Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Por favor não me obrigue a negar seus convites para eventos pós-pandemia
É claro que eu tô feliz que a pandemia tá acabando, quem é esse ser amargo que não estaria? Mas a retomada dos eventos sociais me assombra em um lugar bem diferente do que eu havia previsto: na promessa que fiz à mim mesma de que eu nunca mais recusaria um convite social. Eu devo ter me confundido com alguém diferente.
Mas tudo bem também, queimar largada nessa primeira resolução pós-pandemia não chega a ser um drama muito profundo, porque já sou calejada em autodecepção. O que mais me machuca é saber que esse período me atingiu em um lugar muito mais cruel do que eu poderia ter previsto: o meu recém-adquirido misticismo.
O desamparo da pandemia me tornou a pessoa que eu jurei que nunca seria: alguém que acompanha os ciclos lunares e que acredita que palavras têm poderes — e é justamente esse o motivo da minha ruína. Não consigo mais inventar desculpas esfarrapadas pra não ver ninguém sem me sentir culpada pelos efeitos que elas podem gerar.
Até 2019 eu tinha um longo arsenal de desculpas engatilhadas pra não ter que fazer qualquer coisa que não estivesse afim: desde infecção urinária até emergências médicas em parentes variados. Mas agora eu sou uma pessoa fragilizada, que acredito espiritualmente que a gente emana o que diz, então não me sinto bem de matar nenhum parente, mesmo um que eu tenha inventado.
Eu tentei muito não virar refém da minha própria credulidade. Dei unfollow em várias contas místicas e me convenci de que o mundo é essa coisa sólida que a gente já conhece. Alguns dias depois um amigo me chamou pra sair em um sábado. Domingo eu respondi que não tinha visto a mensagem, e coloquei a culpa no 4G que estava ruim. Segunda-feira o Facebook caiu, derrubando também o WhatsApp e impossibilitando quase todas as formas de comunicação digital. Eu entendi ali o recado, Cosmos. Voltei a seguir a @bixabruxa no mesmo ato.
Só que agora eu vivo em uma prisão, porque cada convite indesejado é um risco enorme para a minha integridade. Uma ex-colega teve filho recentemente e me convidou para ir conhecer a criança. Resolvi lidar com essa questão de uma maneira que eu nunca havia tentado antes: fui sincera. Respondi que não tinha o menor interesse em conhecer bebês novos, porque pra mim quem conheceu um bebê, já conheceu todos. Não sei se funcionou, porque ela nunca respondeu pra dizer o que achou dessa minha nova abordagem.
Então escrevo essa coluna para expor um problema para o qual não tenho a solução. Já que atender a todos os convites claramente não é uma opção, qual é o modelo ideal de recusa entre a sinceridade e o sincericídio? Eu não sei ao certo, mas uma possível solução é incluir mais um item nas minhas resoluções pós-pandêmicas: a retomada do meu antigo ceticismo.
*Gabriela Niskier é roteirista do Porta dos Fundos. No Instagram: @gabrielaniskier
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.