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Por que rock virou música de conservador?

Desde quando o rock virou música de conservador? - Montagem: Pedro Antunes
Desde quando o rock virou música de conservador? Imagem: Montagem: Pedro Antunes

Colunista do UOL

19/08/2021 12h36

Meu pai detestava Alice Cooper. Dizia não entender porque o roqueiro norte-americano vestia aquelas fantasias assustadoras e, teatralmente, simulava cenas de filmes de terror horripilantes no palco. Mas era justamente por incomodar gente como ele que Cooper fazia aquilo tudo.

Por décadas, a vontade de incomodar, de tirar o conservadorismo da zona de conforto, de desequilibrar as estruturas da tradição e da família esteve alma, no DNA ou no destino (depende do que você acredita, simpático leitor) de todo roqueiro que se prezasse.

Cooper era um exemplo, mas temos toneladas de álbuns vendidos assim, com aviso para os pais de que o conteúdo daquelas músicas era lascivo, diruptivo e proibido para menores.

Eram estes álbuns marcados os quais a gente, molecada sem idade "permitida" para ouvi-los, mais gostava. O fato do meu pai não gostar de Alice Cooper me levou automaticamente gostar do artista no início da adolescência. Veio a descoberta do heavy metal do Metallica e do grunge do Nirvana, tudo aquilo que meus pais, criados no berço confortável da MPB, grunhiam por acharem ser mais barulho do que música.

O rock, atualmente este senhor de idade avançada, é historicamente um movimento de ser contra a corrente, qualquer que seja. A contravenção que fez a turma rebolar os quadris e chocar as famílias nos anos 50, que levou a molecada a usar alfinete como brinco e piercing duas décadas depois. É o que motiva alguém a pegar uma guitarra na adolescência para tocar mais alto do que qualquer vizinho gostaria.

Por isso é tão difícil entender a atual ascensão do perfil "roqueiro conservador", o sujeito que nega a novidade e decidiu que música boa foi criada durante duas ou três décadas entre os anos 60 e se despediu em 1991.

Vi outro dia uma confusão nas redes acerca de um lançamento de músico chamado Sebastianismos, também baterista da banda brasileira e mexicana Francisco, El Hombre (de músicas como "Triste, Louca ou Má", que brilhou nas trilhas sonoras da Globo e na voz da participante do BBB 21 Juliette Freire).

A turma roqueira da velha guarda criticava a iniciativa do artista de fazer um álbum de pop punk, esta versão melódica e dramática do punk furioso. Reclamavam de estética, do som, do que pudessem. O debate se acalorou entre aqueles que entendem que o rock estacionou nos anos 90 e quem cresceu com bandas novas dos anos 2000 e quiçá 2010.

O resultado disso foi que Sebastianismos seguiu lançando singles, apesar dos protestos desta turma. E se o primeiro deles, "Bomba Relógio", teve 17 mil plays no Spotify, o mais recente, "Cicatriza", com participação da Fresno, teve uma performance ainda melhor, com 82 mil streams.

Quanto mais a turma se irrita, mais cresce o movimento contrário ao conservadorismo vigente, percebem?

Oras, quando uma adolescente de pop como Olivia Rodrigo chega ao topo das paradas dos Estados Unidos com uma música basicamente de rock (chamada "Good 4 U") ou quando um rapper como Machine Gun Kelly também se torna um hitmaker do pop punk, algo está claro: nova onda roqueira está entre nós.

Desta vez, vinda de uma geração com 20 anos recém-completados (assim como foi nos anos 60, 70, 80, etc), mas desta vez com uma audiência vindo do TikTok e propositalmente ignorando as barreiras e os limites estabelecidos pelos rótulos, sejam musicais ou identitários.

E esta molecada provoca quem quer sentar em cima do status quo e dizer que o "rock bom é aquele do (insira aqui o nome da banda clássica da sua preferência)".

O problema não é curtir AC/DC, entende? Mas, sim, brigar para que tudo se mantenha exatamente do jeito que estava. Refutar o novo como únicos donos da verdade absoluta.

O roqueiro das antigas virou o conservador que ele tanto quis combater no passado. De repete, o roqueiro se tornou este o defensor de uma moral e dos bons costumes do rock, que além de ter parado no tempo, se incomoda quando alguém propõe o novo.

É claro que isso não é exclusivo da música. O movimento acompanha a onda de extrema direita conservadora na política mundial, em países do leste europeu, da eleição de Trump e respinga até ao Brasil, evidentemente.

Bem-vindos à preocupante era do conservadorrock. Seu tio do zap (aquele, mesmo, das fake news), vai adorar, tenho certeza.

Você pode reclamar comigo aqui, no Instagram (@poantunes) ou no Twitter (também @poantunes).