Ricky Hiraoka

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Opinião

À la Mulheres Ricas, doc da Netflix é um true crime único no Brasil

O gênero true crime praticamente virou sinônimo de documentário nas plataformas de streaming tamanho é o sucesso que narrativas baseadas em crimes reais fazem. Desde que a Netflix lançou "Making a Murderer" no fim de 2015 e a série tomou de assalto as redes sociais e as rodas de conversa, é crescente o número de produções documentais que se dedicam a esmiuçar assassinatos (solucionados ou não), sequestros, desaparecimentos e até formação de seitas que foram amplamente explorados pela imprensa na época em que os fatos se sucederam.

Por mais que haja um apetite do streaming por esse tipo de história, haverá uma hora (e esse momento não deverá demorar muito para acontecer) no qual o true crime se esgotará no Brasil. E as razões para isso são variadas.

Em primeiro lugar, há de se admitir que não temos tantos crimes célebres por aqui. Além disso, retratar em uma série ou longa boa parte desses eventos violentos atenderia muito mais a uma demanda sádica do público — do que a um propósito de debater um assunto que ainda é pertinente na sociedade.

É o caso de "Pacto Brutal" (Max), que permitiu aprofundar a discussão a respeito da violência contra a mulher, ou "Caso Evandro" (Globoplay), que trouxe novamente esse crime para os holofotes e, graças à repercussão da série e ao trabalho incansável de Ivan Minzanzuk, idealizador do projeto, foi possível provar a inocência dos condenados pela morte do menino Evandro.

Outro fator que deve ser levado em consideração é que, mesmo que o crime em questão apresente certa relevância para debater alguma pauta nos dias de hoje, há um tipo de dificuldade muito específica na produção de séries e filmes documentais: licenciamento de material de arquivo. Nem todas as emissoras possuem um acervo robusto e preservado e cada canal cobra o que bem deseja pelo uso das imagens que produziram, além de se reservarem ao direito de não licenciar uma reportagem ou um trecho de um programa, por exemplo.

Nesse contexto, o recém-lançado "Doleira: A História de Nelma Kodama" (Netflix), escrito por Camila Kamimura e dirigido por João Wainer, aponta um caminho interessante para que a produção de true crime no Brasil não se restrinja apenas a crimes sanguinolentos. Retratando a trajetória sui generis da personagem título, uma dentista que se transformou na primeira mulher a ser presa pela Operação Lava Jato, acusada de movimentar milhões de dólares ilegalmente, a produção entrega uma trama com reviravoltas dignas de novela, situações que beiram o absurdo e uma personagem tão excêntrica que poderia estrelar o saudoso "Mulheres Ricas", exibido pela Band entre 2012 e 2013 e protagonizado por Val Marchiori e Narcisa Tamborindeguy.

"Doleira: A História de Nelma Kodama" tem potencial de abrir um novo filão a ser explorado pelas plataformas de streaming que ousarei batizar de "soft true crime", ou seja, "crimes não violentos", mas de grande repercussão midiática e de impacto na sociedade. Por não explorar uma situação em que houve derramamento de sangue, a série permite uma narrativa mais leve, embalada numa linguagem pop, trazendo um frescor para o gênero true crime produzido no Brasil.

Num país conhecido por inúmeros trambiques, golpes e maracutaias, não faltarão boas histórias como a de Nelma Kodama que podem ser retratadas em filmes e séries documentais que queiram abordar crimes reais. Quem daria um bom personagem para um projeto desse tipo? Façam suas apostas!

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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