Aguinaldo Silva: 'Não dá para escalar influencer para fazer novela'
Prestes a lançar um livro de memórias, o autor de novelas Aguinaldo Silva já celebra o êxito no mercado literário. Durante a pré-venda, a obra intitulada "Meu Passado Me Perdoa" vendeu exatas 3.412 cópias.
Dividido em três partes, o livro narra a infância e a adolescência do escritor em Recife, a chegada ao Rio de Janeiro, onde se dedicou durante vários anos ao jornalismo, e carreira como roteirista de TV, sendo responsável por produções que até hoje são lembradas como Roque Santeiro (1985) e Tieta (1989).
Na entrevista abaixo, além de revelar histórias que conta em seu livro de memórias, Aguinaldo Silva relembra os 20 anos do lançamento de Senhora do Destino, novela que detém o recorde de audiência desse século, comenta o possível remake de Vale Tudo, descarta trabalhar para o streaming e avisa: "Minha carreira como novelista ainda não terminou!"
O que podemos esperar de seu livro de memórias?
Eu revelo absolutamente tudo. Tive uma vida muito movimentada. Narro, por exemplo, um episódio em que, aos 13 anos, fui eleito rainha da primavera no colégio durante uma brincadeira de mau gosto. As outras candidatas a esse título eram apenas meninas. E depois de tudo isso, ainda tentaram me matar.
Aos 14 anos, já vivia no cenário gay de Recife. Lá, aprendi muito cedo a correr da polícia e dos rapazes de classe média que nos batiam e nos perseguiam. Conto tudo que aconteceu comigo, mas não assumo uma postura de vítima. Sou muito grato a todas as baixarias e as coisas maravilhosas que vivi.
No livro, eu me desnudo, o que pode chocar as pessoas. Falo com muita sinceridade e com riquezas de detalhes sobre um caso que tive com um personagem muito conhecido da Cinelândia e da Lapa no fim dos anos 1960 a quem todos chamavam de Alemão, mas que, na verdade, era um filho de poloneses.
Foi uma ocorrência romântica, que era uma barra pesadíssima. Vivi dois anos com Alemão. Houve um momento de nossa história que ele estava preso numa penitenciária e eu preso na Ilha das Flores.
Você sempre foi muito discreto sobre sua vida pessoal. É um dos poucos autores sobre o qual nunca circularam rumores de envolvimentos com atores....
Eu tive dois relacionamentos longos. Um durou 18 anos e outro, 7 anos. Nunca namorei ninguém da TV. O povo da TV não me interessava. Eu convivia com homens muito bonitos, mas não era meu gênero. Gostava de pessoas comuns, da rua, sabe? Eu sempre achei que nesse ambiente da arte há um certo drama que não me agrada. Sempre mantive distância. Nunca deixei ator me telefonar de madrugada para discutir capítulo de novela. Não dava liberdade para esse povo!
O livro vai revelar alguma história inédita de sua carreira na TV?
Não conto de nada muito chocante. Não vivi muito nos bastidores da TV. Nunca fui do oba-oba. Uma história que relato no livro e que foi muito marcante para mim foi a troca, por questões de saúde, de Drica Moraes por Marjorie Estiano em Império (2014). Me disseram que se essa substituição desse errado, a culpa era minha e minha carreira poderia acabar ali. Vi o capítulo da substituição da Drica com a maquininha do Ibope do meu lado. A audiência aumentou 5 pontos e se manteve. Foi uma vitória pessoal e de grande ousadia.
Esse ano Senhora do Destino completa 20 anos de seu lançamento. Qual legado essa novela deixou para a teledramaturgia brasileira?
O principal legado da novela é ser muito verdadeira. Os personagens são realistas. Não há nada que seja fake em Senhora do Destino. As pessoas não estavam acostumadas com isso. Naquela época, as novelas ainda eram muito melodramáticas ou tinham um estilo de crônica. Aí apareceu uma novela sobre uma mulher batalhadora como tantas que existem no Brasil e o público se identificou com aquela história de verdade.
Senhora do Destino foi muito interessante porque escrevi num momento que não queria mais escrever novela. Não queria mais fazer realismo mágico. Porto dos Milagres (2001) não me satisfez e fiquei três anos sem escrever. Pouco antes do contrato acabar, me chamaram dizendo que a próxima novela das oito era minha. Na minha cabeça, aquela seria minha última novela. Quis fazer história realista, colocar minha experiências pessoais minhas como nordestino que imigrou. Eu escrevi sobre um universo que conheci. Maria do Carmo nasceu com muitas características da minha mãe. Eu não deveria dizer isso, mas Nazaré tem um pouco de mim e muito da Renata Sorrah.
O que de mais curioso aconteceu nos bastidores de Senhora do Destino?
A troca de protagonistas. Quando entreguei a sinopse da novela, tinha na cabeça que Maria do Carmo seria Regina Duarte e Nazaré, a Suzana Vieira. Wolf Maya, que era o diretor, não queria Regina por alguma razão e começou a trabalhar nos bastidores para que essa escalação não acontecesse. Ele criou obstáculos para Regina ser a protagonista e ela desistiu. Aí, ele me sugeriu: "Por que a gente não põe Suzana Vieira como Maria do Carmo e a Renata Sorrah como Nazaré?" O resultado todo mundo conhece. A hostilidade e a rivalidade entre as personagens eram tão verdadeiras que beiravam a vida real.
Hoje em dia, seria possível criar uma Nazaré, que era totalmente incorreta e despudorada?
Eu acho que não seria possível criar uma Nazaré. Ela é debochada, tem uma linguagem incorreta. Uma Nazaré, hoje em dia, seria aceita pelo público, mas as redes sociais se veriam na obrigação de cancelar a personagem como se não houvesse pessoas assim.
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Quero receberSenhora do Destino obteve uma audiência que não é superada desde então. A TV perdeu a capacidade de fazer novelas que são capazes de manter as massas conectadas meses a fio ou é o espectador que não tem mais paciência e interesse por esse formato?
São as duas coisas. As novelas ficaram fakes. Mesmo quando elas tentam ser populares, elas não conseguem e afastam o público. Os autores mais jovens são de classe média, foram criados em condomínio. Não têm vivência, experiência de mundo. Nós, da antiga geração, não tínhamos rede de proteção. Nós sabíamos o que estávamos escrevendo. As novelas não tem mais personalidade e a ideologia do autor, o que ele pensa, o que ele quer, o que ele viu e viveu. São todas muito iguais.
As últimas novelas que vi tinham a mesma história: uma personagem sofre um agravo, sobrevive, torna-se poderosa e volta para se vingar. Não se pode fazer a mesma história uma atrás da outra. Tivemos uma sequência de novelas ambientadas em fazenda. Isso sufoca o espectador. Além disso, hoje você tem o TikTok. Todo mundo quer consumir conteúdo rápido e pouca gente tem paciência de acompanhar novela.
Faria algo de diferente em Senhora do Destino?
Não teria feito nada de diferente. Eu confesso que a novela fluiu como o rio. Eu não mudaria nada. Existem novelas em que não há o que mexer. É o caso de Senhora do Destino e Vale Tudo.
Mas tudo indica que vem um remake de Vale Tudo por aí...
Eu sou contra remakes. A novela existe naquele momento, depende do autor, do elenco, da disposição do público para que tudo dê certo. Todos os remakes foram sempre menos interessantes que os originais. As pessoas que veem novelas vão ver uma Odete Roitman que não é Odete Roitman. Quem vai fazer Odete? Cassia Kis poderia fazer, por exemplo. A própria Gloria Pires faria uma boa Odete, mas não está na idade ainda. Mas não tem jeito. Odete sempre vai ser Beatriz Segall. Eu te confesso que se tivesse que escalar o elenco desse remake, pediria demissão. As pessoas vão assistir ao remake de Vale Tudo e vão dizer que gostam mais da original. Eu não me atreveria (a fazer remake de Vale Tudo) por uma questão de respeito. A pergunta básica da novela ( "Vale a pena ser honesto no Brasil?") é uma questão delicada atualmente, porque parece que vale a pena ser um pouquinho vigarista hoje em dia.
Como você avalia a atual fase das novelas?
Eu tenho visto muitas novelas que os personagens são entregues a influencers. Não dá para escalar influencer para fazer novela. Essas pessoas não são atores e não funcionam. Numa novela que você precisa construir um personagem e dar credibilidade a ele, se você não for um bom ator, você não consegue. Um erro da TV é querer agradar os públicos das redes sociais. Se tivesse que escolher uma influencer para ser Nazaré, quem seria? É impossível. A preocupação da TV convencional com essa coisa fluida da internet é um erro. O público da TV está em casa e o que eles querem ver é um folhetim com bons atores.
A TV vai se dar conta que é preciso de uma reviravolta no atual cenário das novelas, que é um gênero muito produtivo do ponto de vista financeiro. Quando decidem fazer remake de "Vale Tudo", isso já é uma forma de afirmar que as novelas boas eram as de antigamente, que tinham ritmo e bons diálogos.
Pedro Vasconcellos, ex-diretor da Globo, declarou recentemente que a emissora tem forçado a mão na diversidade. Qual sua opinião sobre isso?
Nas minhas novelas sempre procurei falar sobre temas de diversidade. Em "Duas Caras" (2007), abordei o racismo e tinha um trisal, que hoje em dia é moda, com um detalhe de um deles ser gay. Eu sempre falei de temas muito delicados, mas não chocava as pessoas. Quando você faz política em vez de mostrar o drama humano, aí você não vende o seu peixe, coloca um tema para debate. Hoje em dia, as histórias são muito panfletárias. Você pode falar de tudo, mas precisa saber como falar.
Você não tem mesmo mais vontade de escrever novelas?
Eu escrevi 16 novelas. A maior parte da minha vida foi ocupada com isso. Eu sinto que existe uma certa tendência a pensar em autores que talvez tenham sido excluídos da TV antes do tempo. Não posso dar detalhes, mas o que posso dizer é que minha carreira como novelista ainda não terminou! Onde, quando e como eu vou voltar são perguntas para os jornalistas fazerem.
A Netflix está lançando seus melodramas. Pensa em apresentar algum projeto para a plataforma?
Sou viciado em streaming, mas não gosto do método de trabalho deles. As produções deles demoram três anos para se concretizar. Nesse período, mudam os executivos e cada executivo tem um método de trabalho, quer algum tipo de projeto. Para eu trabalhar no streaming, não teria paciência. Um executivo entrou em contato comigo e perguntou se em seis meses eu conseguia produzir uma sinopse e seis episódios. Seis meses? Eu só trabalho no calor da hora. Faria isso em menos de um mês. Perde-se muito tempo no streaming e quando a série estreia, o mundo já é outro, os assuntos são outros. Além disso, no streaming tem umas pessoas que julgam seus projetos e você não sabe de onde esse povo saiu. Que experiência tem essas pessoas para avaliar um projeto?
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