manhã (quem já sentiu isso sabe do que estou falando).
O vídeo acima, inspirado pelo filme "Persona", do cineasta Ingmar Bergman, expressa sentimentos, altos e baixos da vida, por meio de poses e danças de ambas.
"Maria já tinha cantado esta música comigo em alguns shows meus. Ela é louca por Belchior e a pessoa perfeita para estar neste clipe comigo. Esta canção pede alguém preocupada com causas sociais e que é capaz de transformar partitura corporal em sentimento"
Ana Cañas sobre o clipe de "Alucinação"
O clipe é a celebração de um álbum de Ana Cañas só com versões de Belchior. Ela, que no ano passado fez uma live com este repertório, sentiu haver mais conexões a fazer com o cantor e compositor morto em 30 de abril de 2017.
Dividido em EPs, produzidos por Fabá Jimenez e a própria Ana, a primeira parte do álbum está disponível nas plataformas digitais e tem a já citada "Alucinação", "Velha Roupa Colorida", "Galos, Noites e Quintais" e "Na Hora do Almoço". (Atenção aos agudos lindos de arrepiar na última delas, ok?).
"É um desafio enorme porque interpretar uma obra desse quilate requer um mergulho profundo. Como produtores do disco, Fabá Jimenez e eu tentamos desenvolver arranjos que propiciem uma viagem ao universo belchiorano, mas com uma roupagem diferente, buscando uma leitura feminina nas letras que são sempre complexas e metafísicas"
Há 45 anos, com "Alucinação", Belchior nos ensinou a lidar com tempos sombrios. Ele vivia os dele, aquela década de 1970 genial e tenebrosa. Dizia que a teoria não muda nada. O que muda as coisas é o amor. É isso que Ana Cañas e Maria Casadevall celebram aqui.
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