'Sujos e suados': atriz de 'Hoje é Dia de Maria' sobre atuar com Montenegro
Após "Hoje é Dia de Maria" (Globo, 2005), a atriz Carolina Oliveira engatou uma bem-sucedida carreira na TV e participou de novelas como "Caminho das Índias", "Ti Ti Ti", "I Love Paraisópolis" e "Apocalipse". Desde 2021, ela vive em Barcelona e é de lá que ela atendeu a coluna para falar sobre os 20 anos da minissérie que a projetou para o Brasil e sobre a vida na Europa.
Como surgiu a oportunidade de fazer "Hoje é Dia de Maria"?
Nasci em São José dos Campos, interior de São Paulo. Meu pai era motorista de ônibus e minha mãe era auxiliar odontológica. Era fora da minha realidade trabalhar na TV. Não sabia que poderia fazer novela na Globo. Um dia, do nada, pedi para fazer um book para minha mãe. Queria ter fotos bonitas para ver quando fosse adulta. Minha mãe me levou numa agência de modelos. O book era muito caro. Não tínhamos dinheiro, mas o pessoal da agência gostou de mim e me presenteou com uma sessão de fotos.
Em seguida, eles começaram a me chamar para testes de publicidade. Um dos testes era fazer entrevistas com pessoas que passeavam pelo Parque do Ibirapuera. Durante esse teste, eu abordei uma moça e a entrevistei. Ela gostou de mim e, na semana seguinte, ela conseguiu o contato da minha agência e me chamou para um teste em São Paulo. Ela não falou que era um teste para Globo, muito menos que era para uma protagonista. Fiz dois testes e me avisaram que eu tinha sido escolhida mesmo sem nenhuma experiência como atriz.
Quais suas principais lembranças dos bastidores de "Hoje é Dia de Maria"?
Lembro que, antes das gravações, eles me trouxeram para São Paulo, onde eu fiquei uns três meses estudando música e fazendo outras aulas para conhecer melhor o texto. A Globo foi muito cuidadosa comigo. Eu não tinha uma noção exata do tamanho da Fernanda Montenegro, do Rodrigo Santoro ou da Letícia Sabatella, com quem eu contracenei na minissérie. Todos se tratavam de maneira igual. Era todo mundo descalço, sujo, suando durante os ensaios. Eu lembro que as gravações eram muito cansativas, porque filmamos tudo com uma única câmera. A Fernanda Montenegro até me falou: "Se você quiser ser atriz, precisa aprender a esperar, porque a gente passa metade da carreira esperando." Eu ficava exausta, mas não queria ir embora do estúdio de jeito nenhum.
Como foi ser indicada ao Emmy Internacional sendo tão jovem?
Eu não tinha a noção exata da importância dessa indicação. Lembro que quando fui a Nova York para a premiação, torci para que nevasse porque queria ver neve. No dia da cerimônia, eu queria muito ir ao banheiro fazer xixi, mas minha mãe não deixou com medo que eu perdesse o anúncio da minha categoria. Quando saiu o resultado e eu não ganhei, ela também não me deixou ir ao banheiro para não parecer que eu tinha saído para chorar porque perdi.
Logo após "Hoje é Dia de Maria", você foi escalada para "Páginas da Vida" em que vivia uma garota racista. Recentemente, viralizou uma cena em que o personagem do Paulo Cesar Grande esfrega uma fatia de pão com manteiga após sua personagem discriminar a personagem da Elisa Lucinda. Como foi falar de racismo numa época em que o assunto não estava tão em voga?
Fazer "Páginas da Vida" foi estranho no início, porque as pessoas me amavam por conta de "Hoje é Dia de Maria" e passaram a me odiar por causa de "Páginas da Vida". Quando fui escalada para fazer a Gabi, a direção me falou que a minha trama ia abordar uma questão que poderia ajudar muita gente, mas não deram tantos detalhes. Durante a novela, eu fui ao banco com minha mãe uma vez e uma senhora puxou minha orelha dizendo que não poderia ser racista. Minha mãe teve que intervir para eu não apanhar. Eu me sentia mal depois de fazer as cenas em que era malvada.
Sobre essa cena que viralizou, eu lembro que o Jayme Monjardim que nos dirigiu e ele falou pro Paulo César: "Vai na fé. Não é para ter dó da Carol. Esfrega o pão com vontade." Eu não me machuquei na cena, mas depois disso eu nunca mais comi manteiga na vida.
Muitas estrelas mirins dizem que, quando crescem, as oportunidades de trabalho na TV diminuem. Isso aconteceu com você?
Eu acho que consegui fazer tudo que queria. Sempre trabalhei, mas claro que, quando você cresce, há menos papéis, porque tem mais atores adultos. Eu trabalhei pra caramba enquanto morei no Brasil. Não posso reclamar.
Por que você se mudou para Barcelona?
Acho que estava bem louca (risos). Eu senti que precisava mudar um pouco. Mudar tudo. Não estava cansada da minha vida no Brasil, mas queria conhecer outros mundos, me conhecer de outras formas. Até então só tinha trabalhado como atriz. Ser atriz era toda minha personalidade. Não sabia quem eu era longe de um set de filmagem. Sempre amei o cinema espanhol e decidi vir para cá, Barcelona, sem nunca ter pisado na Espanha. Foi em maio de 2021, durante a pandemia.
Você mudou com a intenção de estabelecer uma carreira na Europa?
Quando eu vim, eu tinha uma empresária aqui, já estava fazendo teste, estava começando a entender como rolavam as coisas em Barcelona. Nesses três anos, fiz bastante publicidade. Mas, para entrar no cinema, é mais difícil. Preciso fazer as pessoas me conhecerem. Agora, entendo melhor a realidade de um ator, porque no Brasil as pessoas me conhecem desde criança, então, tudo fluiu mais fácil. Aqui ninguém me conhece. Faço teste atrás de teste. Me mandam muito teste para personagem latina, mas sempre acham que não sou latina o suficiente. Também não me consideram europeia o suficiente para outros personagens.
Como tem sido viver a vida no anonimato?
Esse tempo longe do Brasil me fez muito bem. Descobri muitas coisas sobre mim. Eu tenho formação de professora de ioga, dei aula de ioga aqui em Barcelona. Trabalhei numa agência de marketing e estou abrindo minha própria agência de marketing. Gostaria de ter um espaço para fazer eventos. São coisas que nunca teria pensado em fazer se não tivesse saído do Brasil.
Você sente falta de trabalhar no Brasil?
Surgiram convites, mas não rolaram por questão de logística. Estava fazendo meus documentos de cidadania e não poderia sair daqui. Mas estou negociando para fazer um filme em 2025 no Brasil.
Recentemente, você lançou duas músicas. O que te levou a cantar?
Sempre amei cantar, mas tinha vergonha de cantar em público. Foi muita terapia para conseguir isso. Foi um processo para entender que está tudo e que não preciso ser uma cantora perfeita. De vez em quando, faço shows aqui ou ali. Também não teria me arriscado na música se não tivesse me mudado para cá.
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