O TikTok já mudou a música. Demonizá-lo é perda de tempo
Em 2013, enquanto o Spotify ganhava o mundo, uma batalha crescia. Os músicos tradicionais reclamavam da plataforma, é claro. O alvo não era tanto a questão financeira da coisa (que na época era ainda nebulosa), mas sim a qualidade ruim do som.
Thom Yorke, do Radiohead, era contra. O DJ Moby, o produtor, era a favor. E Moby disse uma das frases que mexeu com minha cabeça no entendimento de tecnologia e na vã tentativa de frear seus avanços.
"Eu amo Thom York, mas ouvi-lo reclamando do Spotify me faz pensar nele como se fosse um velho gritando contra os trens rápidos demais. Gosto de tudo que permita as pessoas a terem mais música nas vidas delas."
Moby ao Mashable em novembro de 2013.
Também amo Thom Yorke. Mas, neste caso, estou com Moby.
O que nos leva ao hoje. Ao TikTok. À "tiktokzação" da música. E à demonização da plataforma, do mesmo jeito que rolou quando o Spotify e outros surgiram.
Rolei de rir com o vídeo da trupe do Porta dos Fundos com Caetano Veloso. Eles, que são colunistas aqui, apresentam uma visão divertida e escrachadamente real de como o TikTok mexeu com a música como a conhecemos.
Se você ainda não assistiu, o vídeo está abaixo. Nele, Caetano e Paula Lavigne interagem com João Vicente de Castro e Gregório Duvivier, que atuam como especialistas de marketing musical na promoção do novo álbum de Caê.
E, neste caso, em pleno 2021, o TikTok é uma das principais ferramentas de divulgação da música.
Claro que tudo ali é exagerado - duvido que alguém tenha coragem realmente de fazer alguns daqueles apontamentos -, mas ao mesmo tempo é muito real.
Pode não ser assim no ambiente ultra indie, alternativo e tal, mas na música dos milhões (de views e de reais), o que é dito pelos personagens de Duvivier e João Vicente está no beabá da indústria.
É assim desde os tempos pré-TikTok
Na música pop, as faixas devem ser, não necessariamente nesta ordem: curtas; quanto mais diretas, melhor; ter títulos preferencialmente compreensíveis para todos; questões relacionadas a política devem ser evitadas a não ser que isso seja vantajoso; e serem boas.
Nada do que foi dito acima mudou. O fato de dancinhas ou trends serem acrescentadas à fórmula só prova a existência da mesma. Fingir a inexistência é, no mínimo, ingenuidade.
Desde quando pensar estrategicamente ou mercadologicamente numa música é errado? O que isso esvazia ou inviabiliza o processo?
Pensar no "melhor jeito de atingir mais gente" é que faz de uma música pop realmente pop. E existem toneladas de nuances no meio do caminho. Bruce Springsteen é tão pop quanto Taylor Swift - o que muda é o público alvo, cenário e a forma de atingir essa massa.
Os Beatles viraram mania com adocicadas baladas adolescentes dialogando com a turma sub-20 antes de se tornarem realmente a maior banda do mundo. Paul, George, John e Ringo foram o fenômeno viral da época. É um problema para você?
As figuras da turma do marketing representados pelos caras do Porta dos Fundos ocupa o espaço que foi outrora dos empresários, aqueles responsáveis por colocar bandas e artistas no topo do mundo.
Um bom exemplo dessa figura é Malcolm McLaren, o genial empresário que percebeu que o movimento nascido nos clubes atolados de viciados em heroína de Nova York poderia ser interessante e desenvolveu os conceitos do punk com o Sex Pistols no outro lado do oceano, em Londres.
A música é arte, mas tal qual o cinema, é uma engrenagem muito maior do que um compositor e seu violão. Quer dizer, essa é a essência, mas o mecanismo é muito maior do que isso.
Enquanto a rapaziada reclama do TikTok, que sacudiu o mercado na esteira do conceito de "música na nuvem" dos streamings, quem sabe mexer com a plataforma do momento, seja indie seja popularzão, se dá melhor.
Veja a Marina Sena, uma das vozes mais extasiantes que você ouvirá nesta década. São uns 10 anos de carreira, duas bandas ótimas, o Rosa Neon e A Outra Banda da Lua, mas o hit aconteceu agora, com o álbum solo, o primeiro, "De Primeira" e a música "Por Supuesto", que graças à engenharia musical do TikTok chegou ao topo da parada viral do Spotify mundial. Mun-di-al.
O mesmo também aconteceu com o simpático João Gomes, um dos grandes nomes do piseiro de 2021, em uma história inacreditável e inspirada por versos deliciosamente sofridos.
Ambos estão na montagem que abre este texto e recomendo fortemente a audição destes dois fenômenos.
Enquanto você está ali reclamando "que TikTok só tem dancinha", os espertos sabem que quase METADE (ou 47%) dos usuários da plataforma pesquisam uma música nova que descobriram por ali nos seus serviços de streaming e adicionam-na às suas bibliotecas pessoais. É uma taxa de conversão gigantesca.
A informação acima foi publicada pelo site TikTok For Business em junho deste ano. No mesmo estudo foram apresentados outros números interessantes: 46% das pessoas visita o perfil do artista da tal música nova; e 43% seguem-no na plataforma.
O TikTok se tornou uma arma para quem não necessariamente estava na crista da onda encontrar o seu público. Tem gente ficando enorme e popular graças à plataforma.
E o sucesso também bate na porta da geração passada. Quem não lembra do resgate da música "Dreams", do Fleetwood Mac? Não é por acaso que medalhões como Alceu Valença e Gilberto Gil se juntaram à plataforma. Não precisa fazer dancinha para estar ali.
Claro, imaginar Caetano Veloso se "curvando" diante das leis do marketing moderno como exibido no vídeo da Porta do Fundos é surrealista. Mas é importante saber todas as regras do jogo antes de decidir qual maneira pretende jogá-lo.
Estar alinhado com a linguagem do TikTok não é ruim. Há muita música boa ali, outras nem tanto (a volta do pop punk, no que há de melhor e pior, passa diretamente pela plataforma, por exemplo).
Lutar contra o TikTok agora dá no mesmo que, nos anos 90, reclamar da MTV. Ou reclamar das rádios e das principais playlists das plataformas de streaming. Elas estão ali. Existem e ponto.
O artista pode escolher como quer usar cada uma dessas ferramentas. Demonizá-las é o mesmo que subir no ringue para uma disputa contra Mike Tyson na época em que ele lutava boxe e não jantava orelhas dos adversários.
Ou, como diz Moby, é como aquele velhinho que reclama que os trens estão andando rápido demais. "Bom mesmo era na época das carroças". Será?
Você pode reclamar comigo aqui, no Instagram (@poantunes), no Twitter (também @poantunes) ou no TikTok (@poantunes, evidentemente).
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