'Missão Impossível 2' é cápsula do tempo para um cinema que não existe mais
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Já não se faz mais filmes de ação como "Missão Impossível 2". O que talvez seja uma bênção. A segunda aventura de Tom Cruise como o ultraespião Ethan Hunt, veja só, envelheceu pior do que a produção anterior, dirigida por Brian De Palma em 1996.
Visões diferentes: se o primeiro era um filme de espionagem à moda antiga, com a adrenalina surgindo para sublinhar o roteiro (confuso feito o diabo, por sinal), o segundo optou por um caminho mais genérico, transformando Cruise em um super-herói solitário com a missão de salvar o mundo - quem diria, de um vírus mortal de alcance global!
E era um mundo muito particular, carregando todas as ansiedades que a virada do milênio trazia. Cruise não teve pressa em desenhar seu retorno como Hunt, levando quatro anos entre os filmes. Esquentando também a cadeira de produtor, o astro queria a trama perfeita e o diretor ideal para fazer com que o filme fosse elevado acima de seus pares. Encontrou um parceiro em John Woo, mestre da ação em produções chinesas como a obra-prima "Fervura Máxima".
Importado para Hollywood por Jean-Claude Van Damme (ele comandou "O Alvo" em 1993), Woo lapidou seu estilo operístico para os grandes estúdios em dois filmes com John Travolta ("Broken Arrow" e "A Outra Face"). "Missão Impossível 2" parecia o veículo perfeito para que ele cravasse seu nome como um dos cineastas que conduziria a "nova Hollywood" no século 21.
CABELOS AO VENTO
Se os anos 90 foram definidos pelo "sujeito certo no lugar errado" cravado por "Duro de Matar", o fim da década trouxe "Matrix" e um sentimento de obsolescência compartilhado basicamente por todo cineasta que se enxergava como diretor de ação.
John Woo e seu estilo muito particular tinham de encontrar um meio-termo para entender a cara do estilo no novo século. "Missão Impossível 2" é, ao mesmo tempo, uma vitrine desse estilo e um laboratório dos rumos que o gênero podia seguir. O resultado, entretanto, foi uma bagunça que evidenciou o pior dos mundos.
A começar pela própria concepção de "Missão Impossível" como imaginado por seu criador, o produtor de TV Bruce Geller, em 1966: a missão tinha um líder que escolhia o melhor time para resolver cada caso. Esse aspecto foi praticamente limado em "M:I 2", que transformou Tom Cruise em um exército de um homem só, apoiado marginalmente por Ving Rhames (a outra constante na série do cinema) e John Polson. Ah, Anthony Hopkins é o "chefe" da coisa toda, em uma ponta piscou-perdeu.
De "Matrix", o filme herdou as roupas de couro e os óculos escuros (estilosos Oakley Romeo, hoje extremamente cafonas), "uniforme" de Cruise na sequência final. Outras evidências de uma cápsula do tempo? As lutas em câmera lenta (cabelos ao vento e sem nenhum ritmo, o que é inexplicável sabendo que estava no comando) e a trilha sonora encabeçada pelo insuportável nü metal do Limp Bizkit.
UM ANO CURIOSO
"Missão Impossível 2" ainda assim tem lugar reservado em meu coração cinéfilo - mas por motivos estritamente profissionais. Vinte anos atrás eu embarquei para Los Angeles para minha primeira junket internacional, papeando não só com o astro mas também com John Woo, Ving Rhames, Thandie Newton e Dougray Scott - o filme foi capa da SET, revista sobre cinema que eu comandava, em uma época em que papel reinava supremo (saudades).
A aventura consolidou o papel de Cruise como astro internacional, firmando-se no topo das bilheterias mundiais em 2000 com 547 milhões de dólares em caixa. Ainda assim, os números também mostravam evidências de um mundo em mutação.
A lista das maiores bilheterias daquele ano só encontra outro filme de ação "à moda antiga" na décima quinta posição, com o divertido e descartável "60 Segundos", uma época em que Nicolas Cage ainda era astro.
Entre um e outro, Russell Crowe mostrava outro tipo de entretenimento de massa com "Gladiador", Tom Hanks se isolava em uma ilha em "Náufrago", Mel Gibson fazia rir (!) em "Do Que As Mulheres Gostam" e os super-heróis dos quadrinhos começavam seu renascimento com "X-Men". Foi um ano curioso.
O ÚLTIMO GRANDE ASTRO
Mais curioso ainda foi ver que, mesmo com o enorme sucesso de "Missão Impossível 2", Cruise percebeu que a fórmula estava errada. Ele levou outros seis anos para retomar Ethan Hunt com o superior "Missão Impossível III" (é, eles ficam alternando os algarismos), e mais cinco para estabilizar a série no patamar de excelência alcançado por "Protocolo Fantasma" em 2011.
Alguns outros jogadores não tiveram tanta sorte. Dougray Scott sairia de antagonista de Tom Cruise aqui para viver o mutante Wolverine em "X-Men", mas uma lesão no ombro o deixou de molho, fazendo com que Bryan Singer optasse pelo então desconhecido Hugh Jackman.
John Woo fez mais dois filmes em Hollywood ("Códigos de Guerra" e "O Pagamento") antes de voltar para Hong Kong, onde criou o (ótimo) épico histórico "A Batalha dos 3 Reinos", retomando depois o estilo urbano e violento com "Caçadores de Homens" (2017) que não amarra as chuteiras de joias como "Alvo Duplo" ou "O Matador".
Tom Cruise, por sua vez, sobreviveu com louvor como um dos últimos astros verdadeiros do planeta. Aprendeu as lições de "Missão Impossível 2" e não quis brincar de dono da bola, dividindo espaço ao longo dos anos com um talentoso elenco de colaboradores, na frente e atrás das câmeras.
Nem sempre ele toma as melhores decisões (quanto menos falarmos sobre "A Múmia", melhor), mas quando se arrisca termina em pérolas como a refilmagem de "Guerra dos Mundos", o brilhante thriller "Colateral" e a ficção científica "No Limite do Amanhã". Na fila ainda temos "Top Gun: Maverick" (reprogramado para dezembro) e ao menos mais dois "Missão Impossível". Espera-se, nunca mais querendo soar "moderno", deixando o Limp Bizkit (argh...) como um tropeço a não ser repetido.
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