Topo

Pedro Antunes

Luisa Sonza nos lembra do azedume de ter 20 e poucos anos

Colunista do UOL

18/07/2021 19h17

Sem tempo?

  • Luísa Sonza lançou o segundo álbum da carreira, Doce 22, neste domingo (18)
  • O álbum é pop em estado puro, com músicas dançantes para rebolar e baladas ao piano para chorar por um amor perdido.
  • Doce 22 nos lembra como era agridoce entrar na vida adulta e perceber que as primeiras certezas se desmoronando.
  • Ao longo do álbum, Sonza abre sua intimidade, com decepções e alegrias.

Em algum momento dos meus 22 anos (talvez um pouco mais ou um pouco menos), a vida adulta parecia completamente dominada, como se vivê-la fosse tão simples quanto jogar uma fase no videogame no nível "easy". Tinha um amor, um emprego e um plano de futuro tão concreto que duraria para sempre.

A primeira grande desilusão da vida adulta é um rito de passagem, o que nos separa dos anos de adolescência e juventude. É perceber que as certezas erguidas ao longo dos anos anteriores são tão firmes quanto um castelinho de areia construído às vésperas da maré cheia.

De repente, certezas se rasgam e a realidade vira do avesso. Antes de você perceber, já foi. Veio a onda, levou tudo. Lavou tudo também.

É libertador se desprender do que projetava, mas assustador também.

Neste lugar está Luísa Sonza em "Doce 22", o segundo álbum da cantora, infinitamente mais maduro, coeso e intenso do que qualquer outro lançamento dela.

Um disco de "ok, acho que passou por um furacão aqui".

Com maturidade invejável para quem acabou de comemorar 23 anos e apenas quatro deles de carreira, Luísa Sonza oferece a quem escuta "Doce 22" um retrato de quem ela foi, quem ela queria ser e quem ela é de fato hoje.

Com 14 músicas (sendo três delas a serem lançadas no futuro), ela canta sobre pressões, decepções, depressão e novos amores.

"Doce 22" é a definição de "álbum pop com conceito", em que cada canção tem um lugar específico em um quebra-cabeça.

A primeira metade do disco, por exemplo, tem o nome das músicas grafadas em letras maiúsculas. São versos de autoafirmação e batidas eletrônicas dançantíssimas.

"INTERE$$EIRA" é uma aula de pop gringo, com aquela sequência de drop e refrão infalível. Se "VIP *-*" poderia facilmente estar em um álbum do Black Eyed Peas, a sensual "2000 s2" é uma inspiração direta na fase brilhante de Britney Spears em "Toxic".

O conjunto destas três músicas é pessoal, visceral e sensual. Elas inclusive ofuscam "MODO TURBO", single lançado anteriormente, com as participações de Pabllo Vittar e Anitta.

Um interlúdio de título "INTERlude :(" apresenta o que vem a seguir. É quando a coisa começa a ficar séria de verdade em "Doce 22".

A primeira parte do álbum soa como aquela projeção que fazemos de nós mesmos neste início de vida adulta. É o nosso "eu exterior".

Após o interlúdio, vamos para o "eu interior" de Luísa Sonza. Mais sombrio, sem dúvida, afinal, cada um tem seus fantasmas, suas dúvidas e seus B.O.s, não é?

"Oi, aqui vai o interlude do álbum... Eu queria dizer que é inadmissível que a gente passe a vida toda procurando por algo que no final vai doer, mas eu sei que o que dói não é o amor, sabe, as pessoas que não sabem amar, elas te obrigam a ser pequena, elas te obrigam a se desfazer do que você é, das suas peças, a se desencaixar de você mesma pra se encaixar em um lugar que você nem pertence. E você tem tanta certeza de que um dia o amor dos seus sonhos vai finalmente florescer que nem se importa de se quebrar um pouquinho. Se é tudo em nome do amor, por que mesmo assim você não se sente amada?"
Texto falado por Luísa Sonza em "Interlude"

Se você não se sentiu tocado por este texto, verifique se há algum coração batendo por aí.

O conjunto de "melhor sozinha :-)-:" e "penhasco." é realmente memorável. Não sou colunista de fofoca e nem me interessa saber se tal música foi feita para um ou outro ex da artista, a turma do Twitter já criou um trilhão de teorias.

A primeira é leve e apaixonada, com uma sanfona solitária e notas dedilhadas ao violão. A segunda, uma balada em voz e piano, retrata um coração em terra arrasada, destruído e sem vida.

Luísa Sonza também canta melhor do que nunca (há espaço para aprimoramento, principalmente nas músicas mais dançantes, mas ela apresenta modulações e versatilidade interessantes).

Quem gosta de música de mexer a raba terá muito conteúdo para os próximos vídeos de TikTok, quem quer mandar indireta para crush nas redes sociais tem vez também.

Existe uma dualidade narrativa amarrando o trabalho todo. São altos e baixos, crises de risos e de choro.

Se "o conto dos dois mundos (hipocrisia)" é uma carta sobre a solidão, "também não sei de nada :D", uma parceria com o incrível Lulu Santos, encerra o álbum com esperança - é disso que estamos precisando, afinal, não é? As duas faixas estão, por exemplo, conectadas pelo mesmo verso ("Não tem a ver com meu jeito de pensar"), que tem um sentido diferente conforme o contexto de cada canção.

Corajosamente, Luísa Sonza não se esconde atrás camadas de sintetizadores e versos plastificados e distantes, como é comum na música feita para milhões de plays. Ela realmente colocou a mão na massa, assinou todas as músicas (com outros compositores), produziu as faixas em parceria com Douglas Moda e o mestre nave, roteirizou e dirigiu os clipes e assinou a direção artística do projeto todo.

É pessoal, intimista e ao mesmo tempo expansivo por tratar de temas que qualquer um que tenha passado pelos 20 e tantos anos já tenha vivido, em maior ou menos escala. Mais uma dualidade (íntimo e público), perceberam? "Doce 22" é dolorosamente real e corajosamente revigorante.

E em vez de reinventar a roda, criar uma revolução ou um rompimento estético e musical, Luísa Sonza olhou para dentro de si e para os próprios fantasmas. Nutriu-se da confusão que é ter 22 anos e perceber as certezas construídas até ali desmoronando uma a uma.

Ao longo dos anos, criamos uma casca, uma cicatriz em cima destas primeiras decepções da vida adulta. Tendemos a nos distanciar deste período tão confuso dos 20 e poucos anos e nos concentrar em pagar os boletos que teimam em chegar.

"Doce 22", por isso, atua como este agridoce convite à lembrança das vezes em que perdemos o chão, de que o início da vida adulta é uma constante luta para encontrar um lugar no mundo. E, principalmente, de que sobrevivemos, mesmo que nosso castelinho de areia de certezas se desfaça a cada maré alta.