Autora de Pedaço de Mim: 'No streaming você conta a história como quer'
Mal saiu da Globo, que não renovou seu contrato após ela assinar o bem-sucedido remake de "Éramos Seis" (2019/2020), Ângela Chaves foi procurada por Érika Wurts, executiva da Netflix, que lhe fez uma provocação: a autora teria na gaveta algum projeto com impacto e fôlego que pudesse render uma série melodramática com mais episódios que a plataforma de streaming estava acostumada a produzir?
Essa conversa foi o embrião que deu origem a "Pedaço de Mim", primeira empreitada da Netflix no gênero de melodrama no Brasil. "Quando li da primeira vez a notícia [sobre uma mulher que ficou grávida de gêmeos de pais diferentes], pensei que havia uma história ali", conta Ângela. A autora usou essa notícia curiosa para criar o drama de Liana (Juliana Paes), uma mulher que sonha em ser mãe e que vê essa realização acontecer da pior forma possível: além de engravidar do marido (Vladimir Brichta), ela sofre uma violência sexual, que acaba por fecundar outro óvulo, o que ocasiona um fenômeno muito raro que a ciência chama de superfecundação heteroparental.
"Pedaço de Mim" já nasceu sendo um sucesso. Desde sua estreia no último dia 5, a produção está no top 10 de séries mais assistidas da Netflix em 21 países, além de receber comentários positivos da imprensa e dos espectadores nas redes sociais, que veem na premissa do projeto um potencial de ser uma novela num formato clássico, com mais de 150 capítulos. Sobre essa possibilidade, Ângela desconversa. "O streaming é o lugar adequado para discutir estupro de vulnerável, porque pude tratar sobre esse tema de uma maneira mais ousada e profunda que na TV aberta", analisa. "Pedaço de mim" tem um DNA de novela, mas tem diferenças. Numa novela tradicional, a história de amor teria que estar em primeiro plano.
Ângela também diz que, por ser produzida por uma plataforma de streaming, "Pedaço de Mim" pode ter uma heroína mais complexa e menos idealizada, abordando com mais ênfase o tema principal da história: o machismo e a opressão que a mulher sente e que está introjetada dentro dela mesma. "Liana pode ser a protagonista que falha, comete erros de avaliação, de comportamento. Isso é um ganho para a série", avalia. "A série pergunta quantos segredos cabem numa mãe, mas também fala sobre quantas violências a mulher é capaz de suportar quando ela se sente culpada."
Além da maior liberdade para trabalhar um tema controverso e desenvolver personagens mais realistas, Ângela aponta outra qualidade do streaming: a não interferência do espectador no desenrolar da trama. "Na Globo, às vezes, a novela muda conforme à reação do público, se está dando ou não audiência. No streaming, contamos uma história fechada e isso é melhor porque você conta do jeito que quer."
Embora tenha sido noticiado que será a responsável por adaptar o livro "Véspera" para a plataforma de streaming MAX, Ângela evita falar sobre o assunto. "O que eu posso dizer é que eu e Patricia Andrade [roteirista que assinou sucessos como 'Dois Filhos de Francisco'] compramos os direitos do livro 'Como se Fosse um Monstro'", revela. "Sou uma pessoa de literatura, e o motivo pelo qual eu quis trabalhar na TV era para adaptar obras literárias."
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