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Pedro Antunes

The Killers cria o álbum mais anti-The Killers possível. E isso é ótimo

The Killers fez um disco anti-The Killers? - Foto: Danny Clinch / Montagem: Pedro Antunes
The Killers fez um disco anti-The Killers? Imagem: Foto: Danny Clinch / Montagem: Pedro Antunes

Colunista do UOL

14/08/2021 07h28

Sem tempo?

  • Sem poder sair em turnê com o álbum de 2020, o The Killers fez um novo disco.
  • E Pressure Machine é o oposto do que a banda vinha criando. E isso é ótimo.
  • O novo trabalho é uma reunião de histórias sobre solidão e esperança da pequena cidade de 6 mil habitantes de onde nasceu Brandon Flowers.
  • Prepare-se para uma jornada estranha, melancólica e fascinante.

O pai de Brandon Flowes, vocalista do The Killers, acordava às 3h pela manhã, todos os dias, para trabalhar em uma cidade próxima de Nephi, no Utah, no sudoeste dos Estados Unidos. Preocupado, sr. Flowers fazia um esforço gigantesco para não acordar ninguém. A mãe, Sra. Flowers, garantia que não ouvia nada. "Era como se fosse um ratinho", dizia ela.

Algo dessa história ainda mexe com o Flowers filho, atualmente de 40 anos e líder de uma das bandas mais bem sucedidas dos anos 2000.

E foi esse ponto, esse nervo que ele achava estar escondido e bem protegido, atingido durante o período de recolhimento e solidão causado pela Covid-19. Sem sair em turnê com o álbum "Imploding the Mirage" (2020), Flowers voltou suas atenções neste foco de dor, de lembranças embaralhadas, confusas, que despertavam sentimentos agridoces.

Flowers repetia os passos da figura paterna sem realmente perceber isso. Como se o trabalho o chamasse, como ocorria com o pai. No caso do vocalista do Killers, o ofício é criar canções.

Neste nunca-mais-normal (afinal, chamar o que vivemos de "novo-normal" me parece um desrespeito às perdas para a covid-19), isolado e distante dos palcos, o The Killers renasce das cinzas criadas pela sua autocombustão.

Eis "Pressure Machine", o sétimo álbum do grupo, um intimista, detalhista e literário trabalho de dedicado à pequenina cidade de Nephi, o berço de Flowers e lugar onde ele aprendeu a ver e entender o mundo.

Não espere explosões coloridas de teclados, os vocais vibrantes e as baladas grandiosas de estádio. Aqui, Brandon canta a solidão, o vazio, como uma reunião de contos e histórias das pessoas deste pedaço de terra de 12 mil quilômetros quadrados entre o nada e o lugar nenhum.

Como o caso de "Quiet Town", música lançada com clipe junto do álbum, inspirada a partir da morte de um casal de jovens, Raymond e Tiffany, atropelados pelo trem que cruza a cidade. Vinte e cinco anos depois Flowers percebeu ainda ser tocado por essa história e escreveu uma balada sobre a perda da inocência.

Escrevi lá em cima sobre este álbum ser algo como literário e é, realmente, uma coleção de histórias. Áudios de moradores do local, contando suas pequenas histórias no início de algumas músicas, são um convite para um mergulho aprofundado.

A jornada de "Pressure Machine" é intensa, por isso é tão boa. Como Brandon Flowers disse: "As pessoas falam: 'Componha sobre o que você conhece'. E parece fácil, não é? Estou fazendo isso há 20 anos e só agora eu consegui fazer isso".

O The Killers sempre foi a banda mais exuberante e grandiosa daquela grande geração de sucesso na primeira década do novo século. Enquanto o resto (à exceção do Coldplay) intimidava-se com o sucesso, Flowers e companhia pisavam mais no acelerador, como se o mercado fonográfico fosse uma estrada no meio do deserto nas cercanias de Las Vegas. Destemidos e, cá entre nós, perdidos também.

Uma longa jornada separa o exuberante e eletrizante "Hot Fuss" (2004) de "Imploding the Mirage" (2020), o disco mais recente antes da pandemia. Conforme o Killers foi se transformando - com "Sam's Town" (2006), "Day & Age" (2008), "Battle Born" (2012), "Wonderful Wonderful" (2017) - a banda se "perdida no personagem" criado por ela, mesma.

Se perdia diante do espelho. Sem foco, estes álbuns não são ruins nem memoráveis. Algo que "Pressure Machine" já é, apesar de ser o oposto deles todos.

Na verdade, "Pressure Machine" é o álbum mais anti-The Killers da então atual versão do The Killers.

E, por mais estranho que este disco seja (e ele é, adoravelmente, esquisito, com canções muito narrativas e as entrevistas com os moradores de Nephi que mantém o ritmo do álbum no fogo baixo), ele soa genuíno, mais de carne e osso do que de plástico reciclável.

Tudo é tão palpável que é preciso de um auto-beliscão para voltar à nossa própria realidade durante a escuta. O mesmo acontecia com excelente "Hot Fuss", disco que está na outra ponta dessa história e era vibrante e neon.

Introspectivo. Reflexivo, Existencialista. Desesperançoso. E

(Sim, estou descrevendo o álbum do The Killers, mas pode ser o #sextou durante a pandemia, não é?).

E, mesmo assim, fascinante.

Você pode reclamar comigo aqui, no Instagram (@poantunes) ou no Twitter (também @poantunes).

Errata: este conteúdo foi atualizado
O casal que inspirou a música "Quiet Town", Raymond e Tiffany, eram jovens de 17 anos, não idosos, como informado anteriormente.