Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Acabou o amor, mas não deveria
"Emprego estável. Gostar de exercícios, trilha, ter uma vida saudável. FUMANTE NÃO! SEM FILHOS! Falar inglês. Ter tempo para viajar. Desejável mais de um metro e setenta"
Parece uma lista de exigências de um empregador sem noção, mas é uma lista comum de se encontrar no Tinder e outros aplicativos de encontros. No jogo erótico do século XXI é comum encontrar listas ainda mais grosseiras e absurdas. Talvez você até tenha feito uma delas. Em tempos de pandemia, encontrar uma companhia online se tornou ainda mais importante, e se por um lado saber o que se quer e o que se procura é sinal de maturidade, também pode ser sinal de inflexibilidade e pouca disposição para a surpresa e para o contraditório - e que estamos lidando com o amor de forma tão narcisista e capitalista que a paixão na nossa sociedade pode estar com os dias contados.
Essa é uma das teses do livro "A Rosa Mais Vermelha Desabrocha" da quadrinista sueca Liv Stronquist. Fui presenteada pela também quadrinista Bruna Maia, a Estar Morta, que publica tirinhas cínicas e românticas sobre as disfunções emocionais dos adultos de classe média. Para nós duas e para outras amigas, o livro ganhou caráter de revelação. A ausência de paixão pode ser um sintoma social, e é por isso que cada vez mais está difícil de arriar os quatro pneus por um boyzinho ou boyzinha que apareça por aí.
Nessa semana do dia dos namorados, a despeito das fotos de casais apaixonados e das declarações fofoletes nas redes sociais, a hashtag "EU ODEIO DIA DOS NAMORADOS" ficou horas nos trending topics do Twitter. As acusações de data fake, comercial, e criada pelo "pai do Dória" dividiam espaço com um deboche nem sempre bem-humorado sobre a data. No Brasil nenhum refresco de amor será perdoado. Em uma investigação esperta aqui para o Splash, o jornalista Breno Boechat descobriu que canções de amor são raras no top 100 do Spotify. O eu-lírico apaixonado agoniza.
Um contexto sócio-político difícil, o medo de se machucar quando todos já estamos esfolados de pandemia, boletos cada vez mais caros, aquecimento global e fascismo, a libido esmagada por tanta desgraça e focada na sobrevivência podem explicar parte do fenômeno. O amor tem sido jogado para escanteio como algo dispensável e quase um luxo comunista delirante sem espaço nas nossas vidas pragmáticas.
Existem coisas muito mais importantes do que ter pensamentos obsessivos sobre a voz, os cabelos, os olhos e os cotovelos da pessoa amada. Ou o desejo incontrolável de trancar aquele anjo perfeito no quarto e jogar a chave fora e esquecer que lá fora o mundo desaba.
A paixão não serve ninguém, a não ser aos apaixonados - ela é anticapitalista, afinal para que comprar roupa se você pode ficar pelado? - ela é anti status quo - quem tá transando não tá indo na motociata. Ela é principalmente, uma pausa no realismo para que possamos vivenciar a magia do encontro com o outro, que provavelmente não vai ticar sequer três itens da tal lista de exigências, mas vai trazer de volta a lembrança do mistério, da mortalidade e da importância de desejar e viver, apesar de.
No clássico Casablanca de 1942, Ilsa e Rick se apaixonam em plena Segunda Guerra Mundial, durante a invasão nazista na França. Se reencontram na cidadezinha do Marrocos que abriga refugiados, ativistas e pilantras. Ela agora casada com um jornalista da resistência perseguido pelos alemães, e ele um bêbado dono de bar incapaz de esquecer o amor que perdeu. Em um dos muitos momentos icônicos do filme, Ilsa diz para Rick como é péssimo o momento para se apaixonarem - afinal o mundo está desmoronando.
Mas talvez seja precisamente do que o mundo precisava naquele momento, e do que o mundo precisa agora: um pouco de amor, um pouco de idealismo, um pouco de romantismo para atravessar o colapso. Que tal dar like nas fotos de 2017 e mandar aquela DM?
Para saber mais do que me apaixona: Twitter ou no Instagram.
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