Ricky Hiraoka

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Opinião

Apesar de hipnotizante, série erra ao ignorar vida pessoal de Ayrton Senna

Fazer biografias no audiovisual é uma das tarefas mais ingratas, pois corre-se sempre o risco de não conseguir dar conta da complexidade da personalidade retratada ao condensar sua trajetória em poucas horas. Esse trabalho se torna ainda mais complexo quando o biografado é o ídolo de um país, uma referência em sua área de atuação, que se tornou uma lenda por causa de seus feitos e conquistas —e permanece vivo na memória afetiva do povo.

A extraordinária minissérie "Senna", da Netflix, entrega ao espectador uma produção impecável que dá a dimensão da importância de Ayrton Senna no esporte e na vida dos brasileiros. Por mais que saibamos do final trágico, é impossível acompanhar os seis episódios da produção e não se ver arrebatado pela paixão e pela determinação do piloto. A veracidade das cenas das competições de automobilismo, conduzidas com precisão pela direção da minissérie, somada à intensidade com que Gabriel Leone interpreta Ayrton Senna, empolga até o menos esportista dos espectadores. Ver a evolução profissional do piloto não é apenas catártico, mas também renova nossa autoestima de ser brasileiro.

Com uma produção irretocável da Gullane, "Senna" é muito eficiente em apresentar o ídolo às gerações que não tiveram o privilégio de acompanhar sua carreira. Os roteiros escritos por Álvaro Campos, Álvaro Mamute, Gustavo Bragança, Rafael Spinola e Thais Falcão geram uma emoção genuína ao construir o piloto como um herói com falhas e virtudes e evitam o erro mais comum das biografias audiovisuais, o endeusamento do protagonista. Sob a ótica de sua paixão pelo automobilismo, é possível entender algumas características da personalidade do homem por trás do profissional, o que aproxima Ayrton Senna do público.

Apesar de nuances da pessoa física de Ayrton Senna permearem a minissérie, a produção não apresenta de forma abrangente quem é o homem por trás do mito. Sabemos que essa escolha criativa é uma influência direta da família Senna, que sempre cuidou com muito esmero da imagem do piloto e declarou publicamente que aprovou todos os roteiros do projeto.

Por mais compreensível que seja essa interferência, ela impede que os fãs conheçam melhor quem era o Beco, apelido usado pelos familiares e pelos amigos íntimos para se referir ao esportista. Não defendo aqui que fosse preciso esmiuçar polêmicas desnecessárias sobre a vida amorosa de Senna, que até hoje engaja a imprensa, mas acredito que a família Senna poderia ter dado mais liberdade para que Netflix e Gullane pudessem explorar com um pouco mais de profundidade as relações interpessoais de Ayrton Senna com os pais, os irmãos e os amigos. Quem era Ayrton Senna longe das pistas e qual a dinâmica que ele tinha com o núcleo familiar mais próximo e os amigos de confiança? Como ele lidou com o reconhecimento e a fama e como isso o afetou? Que outras aspirações Ayrton Senna nutria? Dúvidas como essas poderiam ser contempladas pela narrativa sem que a imagem do piloto fosse maculada de alguma maneira.

Mesmo não adentrando nos detalhes da vida pessoal de Senna, os seis episódios da minissérie, que são muito bem concebidos e realizados, aquecem o coração dos espectadores, reacendem a imagem mítica em torno de Ayrton Senna e expandem a probabilidade de as gerações Z e Alpha se encantarem pelo piloto. Além disso, "Senna" comprova a competência do audiovisual brasileiro de realizar projetos com alto valor de produção que podem competir em nível de igualdade com produções norte-americanas e europeias tal qual Ayrton Senna fazia nas pistas de Fórmula 1.

Opinião

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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