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Pedro Antunes

Caetano Veloso descobriu que a internet é tóxica. Estamos salvos?

Caetano Veloso descobriu a toxicidade das redes  - Foto: Fernando Young / Divulgação | Montagem: Pedro Antunes
Caetano Veloso descobriu a toxicidade das redes Imagem: Foto: Fernando Young / Divulgação | Montagem: Pedro Antunes

Colunista do UOL

17/09/2021 08h33

"Anjos Tronchos", música que de troncha não tem nada, é o novo ímpeto criativo de Caetano Veloso.

Trata-se de uma faixa inédita, de um disco solo que sucederá o já antigo e ainda genial "Abraçaço", álbum de 2012.

Composição de Caetano, a faixa é desenhada por uma guitarra suja e sombria assinada por Pedro Sá, músico e produtor que acompanhou Caetano como parte da banda Cê - o grupo de jovens que gravou com Caê os discos rejuvenescedores "Cê" (2006), "Zii e Zie" (2009) e o citado "Abraçaço".

O novo single de Caetano tem algo de roqueiro que parece ter saído dos tempos de "Cê", principalmente no momento mais melódico e menos sombrio da canção, quando a letra trata da Primavera Árabe.

A faixa integrará o álbum "Meu Coco", a ser lançado ainda neste ano e, segundo a nova gravadora do artista, a Sony Music, oferecerá uma jornada por dentro da cabeça desta figura da música popular brasileira.

"Agora, a minha história é um denso algoritmo", versa o baiano. Sim, Caetano agora mira a internet.

Caetano é brilhante quando veste a toga de estudioso de "agoras".

Seus melhores álbuns são assim, marcos do tempo, contadores da história brasileira através de versos ora poéticos, ora ferozes, por vezes cândidos.

Assim o fez em discos essenciais como "Tropicalia ou Panis et Circencis" (álbum coletivo de 1968), "Transa" (1972), "Qualquer Coisa" (1975), "Cinema Transcendental" (1979), "Uns" (1983), "Circuladô" (1991) e a trilogia da banda Cê.

Cada um deles, do começo ao fim, ajudava a entender o que se passava no Brasil e no mundo.

Com "Anjos Tronchos", Caetano mira a internet em sua totalidade: a toxicidade das redes ("Um post vil poderá matar"), os perigos das fake news e os políticos criados a partir delas ("Palhaços líderes brotaram macabros"), como Jair Bolsonaro e Donald Trump, surgidos dos esgotos da mentira.

Caetano canta os nudes ("Ah, morena bela Estás aqui / Sem pele, tela a tela") e a usabilidade viciante e consumidora das plataformas ("Neurônios meus ganharam novo outro ritmo E mais e mais e mais e mais e mais").

Elogia, por fim, a existência de Billie Eilish (a tal "Miss Eilish"), que graças à conectividade das coisas pode criar grandes canções sem sair do quarto, na companhia do seu irmão.

Com seus quase 4 minutos, "Anjos Tronchos" parecem trazer Caetano narrando também 4 minutos gastos no feed de Instagram, post a post, notificação por notificação.

E é assustador.

Todo mundo já foi tóxico nas redes. Até Caetano

Bom, Caetano Veloso descobriu que a internet é tóxica.

Não que ele já não soubesse ou tivesse vivido isso na pele, de diferentes formas.

Em 2011, dez anos atrás, por exemplo, o jornalismo da web chegou ao ponto de reflexão com Caetano no centro da discussão por causa da publicação da notícia "Caetano estaciona carro no Leblon nesta quinta-feira". UOL marcou a década desse fato em um texto de quem estava no portal Terra na época, o atual editor Osmar Portilho.

Mas Caetano também esteve do outro lado, daquele de quem agride.

Em 2020, por exemplo, ele atacou a Rolling Stone Brasil em um post no Instagram em razão de texto sobre a histórica e premiada live de Caê no Globoplay. A publicação mostrou um desconhecimento extremamente infeliz sobre a cultura musical do prato-e-faca do recôncavo baiano (assim como fizeram outros veículos igualmente importantes, é bom lembrar, mas que não foram alvo na ocasião) e gerou um debate enorme sobre a cultura e o jornalismo musical como todo.

Caetano, na ocasião, não mostrou a empatia que tanto buscamos nas redes - e escrevo isso sem passar pano para qualquer veículo jornalístico que sucateia abominavelmente a cadeia de informação.

Mas a publicação gerou um tsunami de ódio que respingou na mais parte frágil dessa história - a de quem escreveu a infelicidade num sábado de plantão -, em vez de acertar onde realmente importava, a parte que figura topo da cadeia e única capaz de promover alguma mudança.

Fazia sentido? Claro, o tal post de também lembrava os seguidores de Caetano que a dita live estaria disponível no Globoplay por mais alguns dias.

As redes são tão tóxicas porque ódio gera mais engajamento do que amor.

E o tal algoritmo, que não é realmente inteligente, não entende que o que é "hate", só contabiliza "likes", "views" e "shares".

Este colunista, mesmo, é atacado diariamente nas redes. E gasta o que recebe em terapia para lidar com tanta mensagem de ódio gratuita. Admito, também já desferi ódio por aí desnecessariamente.

Cronista do agora, Caetano registra a tensão e alegria em poesias singelas ou ardentes. Mas sempre atua como se apontasse para uma reflexão e pedisse por transformações.

"Anjos Tronchos", é tudo isso ao mesmo tempo. E arquiva para sempre uma narrativa de como era navegar por Twitter, Facebook e Instagram nos anos 2020.

Na perspectiva do futuro, quando olharmos para a discografia de Caetano como fazemos hoje com álbuns dos anos 60, 70 e 80, que a gente possa pensar: "Nossa, naquela época, a internet era terrível. Ainda bem que hoje está tudo bem."

Vem novo álbum aí

O nome do novo disco de Caetano será "Meu Coco" e, além de "Anjos Tronchos", o disco terá 12 faixas, conforme informou o colunista Mauro Ferreira, do G1. Músicas como "Pardo" (gravada por Céu em 2019), "Noite de Cristal" (Maria Bethânia, em 1988) e a "Autoacalanto" (uma canção já mostrada em uma live), nunca gravadas por ele, devem estar no novo trabalho.

A faixa foi lançada nas plataformas digitais na quinta (16) e hoje ganha um clipe, às 20h.

Você pode reclamar comigo aqui, no Instagram (@poantunes) ou no Twitter (também @poantunes).