Luciana Braga: 'Só entrei em 'Tieta' porque Gloria Pires saiu da novela'
No fim dos anos 1980, Luciana Braga ganhou o coração do Brasil como Maria Imaculada, uma das rolinhas do Coronel Artur da Tapitanga (Ary Fontoura) em "Tieta", em reprise no Vale a Pena Ver de Novo. De gênio forte, mas muito romântica, Maria Imaculada lutou com unhas e dentes para preservar sua castidade e se entregar para seu grande amor, o seminarista Ricardo (Cassio Gabus Mendes).
Mesmo após 35 anos, eu ainda sou reconhecida pela Imaculada e recebo muito carinho por causa dessa personagem. Luciana Braga
Na entrevista, a atriz relembra os bastidores da novela escrita por Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares, comenta sua trajetória na TV e sobre etarismo.
Como você foi parar em "Tieta"?
Estreei na TV em "Sinhá Moça" (1986) pelas mãos de Nilton Travesso. Em seguida, José Wilker virou diretor artístico da Manchete e, por conhecer meu trabalho, ele me convidou para protagonizar a novela "Helena". Depois eu fiz "Olho Por Olho", uma novela moderna demais para seu tempo, era uma novela muito ousada e corajosa.
Após passagem pela Manchete, fui passear na Europa. Queria descansar porque tinha feito três trabalhos na sequência. Quando estava lá, a Globo me ligou para fazer "Tieta".
Até hoje não sei como me acharam e quem teve a ideia de me escalar. Depois soube que, originalmente, Gloria Pires viveria Leonora, e Lídia Brondi seria Imaculada. Só entrei em "Tieta" porque Gloria Pires saiu da novela e Lídia Brondi ficou com papel que seria dela.
Quais suas memórias sobre os bastidores?
É o encontro que tive com Ary Fontoura. Ele é de uma generosidade ímpar. Tinha tido experiências com outros veteranos que não foram boas. Rolava um ciuminho com a gente que estava começando. Ary fazia de tudo para eu brilhar. Ele foi muito amoroso e parceiro. Eu me lembro que fiquei bastante assustada com o sucesso.
A gente ouvia que a novela dava 90 pontos de audiência. Isso tirou muito a minha liberdade. Não podia caminhar na rua. Foi difícil para mim, porque o ator, no meu entendimento, vive da observação, da convivência. Quando você perde o contato humano, você corre risco de se repetir e usar fórmulas para interpretar.
A trama do Coronel Artur da Tapitanga e das rolinhas, no fundo, era sobre abuso e pedofilia. Essa questão foi levantada na época?
Era uma história de pedofilia tratada de forma metafórica e era retrato de um país. "Tieta" mostrava o que acontecia no Brasil profundo. Nenhum de nós tinha toda essa consciência que temos atualmente. Com o olhar de hoje, eu vejo que o tema foi tratado com superficialidade, mas era outro tempo.
Ainda havia um hábito de falar metaforicamente as coisas como um efeito da ditadura, que durante muito tempo, não permitiu que falássemos abertamente sobre os assuntos e tudo era tratado no subtexto.
Por que "Tieta" é uma obra atemporal?
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Quero receber"Tieta" retrata o Brasil, de verdade. Os personagens são bastante estereotipados, mas eles retratam o Brasil que precisa olhar para si e refletir sobre si mesmo, sobre os seus problemas, mas tudo isso era feito com leveza e humor. Isso explica o sucesso duradouro da novela.
O humor é um canal mais humano de reflexão. Não sei como "Tieta" seria feita hoje com esses tribunais da internet. Não sei se poderia discutir coisas tão difíceis e delicadas com esse tom de humor.
Após "Tieta", você fez mais novelas de sucesso na Globo, como "Meu Bem, Meu Mal" e "Renascer". Depois só voltou a trabalhar na Globo em "Esperança" (2002). Por que houve esse distanciamento da emissora?
Isso é um mistério indecifrável que nunca consegui descobrir. Não sei por que a Globo perdeu o interesse de trabalhar comigo. Quando eu decidi ser atriz, minha meta não era ser famosa, era ser atriz e sobreviver do meu trabalho.
Lamento esse afastamento, porque eu gostava de fazer novelas na Globo. Após "Renascer", muitos diretores me convidavam para outras novelas, mas, em seguida, ligavam desconvidando. Foi muito cruel, doloroso e triste.
Muitos atores reclamam da falta de papéis para veteranos. Como você vê essa questão?
Sinto muito isso na pele. Quanto mais velha fui ficando, mais afastada da TV fiquei. Eu lembro que as novelas tinham grandes atores de todas as idades cercando os novatos para ensiná-los. Quando fiz "Helena", na Manchete, tinha Yara Amaral, Rubens Correia, Isabel Ribeiro, e Aracy Balabanian no elenco.
Eu não sei se os atores mais velhos perderam espaço porque a TV foi se afastando do teatro. Nos últimos anos que eu fazia TV, era muito difícil conciliar TV e teatro. Antes, o ator de teatro era valorizado. Era importante tê-lo nas novelas, fazia-se de tudo para que o ator estivesse ali.
Mesmo afastada da TV, você foi escalada para "De Volta aos 15", um dos maiores sucessos da Netflix. Como foi essa experiência?
A série é muito fofa. Adoro trabalhar com gente jovem. Maisa é super talentosa. Camila Queiroz é uma dama. Todas muito profissionais e estudiosas. Eu via ali uma galera muito interessada na qualidade do produto sendo feito. Particularmente para mim, a primeira temporada foi mais interessante.
"De volta aos 15" é um resumo de como o ator de mais idade é visto atualmente. Na primeira temporada, a mãe, que eu interpretava, era um canal de conflito, era parte da trama. Na segunda temporada, ficou esvaziado a ponto de eu dizer que não queria estar lá. Na terceira temporada, nem tem mais o personagem da mãe. Isso ocorreu e foi frustrante.
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