Ricky Hiraoka

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Reportagem

Carlos Lombardi sobre crise das novelas: 'Escreve-se para não ofender'

Há 30 anos, em agosto de 1994, durante uma visita à Globo em que foi falar sobre a ideia que tinha para sua próxima novela, Carlos Lombardi foi surpreendido com uma notícia que nenhum autor gostaria de receber na vida: ele teria cerca de um mês para conceber e escrever a próxima produção do horário das 19h, que teria a dura missão de suceder o estrondoso sucesso de "A Viagem".

Lombardi, que vinha da bem-sucedida "Perigosas Peruas" (1992), tinha até o momento uma breve descrição das personagens, mas nem trama estruturada havia. "Mário Lucio Vaz [diretor da Central Globo de Produção na época] disse: 'Você vai voltar para São Paulo e vai escrever o capitulo. Essa novela estreia em 30 dias'". Nascia assim, "Quatro Por Quatro", um dos maiores sucessos dos anos 1990.

Para o elenco, ele queria Bruna Lombardi, Eliane Giardini, Malu Mader e Adriana Esteves como as protagonistas, mas não conseguiu a escalação de nenhuma delas. De todas as ausências no elenco, a que Lombardi mais lamenta é a de Adriana Esteves, que se afastou da TV após ser duramente criticada por sua atuação na primeira versão de "Renascer" (1993). "Ficaram criticando que ela era fraca, mas ela era excelente. Ela era a melhor interpretação da novela [Renascer] disparado", avalia. O papel destinado para Adriana, Babalu, foi para Letícia Spiller, que se consagrou após essa novela e estabeleceu uma longa carreira na TV.

Em nossa conversa, além de contar mais detalhes de "Quatro por Quatro", Lombardi relembra os bastidores de suas criações e assume que "Kubanacan" (2003) foi inspirada na história da revolução cubana. "Esteban (Marcos Pasquim) era meu Fidel Castro e General Camacho (Humberto Martins) era meu Fulgêncio Batista", revela. Lombardi também conta que Mario Lúcio Vaz, diretor da Central Globo de Produção na época, não apostava no sucesso da novela. "Ele não botava fé numa história que ele achava que era complicada de nascença e não botava fé no Pasquim como protagonista", relata. "Ele queria que o casal fosse o General (Humberto Martins) e Lola (Adriana Esteves)".

Afastado da TV desde que escreveu "Pecado Mortal" para a Record em 2013, Carlos Lombardi voltou a ser noticia por ter recebido um convite para ministrar uma palestra para a oficina de formação que a Globo promove para formar novos roteiristas para as 19h. "Foi uma experiência muito gostosa. A classe estava interessada tanto que a gente estourou o horário", diz. "Pude explicar alguns truques e falei de novelas que entrei para consertar alguma coisa que estava desviando do caminho. "Coração de Estudante" talvez tenha sido a intervenção mais bem-sucedida em termos de números. A gente conseguiu levantar 10 pontos de audiência em duas semanas."

Ao longo de nossa conversa, Lombardi também opinou sobre a tendência de produzirem releituras de novelas clássicas. "Quando você tem uma novela que deu certo, que teve boas interpretações, eu não gosto de pensar em remakes. Parte do sucesso, quem construiu foi o elenco", diz.

A teledramaturgia está em crise mundial porque está se escrevendo para não ofender e não para envolver, não para entreter. Eu tenho a impressão que vai ser necessário as pessoas arriscarem. O público sente falta do risco e da surpresa. Se você só se preocupa em não ofender é como um cozinheiro que está preocupado que ninguém ache o gosto da comida muito forte. Provavelmente, ele vai fazer pavê de nhonha. Vai ficar uma coisa sem graça, mata a fome, mas não encanta. Para voltar a encantar, as pessoas vão ter que ter menos medo de ofender.

Sobre um possível retorno à TV, Lombardi explica que segue apresentando ideias aos diferentes players do mercado. "Eu desenvolvi projetos que apresentei, bateram na trave e voltaram. Posso fazer o melhor possível, mas não sou eu que aprovo. Não estou aposentado, estou temporariamente desempregado."

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