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Pedro Antunes

'Round 6' meio que é uma versão violenta de Caldeirão do Huck. É isso?

Round 6: o sorriso bobo de quem encontrou o fundo do poço - Montagem: Pedro Antunes
Round 6: o sorriso bobo de quem encontrou o fundo do poço Imagem: Montagem: Pedro Antunes

Colunista do UOL

02/10/2021 04h00

Alguém que cresceu durante os anos 90 consumindo o conteúdo de TV aberta e sem grana para ter TV a cabo e aquela tonelada invejável de canais conheceu o que chamo de "TV Tragédia": um misto de jornalismo (ou quase) com entretenimento (nem tanto) em que a audiência se constrói em cima da desgraça alheia.

Essa programação incluía tanto o sangrento telejornal "Aqui Agora", exibido no SBT de 1991 e 1997, ao Programa do Ratinho, Domingo Legal, Programa Sílvio Santos até a versão gourtmetizada da "TV Tragédia" com Caldeirão do Huck, mais clean, suave e edificante.

Aliás, se você parar para pensar, é assim que quase toda a roda do entretenimento gira, do programa de entrevistas da Oprah aos documentários de true crime da Netflix. Drama humano, o trash e o fundo do poço sempre rendem cliques, likes, views, pontos de audiência e independentemente da métrica.

Mas neste tipo de "TV Tragédia", além do personagem na pior, é necessária a existência do símbolo do salvador, uma entidade que pode ser o apresentador ou a própria emissora.

Lembro de assistir ao "Porta da Esperança", ótimo quadro do Programa Sílvio Santos. Víamos aquelas pessoas sofridas que tinham um sonho, fosse uma coleção de bonecas ou algo para o trabalho. Sílvio conversava com a pessoa, estabelecíamos uma conexão com aquela história e, por vezes, testemunhávamos a decepção no rosto delas quando as portas abriam e não havia nada do outro lado. Eu era pequenino e ficava arrasado ao mesmo tempo, ansiava por ir um dia para ganhar a coleção completa dos bonecos de "Os Cavaleiros do Zodíaco".

Luciano Huck fazia algo assim no Caldeirão durante 21 anos. Virou até meme. Ele encontrava um fulano, contava a história toda de como ele precisava de dinheiro para algo, e depois colocava essa pessoa para chutar bolas no ângulo do gol e conseguir a tal bolada salvadora. Se errasse, já era.

Eu achava cruel.

Toda vez que surge uma história do apresentador se candidatar à presidência, a piada volta a tona: "Quer saúde pública de qualidade? Atravesse esse campo cheio de obstáculos que mantendo o ovo aparado pela colher intacto que você terá a sua cirurgia". Hahahá, que engraçado.

Round 6 (ou Squid Game), esse dorama/drama coreano, é sucesso absoluto na Netflix graças à mesma pegada - e às notícias relacionadas à produção sobre as polêmicas, plágios e tudo mais que alimenta o hype necessário pela indústria cultural hoje em dia.

Na trama desta ficção (a qual você, eu tenho certeza, já está familiarizado) pessoas que estão no fundo do poço financeiro e entram em uma competição violenta que garantirá ao vencedor uma quantia salvadora de dinheiro.

Cria-se rapidamente uma conexão com o lado de cá. Todo mundo já quis mudar de vida e passa por um aperto quando os boletos chegam - só espero que ninguém aqui esteja devendo para agiotas, como na série. Era assim na TV aberta, é agora em plataformas gigantes como Netflix.

Obviamente, a coisa em Squid Game é violentíssima. Aterrorizante ver os resquícios de humanidade se esvaindo dos olhos dos personagens. Até onde você chegaria para se salvar?

Macabro, sem dúvida.

Mas não surpreendente.

Para quem já desejou estar na plateia do Sílvio Santos para pegar algum daqueles aviõezinhos feitos com notas de R$ 50 e torceu tanto por aquelas chutes entrassem no ângulo durante Caldeirão do Huck sabe do que eu estou falando.

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Errata: este conteúdo foi atualizado
O quadro apresentado por Silvio Santos chamava-se "Porta da Esperança", diferente do informado anteriormente. A "Porta dos Desesperados" também era exibida pelo SBT, mas apresentada por Sérgio Mallandro.