Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Vamos caçar nazistas?
Nos tempos em que vivemos, escrever sobre entretenimento parece, muitas vezes, enxugar gelo. O povo brasileiro está submetido a um combo peculiar e infernal de pandemia, violência urbana, violência no campo, e uma crise política sem precedentes na História. Num contexto horroroso como esse —no qual sequer podemos sair às ruas para protestar, pela ausência de segurança biológica— o escapismo da TV e do cinema ainda é um pequeno refúgio seguro, um mundo ordenado onde os bons são premiados e os malvados punidos.
Os números superlativos do "BBB 21" e a vitória da paraibana-fenômeno Juliette Freire mostram os dois lados dessa moeda —nossa sanha punitiva eliminou os vilões com índices de rejeição quase unânimes, assim como premiou a vencedora com uma porcentagem jamais vista: o humor, a bondade, a resiliência foram agraciados com R$ 1,5 milhão em mais de 90% de aprovação.
A sede do país por justiça e que bons valores prevaleçam está mais do que evidente nesse resultado. Mas, agora que o "BBB" acabou, nossa avidez precisa ser direcionada para algo que nos dê o mesmo nível de satisfação e clareza moral. Ao invés de perseguir pessoas de verdade com defeitos e qualidades que toparam participar de um reality show, podemos nos refugiar na ficção. Em um universo com pouca ambiguidade, onde bem e mal estejam expostos com clareza, e que reflita os anseios de ordem da nação com uma catarse sanguinolenta que coloque toda a ruindade do mundo no seu lugar.
E apenas filmes e séries em que fascistas e nazistas são mortos por justiceiros nos proporcionam isso.
Mas não é qualquer filme, série ou livro: o brasileiro vive uma grande sessão repetida de "Jojo Rabbit": acha que o nazista é seu amigo, mas é tudo imaginação. No fim das contas, eles matam sua mãe e você fica órfão no meio da guerra. Não sejam Jojo Rabbit.
Os filmes e séries que punem os malvados como eles merecem são os conteúdos mais bonitos e aspiracionais que podemos consumir em tempos em que o presidente do país recusa 11 vezes a oferta de vacinas, faz um caixa de R$ 3 bilhões para comprar deputados, tem os filhos investigados por ligação com a assassina milícia carioca e que é investigado em uma CPI por agir diretamente para a morte dos seus cidadãos.
Já que o congresso não avança com o impeachment - que seria o processo institucional para o tipo de crime que Bolsonaro é investigado - é justo que o cidadão comum possa se divertir com um pouco de justiça retroativa. Aqui vão as minhas dicas para uma maratona politizada e deliciosamente catártica:
'HUNTERS' (AMAZON PRIME VÍDEO)
A série une duas grandes paixões: estética dos anos 1970 e nazistas se lascando. Com uma trilha sonora deliciosa, e flertes com o cinema exploitation, um grupo de caçadores de nazistas descobre uma conspiração de seguidores do fürer que pretende reconstruir o terceiro reich. A série também acerta ao ficcionalizar a operação paperclip, em que governo norte-americano perdoava cientistas nazistas para que eles trouxessem tecnologia para os EUA.
'BASTARDOS INGLÓRIOS' (GLOBOPLAY)
Um dos últimos filmes bons do cineasta Quentin Tarantino e tudo o que precisamos nesses tempos. Um grupo de caçadores de nazistas liderado pelo Brad Pitt no auge do sex appeal vai deixando um rastro de corpos por onde passa. Violência fílmica bem aplicada e com um final quente, proporcionado por Shoshana, uma jovem judia proprietária de um cinema. Quem não aplaudiu tá morto por dentro.
'A QUEDA' (AMAZON PRIME VIDEO)
Um dos filmes mais memeficados de todos os tempos —a cena em que Hitler surta sabendo que perdeu e que os soviéticos estão marchando para a vitória é impagável. Além disso, a lembrança que os comunistas salvaram a Europa do nazismo é gostosa demais e não é todo dia que podemos assistir essas cenas com uma fotografia perfeita e atuações sublimes, que foram premiadas em festivais de cinema no mundo inteiro.
'O LABIRINTO DO FAUNO' (disponível para aluguel em diversas plataformas)
O pesadelo de toda garotinha é que sua mãe arranje um padrasto malvado. Mas quando seu padrasto é um general da ditadura franquista sádico e assassino todas as expectativas são superadas. Ophelia tenta salvar a si mesma e ao irmão recém nascido com uma das armas mais poderosas que existem para vencer a violência: a imaginação.
BÔNUS TRACK:
Os brasileiros também têm ficcionalizado o fim do fascismo com alegorias diversas. "Bacurau", de Kléber Mendonça é o último deles, e o faroeste final com imperialistas tombando e sangrando fez cinemas Brasil afora aplaudirem de pé. Já na música, Billy Crocanty lançou recentemente "Gliter" nos streamings, sobre o arrependimento de quem não enxergou a avalanche de violência que vinha com a eleição de 2018.
Para me contar sobre mais filmes e séries que mostram luz no fim do túnel, você pode me encontrar no Instagram ou no Twitter.