Todos nós somos culpados pela morte de Amy Winehouse
Sem tempo?
- Estamos há 10 anos sem Amy Winehouse.
- Um talento bruto e puro que foi corroído e corrompido por nós, mesmos.
- A cultura de massas consome de forma parasitária. E, neste caso, nós somos os parasitas.
- Todos queríamos um pedacinho dela.
- E hoje n?so temos mais nada.
Sim, em maior ou menor quantidade, todos temos culpa pela morte de Amy Winehouse.
Amy visitou o Brasil alguns meses antes de morrer. Em janeiro de 2011, passou por Rio de Janeiro, Pernambuco, Santa Catarina e, por fim, São Paulo. A tour foi minuciosamente acompanhada pela imprensa das celebridades, mais do que pela musical, talvez.
Antes da apresentação em São Paulo, a última da turnê, comentava-se na sala onde se reúne a imprensa antes dos shows o quão imprevisível era a cantora. Discutia-se se ela exibiria, após tantas internações e rehabs, a voz que a fez brilhar com os álbuns "Frank" (2003) e "Back To Black" (2006).
Havia uma sensação de que Amy era um trem sem freios correndo em direção a um muro. O que, de fato, aconteceu. Em 23 de julho de 2011, dez anos exatos anos atrás, o trem Amy se silenciou para sempre.
A maior voz da música deste século (e aponte-me alguém com mais possibilidades estéticas e sonoras que Amy surgida desde a chegada dos anos 2000) calou-se para sempre. Amy morreu lutando contra seus fantasmas, seus vícios, sim, mas também contra uma cultura dos escândalos cuja força a gente, meros anônimos, desconhecemos.
Mas a culpa não é só da turma sanguessuga que varre a vida das celebridades. É importante que, dez anos depois, seja feito um mea-culpa.
A morte de Amy passa por um moralismo barato de apontar cada deslize da artista - quem nunca bebeu até sair tropeçando por aí por levar um pé na bunda ou por estar feliz demais não conhece os reais dissabores e sabores da vida - e esmiuçar uma vida que não era da conta de ninguém além da própria dona.
Desde que despontou pelo talento robusto que oferecia, Amy foi consumida à exaustão. Seu estilo, sua voz, sua vida particular, seus erros, seu físico. Imagine-se exposto daquele jeito, investigado e julgado.
O peso nos ombros frágeis de Winehouse sempre foi alto demais para ela. Pra ela e para qualquer um.
E ela se desmontou aos poucos, na nossa frente, fotografada por paparazzi, testemunhada por nós. Quem clicou nas galerias de fotos de Amy nos seus piores ou melhores dias, matou-a também. Quem quis saber a nova fofoca da vida da artista, entender como estava a relação dela com o namorado/marido. Quem julgou a artista por algo além da própria arte, que era um estouro.
É um círculo vicioso. Quando mais se consumia Amy, mais ela consumia a própria vida. Quanto mais ela consumia a própria vida, mais combustível tínhamos para consumi-la também. Percebe?
Sugamos Amy como nunca mais a cultura pop foi capaz de fazer com alguém. Os tempos são outros e os artistas têm maior controle sobre a própria narrativa. Claro, ainda caem no julgamento do tribunal da internet, mas agora têm mais controle do que é publicado sobre eles.
A indústria pop descobriu que perder seus ídolos aos 27 anos era ruim para os negócios e, até que enfim, tratou de mudar as coisas.
Amy foi última artista a perder a vida para uma indústria que consome mais do que dá de volta. E daí que ela usava a droga que fosse? E daí que seu casamento não era o que os valores moralistas esperavam? O que Amy poderia nos dar além da sua voz e talento?
Exigimos dela, e de todos os artistas, um exemplo de moral e bons costumes irreais. Não são deuses, são tão humanos quanto eu e você.
De um jeito ou de outro, alimentamos a pressão demasiada colocada nos ombros dela. O fato de Amy ter sido incapaz de lidar com isso não enfraquece seu talento, mas evidencia como sua morte poderia ser sido evitada.
Um talento bruto e precioso corroído e corrompido pela fama. A cultura de massas é parasitária, consome até onde pode e vai embora em busca de outro hospedeiro. Todos nós queríamos um pedacinho de Amy Winehouse. E hoje não temos mais nada.
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