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Pedro Antunes

Charlie Brown Jr. corre o risco de repetir a Legião Urbana. Isso é péssimo

Colunista do UOL

26/10/2021 04h00Atualizada em 01/11/2021 17h44

Quando um artista morre, quem tem cuida do legado dele? Herdeiros? Ex-companheiros de banda? Gravadora?

Falam muito em "direitos" - "fulano tem os direitos" - enquanto deveriam estar falando de "deveres". É importante inverter esses valores.

Afinal, "ter os direitos" dá uma ideia de algo lucrativo. De recebimento. Deveríamos é falar sobre os serviços prestados à obra em questão do artista que não está mais entre nós.

É tudo uma questão de respeito com quem criou tais canções e cuja história deve ser honrada.

Me parece tão simples, embora, sabemos, não é nada fácil.

O legado de Kurt Cobain é famoso pelos arranca-rabos entre o restante do Nirvana e o espólio de Kurt representado por Courtney Love.

O que restou da Legião Urbana, para a tristeza da colega colunista de UOL Splash Luciana Bugni, está sempre em pé de guerra.

De um lado, Giuliano Manfredini. Do outro, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, músicos que construíram a obra de Renato Russo.

O assunto é polêmico e gera debate: quem tem mais "direito"? Quem poderia decidir pelo nome e pela marcada de uma banda? Direitos, direitos, direitos. Direito por ser filho, direito por ter feito parte da banda.

De novo. É tudo questão de mudar a palavrinha mágica. É um dever que filho e ex-companheiros e banda têm com a obra de Renato Russo.

Se hoje um jovem de 14 anos não tem ideia de quem foi Renato e quais músicas da Legião Urbana se comunicaram profundamente com ele, a culpa é dessa briga "por direitos".

A última história da treta foi de um documentário sobre a Legião Urbana criado pelo Globoplay e cancelado de última hora.

O Thiago Pethit, cantor, fez essa pergunta no Twitter:

Ele levantou a bola e o colega Felipe Branco Cruz, da Veja, foi cortar. Ele correu atrás da história e, segundo apurou, o filme foi engavetado porque a empresa Legião Urbana Produções, comandada por Giuliano, não autorizou a veiculação de imagens e das músicas de Renato.

Percebe o que digo sobre "deveres" em vez de "direitos"?

A semana começou com a exposição do racha no legado do Charlie Brown Jr., com a saída dos músicos Marcão e Thiago Castanho da turnê que celebraria tanto o vocalista Chorão quanto o baixista Champignon, ambos integrantes que morreram em 2013.

Segundo postaram os músicos, a confusão gira em torno do relacionamento deles com Alexandre Abrão, o filho de Chorão e alguém com quem eu conversei algumas vezes e sempre se mostrou disposto a fazer a história do Charlie Brown Jr. chegar em mais pessoas.

É bem possível que a situação de Charlie Brown Jr. difira da Legião Urbana, juridicamente falando. Não tenho ideia de quem pode responder pelo quê, mas isso pouco importa porque o efeito é o mesmo.

Charlie Brown Jr. era um grupo conhecido pela volatilidade do Chorão como líder. Até mesmo Castanho e Marcão foram e voltaram da banda.

O que preocupa é a luz amarela ligada por uma situação como esta, a briga, as acusações, as juras de "nunca mais".

Depois disso, como ficam os outros órfãos da obra de tal artista?

É preciso tomar cuidado para evitar que Charlie Brown Jr. siga os passos da Legião Urbana.

O título do texto é uma provocação. "Corre o risco", afinal, porque pode repetir a Legião não no melhor dela, mas no que restou hoje do grupo e do legado, 25 anos após a morte de Renato.

Como mostrou o lançamento do registro do show "Chegou Quem Faltava", de 2011, e o documentário Marginal Alado (elogiadíssimo aqui na coluna), ainda há muito o que a molecada possa descobrir da obra de Chorão.

Assim como ainda há tempo para a Legião Urbana voltar a pensar como coletivo e no dever que todos têm com a obra de Renato Russo.

Sempre dá tempo. É só abrir o diálogo.

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