Você sabe receber presentes?

Todo presenteador é um pouco stalker, já dizia Nelson Rodrigues. Claro que Nelson Rodrigues nunca disse isso, mas é que todos os roteiristas saíram correndo para aproveitar o Natal e como eu sou a única que não comemora, achei que valia a pena praticar uma boa ação. Não tive tempo de pesquisar uma frase de um autor célebre sobre presentes, então por que não inventar?

A gente pode dividir os presentes praticamente como se divide a humanidade: tem os que dão e os que recebem. Claro que uma grande parte pratica os dois atos, o que combinaria enormemente com a minha personalidade, mas devo confessar. Sou péssima na arte de receber presentes. E não é porque não sei como reagir ou porque fico sem graça pensando como aquela pessoa gastou tempo e dinheiro com uma pessoa medíocre como eu. É porque eu simplesmente não recebo.

Algo acontece que tudo na minha vida se encaminha para não receber presentes. Não posso reclamar dos meus aniversários, meus amigos sempre aparecem. Inimigos também. Mas não teve um ano sequer em que a taxa de adesão de presentes tenha sido maior do que 10%. Não comemoro Natal porque sou judia (por favor, não sejam antissemitas) e com isso nunca vivi o suprassumo do mundo dos presentes, aquela árvore linda envolta em pacotes misteriosos para pessoas que merecem ser presenteadas. O que com certeza não é o meu caso. Até mesmo quando participei do meu primeiro amigo oculto em uma aula de teatro, vi todo mundo sair feliz e saltitante prestes a crescer e montar Hamlet e eu saí de mãos abanando, pensando se um dia, quem sabe, alguém ia me aceitar em uma novelinha do Kwai.

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A recíproca também é verdadeira, não chego a ser alguém que encarna o Papai Noel e presenteia o mundo inteiro. Ele faz isso mesmo? Pelo menos é o que a cultura de vocês diz. Mas sim, posso dizer que dou bem mais do que recebo. E é aí que entra Nelson Rodrigues, ou pelo menos o tema desse esquete. É impossível presentear sem ser um stalker. Não pode ser muito caro pra não parecer esnobe, nem muito barato pra não parecer mão de vaca. Não pode ser extremamente pessoal porque você vai parecer observador demais nem algo genérico, porque vai parecer frio. Você não pode ser o único a dar o presente porque pode parecer que é apaixonado em segredo e nem o único a não dar porque vai parecer um inimigo em segredo. Se a pessoa for casada, o companheiro pode ficar com ciúmes. Se for solteira, pode achar que você está querendo sair com ela. Às vezes a casada pode achar isso também, mas não vem ao caso. O fato é que você realmente vai precisar de um bom tempo embarcando na vida daquela pessoa e os resultados podem ser péssimos. Ou surpreendentes, mas ainda assim péssimos. No meu caso, presente é que nem elogio. Só dou pra quem gosto muito.

Já eu, ganho tão pouco presente que tenho até uma mesinha deles mesmo morando em uma quitinete. Tudo bem que alguns são brindes. Outros roubados. Outros só guardanapos de uma noite legal (pra mim). O fato é que dar presente é difícil demais, deve ser por isso que não recebo. Só acho estranho que seja só comigo. Feliz Natal! (aos que têm um pra chamar de seu)

*Kika Hamaoui é roteirista do Porta dos Fundos, no Instagram é @kikahamaoui e aceita presentes via pix - kikahamaoui@gmail.com