Animação japonesa: Como o Studio Ghibli pode deixar sua vida mais doce
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Quarentena é assim: tirei os dois últimos dias para pilotar o sofá e assistir aos filmes do Studio Ghibli que a Netflix disponibilizou. Foram 14 títulos, uns que eu já tinha visto dúzias de vezes, outros que foram inéditos (em abril os sete filmes restantes do estúdio chegam à plataforma). E foi exatamente o que eu precisava, sem ao menos saber que era o que precisava!
Explico. A animação japonesa pode facilmente ser dividida em antes e depois da criação do Ghibli, produtora que se notabilizou ao lançar os trabalhos de um de seus fundadores, o gênio Hayao Miyazaki. Das dez maiores bilheterias dos cinemas japoneses, seis saíram do estúdio. É uma máquina!
Mas uma máquina de sonhos, movida a delicadeza e sensibilidade. As produções do Ghibli - em especial os filmes de Miyazaki - são uma explosão de cores e sensações, de emoções escancaradas e de respeito com a cultura japonesa.
Falei sobre Miyazaki aqui mesmo na coluna em 2014 (!!!), quando ele lançou o que seria seu filme derradeiro, "Vidas ao Vento". Aparentemente não foi, já que ele prepara a todo vapor um novo, chamado "Como Você Vive?". Oba!
Enquanto o novo Miyazaki não chega, o melhor programa é mesmo conferir todos os títulos do Studio Ghibli disponíveis na Netflix, listados aí embaixo em ordem de lançamento. Você nem sabe que é o que você precisa. Mas, acredite, nada poderia ser mais essencial neste momento do que deixar o coração ouvir.
NAUSICAÄ DO VALE DO VENTO
(Hayao Miyazaki, 1984)
Oficialmente "Nausicaä" precede a fundação do Ghibli, mas seu sucesso foi o gatilho para Miyazaki, seus sócios e investidores iniciarem a empreitada. Baseado no mangá de criação do próprio diretor, o filme é uma distopia sobre um futuro com o ecossistema da Terra arruinado, com tribos em guerra pela tecnologia remanescente - e pelo controle do futuro.
O CASTELO NO CÉU
(Hayao Miyazaki, 1986)
O primeiro filme do Ghibli abraçou o gênero steampunk, de inspiração retrofuturista, com a história de de duas crianças que, no fim do século 19, buscam manter um cristal encantado longe do controle de militares. Piratas espaciais e um forte sentimento de luta social permeiam a narrativa, que brilha tanto no aspecto técnico quanto emocional.
MEU AMIGO TOTORO
(Hayao Miyazaki, 1988)
A fantasia falou mais alto no filme que deu ao mundo o personagem-símbolo do Ghibli: Totoro, uma criatura gigantesca e delicada, com orelhas de coelho, que se torna amiga de duas irmãs quando a mãe delas se recupera de uma doença. Miyazaki mergulhou no folclore nipônico ao buscar na ambientação simples valores que nos fazem elevar como seres humanos. Um filme lindo.
O SERVIÇO DE ENTREGAS DA KIKI
(Hayao Miyazaki, 1989)
Miyazaki nunca escondeu sua predileção eu colocar meninas como protagonistas de seus filmes. Antes de "empoderamento" se tornar um vocábulo, o diretor apresentou ao mundo Kiki, uma jovem bruxa que usa seus poderes para ganhar dinheiro. O diretor enxergou a personagem como um símbolo da independência e confiança das jovens japonesas em sua passagem para a vida adulta.
MEMÓRIAS DE ONTEM
(Isao Takahata, 1991)
O diretor de "Túmulo dos Vagalumes" arriscou um gênero alienígena à animação: o drama para adultos. "Memórias de Ontem" acompanha Taeko, que vive sozinha em Tóquio, preocupada com sua carreira e com a vida urbana. Uma viagem para o interior recupera suas memórias de infância, e ela confronta seus sonhos com a vida que construiu para si. Um filme intenso e de imensa delicadeza.
PORCO ROSSO - O ÚLTIMO HERÓI ROMÂNTICO
(Hayao Miyazaki, 1992)
"Porco Rosso" é uma delícia de filme! Ágil, engraçado e, apesar do óbvio protagonista fantástico (um piloto transformado em um porco antropomorfizado), aborda elementos geopolíticos realistas, como a ambientação entre as duas grandes guerras mundiais, mantendo uma visão romântica da Europa, colorida com a sensibilidade japonesa. Para coroar, é um filmaço de ação!
EU POSSO OUVIR O OCEANO
(Tomomi Mochizuki, 1993)
Os veteranos do Ghibli ofereceram a seus animadores mais jovens a oportunidade de criar um longa que falasse à sua geração. É curioso como boa parte dos filmes do estúdio fogem ao "estereótipo" do que seria uma animação: "Eu Posso Ouvir o Oceano" surge como um drama romântico centrado no triângulo amoroso entre dois amigos e a garota nova da escola.
PRINCESA MONONOKE
(Hayao Miyazaki, 1997)
Aqui a coisa ficou séria! Miyazaki não assinou um filme por cinco anos para se dedicar a essa fantasia que coloca o avanço do progresso em conflito com deuses-animais - entre eles os deuses-lobo que adotaram San, a Princesa Mononoke, que reencontra sua humanidade ao conhecer Ashitaka, jovem em busca da cura para a maldição que ameaça sua terra. Ação e fantasia em uma aventura épica que provou o alcance global do cinema de Miyazaki.
MEUS VIZINHOS, OS YAMADAS
(Isao Takahata, 1999)
Depois do peso de "Mononoke", coube a Takahata recuperar a leveza do Ghibli. "Meus Vizinhos, Os Yamadas" foge da estética do anime para abraçar um visual estilizado de tira de quadrinhos. A escolha é narrativa, já que o filme, como uma sitcom, é dividido em episódios que seguem o dia a dia da família Yamada, em um retrato realista da vida familiar que transcende as fronteiras do Japão.
A VIAGEM DE CHIHIRO
(Hayao Miyazaki, 2001)
O novo milênio trouxe não só o melhor filme de Miyazaki e do Ghibli, mas também uma das experiências cinematográficas mais sensacionais da história. Aos 10 anos de idade, Chihiro muda-se com seus pais para uma nova cidade, mas um desvio no caminho a coloca em um mundo habitado por criaturas fantásticas, em que ela precisa descobrir sua coragem e salvar seus pais e esse reino mágico. Uma obra-prima irretocável.
O REINO DOS GATOS
(Hiroyoki Morita, 2002)
É quase regra no Studio Ghibli: uma heroína encara um mundo fantástico para descobrir sua própria identidade. Aqui ela é a adolescente Haru, que ao salvar um gato de ser atropelado, descobre que o bicho é o príncipe dos gatos. Atraída a seu reino, ela perde aos poucos sua humanidade. Longe de imitar Miyazaki, Morita traz um estilo mais realista, criando uma experiência nova mesmo trilhando caminhos já percorridos.
CONTOS DE TERRAMAR
(Gorö Miyazaki, 2006)
É curioso observar como o Ghibli demorou para buscar inspiração longe da cultura japonesa em seus filmes. "Terramar" é inspirado na série de fantasia da autora americana Ursula K. Le Guin - e é também a produção mais fraca do estúdio, em que Gorö, filho de Hayao Miyazaki, optou por um épico de guerra fantástico (temos dragões) que desenha o bem e o mal sem espaço para áreas cinzentas. É lindo, mas é oco.
O MUNDO DOS PEQUENINOS
(Hiromasa Yonebayashi, 2010)
Essa não foi a primeira adaptação da série de livros infantis "The Borrowers", criada por Mary Norton em 1952 - os canais Hallmark e BBC fizeram suas versões, e John Goodman encabeçou "Os Pequeninos" no cinema em 1997. Mas a versão do Ghibli é indubitavelmente a melhor, combinando visual fantástico com emoções genuínas. Mas não se anime se você tiver 32 dentes: a história da família que vive entre as frestas do assoalho ainda é basicamente para crianças.
O CONTO DA PRINCESA KAGUYA
(Isao Takahata, 2013)
Takahata levou mais de uma década antes de voltar à direção, neste que seria seu último trabalho antes de sua morte em abril de 2018. Como já havia experimentado em "Meus Vizinhos, Os Yamadas", o diretor foge do estilo tradicional do anime e mergulha aqui em um traço de beleza quase asfixiante, como aquarela pintada sobre giz.
Em uma vila no Japão rural, um casal encontra uma criança em um bambu reluzente e a criam como filha. Sua vida, porém, muda totalmente quando ela revela seu verdadeiro destino. É uma fábula de esfacelar o coração, um filme de visual único e uma experiência encantadora. Perdeu o Oscar de melhor animação para "Operação Big Hero". Um pecado.
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