Ricky Hiraoka

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Por que odiar 'Emily in Paris' é tão bom?

A segunda parte da quarta temporada de "Emily em Paris" mal chegou ao catálogo da Netflix e a provável constatação de quem maratonou os episódios é uma só: quanto mais se acompanha o desenrolar da história, mais percebemos que Emily é insuportável. Apesar disso, é quase impossível não se engajar na saga profissional e na vida sentimental da protagonista que, vale ressaltar, enfrenta dilemas da profundidade de um pires. Se "Emily em Paris" é tão ruim, por que seguimos assistindo à série?

Desde que estreou em 2020, "Emily em Paris" se tornou um hit e chegou a ser apontada como a versão Gen Z de "Sex and The City", o que é um grande exagero. Falta estofo para que a série estrelada por Lily Collins seja digna dessa comparação. "Emily em Paris" até cumpre com louvor a proposta de retratar um modus operandi que dominou o mundo nos últimos anos: a valorização da forma em relação ao conteúdo. A série, porém, não consegue aprofundar essa discussão e os conflitos dos personagens se tornam tão superficiais quanto a imensa maioria dos vídeos do TikTok.

Com fragilidades tão óbvias no roteiro, o caminho natural seria ignorar "Emily em Paris", mas é uma tarefa muito árdua manter-se indiferente às aventuras glamourosas e recheadas de acontecimentos inverossímeis da jovem norte-americana que se muda para a capital da França. A incoerência da série nos pega pelo coração. Emily personifica um estilo de vida que mexe com a nossa fantasia: uma rotina sem grandes esforços, com muitas oportunidades e acessos e romances avassaladores num cenário deslumbrante. Ver todos esses elementos somados numa mesma história até poderia ser aspiracional, mas a falta de um toque de realidade, que seja capaz de gerar identificação em quem assiste, afasta o desejo de cobiçar a vida de Emily. Tudo é perfeito demais, o que cria a sensação de artificialidade similar àquela que vemos no feed do Instagram de influencers que a gente ama seguir só para criticar a maneira como elas se esforçam para vender a imagem de despretensão quando todo mundo sabe que, no fundo, elas querem mesmo é causar inveja e ostentar.

Amamos odiar "Emily em Paris" porque a série, mesmo que de forma inconsciente, nos ajuda a ver que a mediocridade de nossa vida é muito mais interessante e saborosa do que um cotidiano milimetricamente elaborado para parecer melhor do que é. Ainda que de um modo um tanto torto e inusitado, "Emily em Paris" faz com que nós nos sintamos um pouco melhor em ser quem somos, porque constatamos que, apesar dos perrengues, viver uma vida de verdade traz mais benefícios e aprendizados do que o vazio intrínseco de uma rotina que depende da atenção alheia para fazer sentido.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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