Casais gays fazem sucesso nas redes sociais mostrando rotina com filhos
Se a maternidade não romantizada encontrou no Instagram um terreno fértil para trocas entre mulheres que buscam compartilhar experiências sem julgamentos sobre ter e criar filhos, a paternidade ainda luta para fugir do conceito de pai de selfie, aquele homem que adora se gabar na internet por fazer o básico na educação de uma criança. No meio desse segmento "Kids and Family" das redes sociais, homens gays que compartilham conteúdo o cotidiano que levam ao lado dos filhos pequenos ganharam espaço nos últimos anos.
Com o Dia dos Pais próximo de ser celebrado, a coluna conta abaixo a história de três casais homoafetivos que acumulam centenas de milhares de seguidores e viraram webcelebridades ao mostrar a vida familiar.
"Queríamos ser referência para outros homens gays"
Os engenheiros Gustavo Catunda e Robert Rosselló se conheceram no primeiro dia de aulas na faculdade de engenharia civil. Foi amizade à primeira vista. Desde o primeiro contato, não se desgrudaram. Robert, Gustavo e suas respectivas namoradas faziam tudo juntos e costumavam brincar que a amizade dos dois passaria para a próxima geração, pois seus filhos certamente seriam amigos. Após dois anos de amizade intensa, eles trocaram o primeiro beijo e assumiram o que já sabiam há tempos: eram gays e estavam apaixonados. "Assim que a gente ficou da primeira vez, uma das primeiras conversas tivemos foi sobre o que faríamos para realizar o sonho de ter filhos. Há 13 anos, quando iniciamos nossa relação, não se falava muito de adoção", lembra Gustavo.
Em 2015, quando o papo sobre paternidade ganhou contornos mais definitivos, Gustavo sugeriu que eles tentassem ter um filho que tivesse o material genético dos dois através de uma barriga solidária. O plano era usar o esperma de Robert com o óvulo da irmã de Gustavo, mas, ao tentar colocar a ideia em prática, eles descobriram que era inviável, pois a legislação brasileira só permitia barriga solidária se a doadora de óvulos fosse anônima. Não bastasse isso, eles tiveram dificuldade para encontrar uma mulher disposta a gerar o filho do casal. Só no fim de 2020, uma prima de Gustavo topou ser a barriga solidária que eles tanto sonhavam e, quando estavam prestes a comprar óvulo de um banco internacional, uma mudança na legislação passou a permitir o uso de material genético de parentes até quarto grau, o que possibilitou que a irmã de Gustavo fosse a doadora.
Desde o início do processo de inseminação, Gustavo e Robert decidiram documentar tudo o que viviam com o intuito de ajudar outros casais gays que quisessem ter filhos como eles. "A gente passou anos buscando informações sobre gays que tinham filhos, mas não encontrávamos nada", recorda Robert. "Optamos por criar um perfil no Instagram e disponibilizar tudo o que vivemos para facilitar a vida de quem tem o mesmo sonho que o nosso."
Um mês após a confirmação da gravidez, eles lançaram o @2depais e passaram relatar passo a passo tudo que fizeram para conseguir realizar a barriga solidária, assim como o desenvolvimento da gestação, que era de gêmeos. "Uma de nossas intenções era explicar aos seguidores qual era o papel da mulher que doava o óvulo e de quem nos cedia o útero. Buscamos ser bem didáticos para que ninguém mais tivesse as dúvidas que nós enfrentamos", conta Gustavo.
Em nove meses, a conta no Instagram de Robert e Gustavo acumulava 40 mil seguidores. Quando eles anunciaram o nascimento dos gêmeos, Marc e Maya, o número imediatamente dobrou e foi crescendo dia após dia. Observando o interesse do público no cotidiano da família e dispostos a mudarem de carreira para terem mais tempo para a paternidade, Gustavo e Robert passaram a estudar o funcionamento das redes sociais para se tornarem criadores de conteúdo.
A aposta deu certo e, atualmente, a conta @2depais tem 632 mil seguidores, que acompanham as atividades corriqueiras de Gustavo, Robert, Maya e Marc. "Importante dizer que nosso conteúdo não retrata apenas nossos filhos. Falamos mais do nosso estilo de vida", explica Gustavo. "E as crianças não fazem nada relacionado à publicidade", completa ele que, ao lado do marido, é embaixador da Volvo Car e já fez trabalhos para marcas como Lacta e Johnson's Baby.
'Respondemos haters com amor'
Com sete anos de relacionamento, os atores Paulo Tardivo e Tiago Pessoa decidiram que era hora de dar um passo a mais na relação e adotar uma criança, um sonho que ambos nutriam. Após dois anos de espera, eles foram ao interior do Ceará conhecer o pequeno Davi, de três meses. Chegando lá, descobriram que o menino tinha uma irmã de cinco anos, Sara. "Não estávamos preparados emocionalmente e financeiramente para termos dois filhos, mas também não queríamos separar os irmãos. Então, decidimos que seríamos pais de Davi e Sara", conta Paulo.
Com a chegada de Davi e Sarah em suas vidas, em abril de 2019, Paulo e Tiago pouco postavam conteúdo sobre os filhos nas redes sociais. "Tínhamos uma resistência de mostrar a vida das crianças na internet", lembra Tiago. "A gente sabe como é nosso país. Preferimos preservá-los até para entender nossa paternidade."
A rede social só ganhou espaço na rotina da família Tardivo Pessoa na pandemia. Trancados em casa, Tiago criou uma conta no TikTok para Sara gravar vídeos e se distrair. O terceiro vídeo que ela fez junto com os pais viralizou e, em uma semana, eles saíram de zero seguidores para 200 mil. "Por causa desse vídeo, recebemos muitas mensagens de família perfeita, o que nos incomodou, porque não queremos vender essa imagem", afirma Tiago.
Com a popularidade nas redes sociais e o crescente número de seguidores, as marcas buscaram a família para fazer publicidade. "Nesse momento, a gente vivia uma situação super delicada. Estávamos com aluguel atrasado, não tínhamos dinheiro para fralda do Davi e chegamos a racionar o que tinha no armário. Produzir conteúdo para marcas foi o que nos salvou", revela Paulo.
Com 1 milhão de seguidores no TikTok e mais de 613 mil no Instagram, Paulo e Tiago contam que 75% do público que os acompanha é de mulheres, que se identificam com os perrengues que eles passam por serem pais de duas crianças, e que há uma parcela de pessoas acima dos 60 anos, que diz que passaram a ver famílias homoafetivas como naturais por causa dos vídeos do casal. "No meio de tanta resposta positiva, haters também aparecem, claro", diz Tiago. "Recebemos desde ameaça de morte ou comentários como 'Cadê a família que não estou enxergando?' Respondemos tudo isso com amor e deboche. Seria burrice entrar no mesmo mood dos haters!"
Apesar de gravarem com os filhos, Tiago ressalta que só posta vídeos após consultar Sara, de 11 anos, e Davi, de 6 anos. "Eles precisam nos dar o aval para aparecer nas nossas redes sociais. Afinal, eles são indivíduos com vontades próprias e nós respeitamos o que cada um pensa."
Paternidade com leveza e bom humor
Acostumados com o universo de redes sociais, o casal de criadores de conteúdo Rafael Cesar e Luís Henrique Vieira se viu diante de um impasse quando conseguiram a guarda de Kauan: mostrar ou não mostrar que agora eles eram pais de um menino de 6 anos? Até eles postarem o primeiro vídeo contando aos seguidores que agora eles eram pais, foram três meses de muita conversa entre o casal e de muita observação de Kauan para saber se o garoto se sentiria confortável em aparecer na internet. "Em 2020, quando começamos a fazer esse tipo de conteúdo quase não havia famílias homoafetivas na internet", lembra Rafa. "Queríamos retratar de forma leve que dois homens podem ter filhos assim com os heteros fazem."
Newsletter
SPLASH TV
Nossos colunistas comentam tudo o que acontece na TV. Aberta e fechada, no ar e nos bastidores. Sem moderação e com muita descontração.
Quero receberO jeito bem humorado dos vídeos de Rafael com Luís e Kauan fez com que ele conquistasse 3,9 milhões de seguidores no TikTok e 891 mil seguidores no Instagram. "A gente recebeu muita mensagem dizendo 'Meu pai era muito homofóbico até ver os vídeos vocês e entender que não tem nada de errado gays terem filho'. E isso é muito gratificante para nós", diz Rafael.
A popularidade do casal nas redes sociais fez com que Kauan, que agora tem 10 anos, se tornasse conhecido na escola em que estuda. "Ele ama quando alguém pede foto, mas a gente deixa Kauan ciente que nossa fama não faz a gente ser melhor que os outros. É apenas consequência de nosso trabalho!"
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.