Matheus Souza: 'Bruna Marquezine usa seu poder para valorizar o roteirista'
Aos 20 anos, o roteirista e cineasta Matheus Souza tomou de assalto os cadernos de cultura dos jornais quando seu longa de estreia, "Apenas o Fim", recebeu o prêmio de melhor filme pelo júri popular do Festival do Rio e na Mostra de Cinema de São Paulo em 2008. De lá para cá, Matheus esteve envolvido nos roteiros de produções como "Confissões de Adolescente" e "Eduardo e Mônica", além de dirigir outros seis longas, como "Tá Escrito", estrelado por Larissa Manoela.
Recentemente, Matheus realizou o sonho de todo criador de audiovisual: estrear a própria série. "Amor da Minha Vida" entrou no catálogo do Disney+ no último dia 22 e, desde então, permanece como a série mais vista da plataforma. "Amor da Minha Vida" é livremente baseada nas decepções amorosas que Matheus acumulou na vida e narra os encontros e desencontros de dois melhores amigos: Bia (Bruna Marquezine) e Victor (Sérgio Malheiros). "A Bruna nunca teve um papel que estivesse no nível do talento dela, em que pudesse mostrar tudo que ela pode oferecer. Eu me esforcei ao máximo para dar esse presente para ela com a Bia", diz Matheus.
Em entrevista para Splash, Matheus revela como foi a parceria criativa com Bruna Marquezine, que codirige um dos episódios de "Amor da Minha Vida" e fala de seu processo de criação.
"Amor da Minha Vida" é uma comédia romântica, um gênero pouco explorado em nossas séries e em nosso cinema. O que esse projeto tem de diferente que pode atrair a audiência?
O segredo de toda comédia romântica de sucesso, aquelas que realmente marcam a vida das pessoas, é o casamento de um texto autoral com os protagonistas perfeitos para aquele roteiro. Richard Curtis com Julia Roberts (Notting Hill), Damien Chazelle com Emma Stone (La La Land).
O fracasso da comédia romântica vem quando o roteiro não tem identidade, não tem uma visão sólida, quando é genérico. Ou quando os atores não abraçam ou não combinam com o estilo de texto e diálogos do projeto em questão. No Brasil, escritores e roteiristas são cada vez menos valorizados e respeitados.
Em "Amor da Minha Vida", eu tive a grande sorte de encontrar a Bruna. Ela virou não apenas uma das minhas melhores amigas, mas uma das maiores defensoras do meu texto, da minha visão. Eu criei a série, escrevi todos os episódios, e ela sempre deixou claro que entrou no projeto por causa do meu texto. Ao longo do processo, sempre defendeu minha voz, meu estilo de escrever. E eu, que criei e escrevi tudo pensando nela como protagonista desde o primeiro dia, fiz o possível para escrever uma personagem que combinasse perfeitamente com ela, que pudesse mostrar todas as suas infinitas qualidades como atriz. Uma personagem que fizesse rir e chorar na mesma medida.
Em uma era em que muitas decisões artísticas são tomadas por algoritmos e pelo que está fazendo sucesso, fizemos um projeto sincero e identificável. Eu acredito que o que marca de verdade a vida das pessoas, falando em arte, não é aquilo pensado para fazer sucesso. Eu criei uma série baseada em sentimentos reais, em desilusões reais, em experiências reais, desabafos reais. E tive a maior atriz da geração dando vida a tudo isso.
Como resultado, estamos acompanhando milhares de pessoas nas redes sociais rindo, chorando e se identificando com a nossa série.
Por que as produções brasileiras que investem na comédia romântica e no romance ainda não conseguem dialogar com os brasileiros com a mesma intensidade que as produções americanas do mesmo gênero?
Muita gente no audiovisual brasileiro trata a comédia romântica como um "gênero menor", algo apenas comercial. Eu, honestamente, amo comédias românticas. A Bruna também. Outro problema é o processo que os autores passam ao desenvolver seus projetos hoje em dia. São muitos executivos diferentes opinando coisas diferentes, sugerindo caminhos diferentes. Ouso dizer que nunca é culpa dos artistas. Temos roteiristas incríveis no Brasil. Mas é muito difícil que o resultado não seja genérico quando tem tanta gente interferindo.
É claro que isso também acontece fora do Brasil, esse modelo inclusive foi importado de produções americanas. Mas eu estive em Los Angeles durante a greve dos roteiristas e, conversando com meus amigos de lá, ficaram todos chocados com o que a classe passa no Brasil. O mínimo de direito deles é muito maior que o nosso máximo. E isso tudo nem faz sentido do ponto de vista comercial. A era do streaming gerou tantas obras genéricas, que os maiores sucessos de público são projetos autorais (vide a "Barbie" da Greta Gerwig e o "Oppenheimer" do Nolan).
"Amor da Minha Vida" está se tornando o meu trabalho de maior alcance até agora. Qual foi o segredo? A Bruna Marquezine utilizando de seu poder e influência para garantir que meu texto fosse valorizado e respeitado. Ela é uma grande artista que sempre fez questão de valorizar minha arte (e vice-versa). Ela sempre faz questão de citar meu nome em entrevistas, em lembrar de onde tudo aquilo que as pessoas estão amando surgiu.
Não tem como negar que um dos grandes atrativos da série é a presença de Bruna Marquezine. Como você seduziu Bruna para que ela topasse fazer o projeto já que Bruna é uma das atrizes que mais recebe propostas de trabalho?
A Bruna já conhecia e gostava do meu trabalho, e eu realmente criei tudo do zero pensando nela desde o primeiro segundo. Acho que foi um "amor profissional à primeira vista". Quando a produtora ofereceu o projeto para ela, a Bruna aceitou na hora. Na nossa primeira reunião online, já estávamos fazendo piadinhas internas como se fôssemos amigos de décadas. Foi um encontro de almas.
Acho que os atores que conhecem meu trabalho sabem que sou um diretor/roteirista que só faz o que acredita. Para mim, não faz o menor sentido trabalhar em um projeto que não tenha a minha cara. Isso, claro, não é uma garantia de que o resultado será bom. Até porque não dá para garantir que um projeto será bom ou ruim, que será um sucesso ou fracasso. O máximo que eu posso garantir é que vai ter uma visão sólida, que vai ter o meu estilo. Que tem gente que ama, gente que odeia, gente que não se importa... Mas é o Matheus ali. Meus ídolos construíram uma carreira assim. E é o que eu busco. Até o comercial de cerveja que eu escrevi porque precisava de dinheiro e ajudar financeiramente minha família tem o meu estilo de escrever diálogos.
O meu método de escrever e dirigir também é voltado para extrair o melhor dos atores. Eu vim do teatro, amo dirigir atores. Sou ator. Meus melhores amigos são atores. Atores e atrizes me deram acolhimento nas piores fases da minha vida e devo muito a eles.
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Quero receberQuando um ator ou uma atriz aceita entrar em um projeto meu, eu os estudo com muita dedicação. A cadência da fala deles. O humor. O jeito de chorar. Os trejeitos. Eu moldo meus diálogos e monólogos para eles quando escrevo e dirijo. Em "Amor da Minha Vida", eu queria, claro, me aproveitar da grande atriz que a Bruna é em momentos de emoção, mas também mostrar pro mundo o quão engraçada ela é.
A Bruna nunca teve um papel que estivesse no nível do talento dela, que pudesse mostrar tudo que ela pode oferecer. Eu me esforcei ao máximo para dar esse presente para ela com a Bia. Fiz até uma maratona assistindo vídeos e entrevistas para entender qual era a melhor forma de escrever diálogos para a Bruna. Então, eu fico super feliz quando elogiam meus diálogos e monólogos. Ou quando uma cena que dirigi viraliza (tipo o beijo da Bia com o Marcelo que bombou no Twitter e no TikTok). Mas nada arranca um sorriso maior do que quando vejo a galera comentando que é a melhor atuação da carreira da Bruna .
Bruna Marquezine codirige um dos episódios. Você acha que ela tem futuro como diretora? O que você destaca em Bruna nessa função?
A Bruna é uma das pessoas mais inteligentes que eu conheço e é capaz de fazer qualquer coisa que ela quiser. Ela é sensível, sagaz, imaginativa, dedicada. Se eu pudesse, abriria um dicionário agora e cataria todos os elogios já registrados na língua portuguesa para descrever a Bruna.
Eu tive essa ideia de fazer o convite para a Bruna dirigir e o René (diretor-geral da série) e a produtora fizeram o convite. Tinha o pressentimento de que, por ser atriz e ter vivido em sets de filmagem desde a infância, Bruna seria uma excelente diretora. E estava certo. A Bruna sabe se comunicar, sabe o que falar para extrair a performance que precisa. Além disso, é uma artista jovem que sabe dialogar com esse público. Ela traz um frescor para tudo que toca.
Como se deu a escolha do elenco? E qual o papel da diversidade e da representatividade nessa escolha?
Nesses projetos grandes, o elenco é decidido por muitas pessoas diferentes. Eu e René sempre tivemos voz ativa, mas em parceria com os executivos da Disney o tempo todo. Da minha parte, posso falar que sempre busco diversidade nos elencos e nas equipes de todos os meus projetos desde o início da minha carreira. Fico muito orgulhoso do ótimo elenco que conseguimos reunir na série.
Falei muito da Bruna na entrevista, vou aproveitar a pergunta para elogiar também o Sergio Malheiros, coprotagonista. Ele sempre foi o meu voto para ser o Victor. Conheci o Sergio em uma festa de Réveillon na casa dele —fui convidado pela Sophia, esposa dele. Assim que nos apresentaram, soube imediatamente que ele seria o Victor. Ele tem um misto de carisma, humor e doçura sem igual para atores masculinos da geração dele. Um protagonista com brilho raro de encontrar.
Os streamings estabeleceram um jeito de fazer série em que tudo acontece muito rápido e que, na imensa maioria das vezes, a cena inicial apresenta um evento bombástico para fisgar o espectador. Essa velocidade, entretanto, nem sempre beneficia todo tipo de história. Qual o ritmo da narrativa de "Amor da Minha Vida"?
Como já disse, fui muito blindado pela estrela da série. Então o ritmo e as exigências normais de streaming não eram uma preocupação. Apenas a verdade do texto, a autoralidade. O mais importante era garantir, desde o início, que nossos temas estivessem claros ao longo do arco. É uma história sobre amor, claro. Mas também sobre amadurecimento e cura.
"Fisgar o espectador" não deve ser o objetivo, mas sim a consequência de um bom trabalho de roteiro, atuação, direção, fotografia, figurino, caracterização, direção de arte, montagem, trilha sonora, finalização, produção...
Claro que existem pedidos e demandas. Mas tudo precisa caber dentro do nosso universo. Existia a demanda por uma série adulta, o que combinava com a premissa que criei. É difícil falar de amor, de forma madura, sem falar de sexo. Por causa dessa demanda, escrevi cenas de sexo. Mas todas as cenas de sexo da série inteira trabalham em função do roteiro e da história que preciso contar de cada casal. Cada pegada, cada beijo. Toda cena de intimidade foi milimetricamente pensada para me ajudar a passar o que eu queria passar sobre a química e o jeito de se relacionar (e sentir, tocar...) de cada personagem de "Amor da Minha Vida".
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