Clint Eastwood aos 90: Celebre a lenda com 16 filmes essenciais
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Poucos astros possuem uma carreira como a de Clint Eastwood. Poucos? Espera, corrigindo: NENHUM habitante do Olimpo hollywoodiano jamais arranhou os feitos do ator e diretor. Aos 90 anos completados agora, Clint continua a celebrar sua vida e sua paixão pelo cinema em plena forma.
Chegando numa idade em que boa parte de seus pares já se recolheu ao golfe e à certeza de ter deixado um legado, o astro revelado ainda nos anos 60 na série de TV "Rawhide" continua trabalhando em ritmo incansável.
Quer provas? Ano passado, ele dirigiu o (ótimo) drama "O Caso Richard Jewell", que conseguiu uma indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante para Kathy Bates. Em 2018, Eastwood voltou para a frente das câmeras no drama "A Mula", que se for concretizado como seu último papel, terá sido uma despedida digna e emocionante.
Ao longo de sua carreira, Clint construiu uma persona cinematográfica única, a do sujeito durão, rosto de granito, que impõe sua visão em um mundo forrado de injustiça e violência. Foi assim que o diretor Sergio Leone o transformou em astro internacional com a "trilogia dos dólares" em que ele solidificou o "estranho sem nome" do western.
Ainda assim, o ator fez o possível para não ficar preso em um único tipo, entrelaçando sua imagem estoica ora com humor (como em "Os Guerreiros Pilantras" e no sucesso "Doido Para Brigar, Louco Para Amar"), ora com drama ("O Estranho Que Nós Amamos"), ora com pouca variação (a virada do século trouxe filmes elegantes, pouco memoráveis e levemente preguiçosos como "Poder Absoluto", "Crime Verdadeiro" e "Dívida de Sangue").
Em nenhum momento, entretanto, Clint Eastwood divergiu da forma única como ele encara o cinema. Em especial como diretor, construindo atrás das câmeras uma cinematografia enxuta, sensível e com momentos de pura genialidade. Tamanha precisão em seu ofício fez que ele continuasse trabalhando regularmente mesmo se aproximando de nove décadas de seu nascimento.
Traçar uma lista com seu cinema essencial foi tarefa árdua, e com certeza alguns favoritos de muita gente ficaram de fora. Como "Um Mundo Perfeito", em que ele dirigiu Kevin Costner à perfeição em 1993. Ou o violento "Josey Whales, o Fora da Lei", de 1976, em que ele desconstruiu o western que ele mesmo havia solidificado - o que ele faria novamente em "Cavaleiro Solitário", já nos anos 80.
Ainda assim, acredito que os dezesseis filmes a seguir formem um ponto de partida bacana para conhecer a obra de um astro único, que chega aos 90 anos desacelerando, mas nunca à mercê da inércia.
"Eu nunca serei um Laurence Olivier", disse Clint Eastwood em uma entrevista em 1971. "Com meu tipo físico e minha personalidade sossegada, eu nunca vou interpretar certos papéis. Mas eu ainda posso fazer coisas com uma certa qualidade."
Muitos atores tentaram ser Lawrence Olivier ao longo da história do cinema. Alguns seguiram seu método de atuação e encostaram na perfeição. Mas nenhum, em nenhum momento, arriscou ser um "novo Clint Eastwood". Nem precisaram: ainda temos o original.
TRÊS HOMENS EM CONFLITO
(The Good The Bad The Ugly, 1966)
Sergio Leone não sabia sequer quem era Clint Eastwood quando buscou um ator americano para rodar westerns na Itália. No astro de "Rawhide", porém, ele enxergou a materialização do tipo soturno e solitário que havia imaginado. "Por Um Punhado de Dólares" e "Por Uns Dólares a Mais" abriram a "trilogia dos dólares". Mas em "Três Homens em Conflito" foi onde a parceria atingiu a perfeição.
Como o estranho envolvido com dois pistoleiros (o "mau" Lee Van Cleef e o "feio" Eli Wallach), em uma saga em busca de ouro em meio à Guerra Civil, Clint criou uma figura mítica que ele moldou em diversas formas ao longo de sua carreira. Um de seus melhores filmes? Mais do que isso: um dos melhores filmes da história do cinema.
O DESAFIO DAS ÁGUIAS
(Where Eagles Dare, 1968)
Apesar da identificação imediata com o western, Clint estava determinado a experimentar outras formas de fazer cinema. Nesta aventura de guerra dirigida por Brian G. Hutton, ele divide o protagonismo com Richard Burton em um perfeito exemplar do gênero "homens em uma missão".
A trama é simples: soldados ingleses e um agente americano invadem a Áustria para resgatar um general americano. Nazistas são moídos (o que sempre é dever cívico), história e lógica dão espaço a ação desenfreada em grande estilo, e Clint continua em sua missão particular em tornar-se o maior astro do planeta.
MEU NOME É COOGAN
(Coogan´s Bluff, 1968)
Foi o cineasta Quentin Tarantino quem disse que "Meu Nome É Coogan", mais do que qualquer outro filme, estabeleceu o estilo de herói de ação que dominaria o cinema pelo menos pelo quarto de século que se seguiu. Walt Coogan é um xerife sem tempo para burocracia, enviado do Arizona para Nova York para prender um fugitivo.
O choque cultural do caubói com a metrópole efervescendo no auge da contra-cultura, com hippies, prostitutas, drogados e golpistas, cria um inusitado efeito cômico, solidificando Eastwood como um legítimo"represente da ordem", aura que o seguiria do lado de cá da tela. Mais importante ainda, "Meu Nome É Coogan" foi seu primeiro filme com o diretor Don Siegel, com quem trabalhou em mais quatro filmes e que se tornaria seu mentor e grande influência atrás das câmeras.
PERVERSA PAIXÃO
(Play Misty For Me, 1971)
Não foi sem surpresa que Hollywood reagiu ao filme escolhido por Clint Eastwood para fazer sua estreia como diretor. "Passei anos vivendo em sets de filmagens, trabalhando com diretores bons e ruins", disse. "Já estou pronto para fazer meus próprios filmes." Apostar em um filme de ação seria um caminho seguro. Mas Clint buscava desafiar a si próprio.
"Perversa Paixão" o coloca no papel de um radialista que envolve-se com uma desconhecida que conhece em um bar. O que parecia paixão passageira torna-se obsessão, que logo caminha para assassinato. Como protagonista de seu próprio filme, Eastwood termina no papel de vítima. Atrás da câmera, porém, mostrou-se um cineasta preciso, de narrativa enxuta e concentrado no desenvolvimento dos personagens. Estilo, claro, que mostrou-se como o vinho.
PERSEGUIDOR IMPLACÁVEL
(Dirty Harry, 1971)
Seu segundo filme sob o comando de Don Siegel gerou também um personagem ainda mais emblemático que o pistoleiro solitário dos westerns: o policial de São Francisco "Dirty" Harry Calahan, que muitas vezes preferia deixar sua arma falar em seu lugar.
A violência de "Perseguidor Implacável" levantou algumas sobrancelhas, mas sua própria natureza truculenta encontrou nuances na interpretação de Clint. O sucesso foi tamanho que gerou quatro continuações ("Magnum 44", "Sem Medo da Morte", "Impacto Fulminante" e "Dirty Harry na Lista Negra").
O ESTRANHO SEM NOME
(High Plains Drifter, 1973)
Para seu segundo filme como diretor, Eastwood voltou ao gênero que o lançou. "O Estranho Sem Nome" mostrou que ele aprendeu com distinção as lições de Sergio Leone, Don Siegel, John Sturges e Ted Post ao lapidar um drama ligeiro e cheio de estilo sobre justiça na fronteira.
Seu estilo, por sinal, fugia da grandiosidade de seus mestres e mostrava-se mais direto, com a narrativa principal deixando pouco espaço para sutileza. Ainda assim, é uma obra que permite diversas leituras: a vingança empreendida pelo Estranho, ao mostrar que existe um acerto de contas pessoal com os bandidos que ele é contratado para matar, não fica longe de uma reparação bíblica.
FUGA DE ALCATRAZ
(Escape From Alcatraz, 1979)
A última colaboração de Eastwood com o diretor Don Siegel resultou em um filme brutal, em que o silêncio torna-se elemento narrativo ensurdecedor quando o protagonista é mostrado como um homem de poucas palavras, internalizando suas ações até a explosão de tensão quando o plano é finalmente posto em prática.
O plano, claro, é escapar da prisão de Alcatraz, desafio para o detento Frank Morris, notório por não se deixar confinar por nenhuma penitenciária. Baseado na história real dos únicos detentos (SPOILER ALERT!!!) a fugir da prisão, o filme foi rodado na ilha-presídio, então desativada há pouco mais de uma década e então destino de turistas em São Francisco. Essa era uma atividade para o astro entre os takes: assinar autógrafos!
BIRD
(1988)
Clint Eastwood já havia dirigido um filme sem atuar antes - o romance "Breezy" trazia William Holden como protagonista. Assumir a biografia do lendário saxofonista Charlie Parker, porém, foi uma decisão surpreendente, mesmo que o astro nunca tenha escondido sua paixão pelo jazz. "Bird", portanto, foi muito além de ser o retrato de um artista atormentado: é uma carta de amor a um gênio da música.
Não menos genial foi a interpretação de Forest Whitaker como Parker: um homem determinado a materializar em seu instrumento o som que reverberava em sua mente, um desenho musical que resultou no bebop, esforço que terminou no vício em heroína e em severos problemas mentais. Eastwood traduziu sua dor e sua música em uma obra sensível, que marcou um novo caminho em sua carreira como diretor.
OS IMPERDOÁVEIS
(Unforgiven, 1992)
Afastado do western desde "Cavaleiro Solitário", de 1985, Clint retornou ao gênero para desconstruí-lo até o chão batido de terra, no que se tornou indubitavelmente o melhor filme de toda sua carreira. A trama simples entrega a fundação para ele explorar a humanidade insuspeita por trás de todo o glamour da "nova fronteira".
Clint é Bill Munny, pistoleiro cruel e violento que há muito abandonara seu ofício para construir uma família com a mulher que tomou seu coração. Mas ela há muito está enterrada, criar os filhos e manter a fazenda mostrou-se difícil, e ele aceita um último trabalho antes de aposentar a pistola.
O que se segue é um filme melancólico que mostra o lado sujo e brutal de uma terra desgarrada, habitada por homens ainda dispostos a provar sua masculinidade na bala. "Os Imperdoáveis" é um filme belíssimo, uma despedida emocionante de um artista ao gênero que lhe deu tudo... Mas que mostrou em seu último fôlego sua representação mais perfeita.
NA LINHA DE FOGO
(In the Line of Fire, 1993)
Foi no mínimo curiosa a escolha de Clint Eastwood em emendar sua obra-prima com um filme de ação em que ele se contentou com o papel de ator - a direção aqui ficou a cargo do competente Wolfgang Petersen. "Na Linha de Fogo", porém, serviu também como um recomeço, mostrando um astro confortável em sua posição e disposto a explorar uma persona cinematográfica que não fugia do peso da idade.
O agente do serviço secreto Frank Horrigan carrega a culpa de não ter impedido o assassinato do presidente John Kennedy décadas atrás. Quando um psicopata ameaça o ocupante atual da Casa Branca, ele faz de sua missão uma cruzada pessoal. Um filme redondinho, coalhado de boas performances (John Malkovich em especial), que preparou Eastwood para mais uma fase em sua carreira.
AS PONTES DE MADISON
(The Bridges of Madison County, 1995)
Em sua extensa carreira, Clint Eastwood criou, claro, vários romances no contexto de seus filmes. Mas a história de amor nunca fora protagonista até "As Pontes de Madison", em que ele adapta e protagoniza o livro de Robert James Waller. O que era insuspeito, claro, era a sensibilidade com a qual ele conduziria a trama.
Tudo ficou mais fácil, claro, com a escalação de Meryl Streep no papel da dona de casa italiana que se apaixona pelo fotógrafo de passagem por sua cidade. É um filme maduro sobre pessoas reais, colocando na balança a paixão genuína e arrebatadora com as responsabilidades da vida real. O final devastador não poderia ser diferente - mas, no fundo, a gente queria que fosse.
SOBRE MENINOS E LOBOS
(Mystic River, 2003)
Em seu filme mais maduro como diretor (ao lado de "Os Imperdoáveis"), Eastwood deixa de lado qualquer firula trazida pelo novo século ao construiu um filme à moda antiga, amparado pelo roteiro preciso e por um elenco absurdo de tão bom, elevado pela direção elegante de Clint.
Adaptando o livro de Dennis Lehane, "Sobre Meninos e Lobos" é uma história sobre trauma, paranoia, fúria e pesar. Jimmy (Sean Penn) é um ex-presidiário que tem a filha assassinada, caso investigado pelo policial Sean (Kevin Bacon). O cenário é completado com Dave (Tim Robbins) e os eventos do passado dos três que antevê outra tragédia.
Eastwood conduz seus atores como um maestro, em completo controle dos momentos em que precisa subir o tom e em que a sutileza domina a cena. Uma sinfonia de talento absolutamente hipnotizante, mostrando a extensão de sua sensibilidade como diretor e provando que, mesmo depois da virada do século, sua voz como artista ainda ecoava forte.
MENINA DE OURO
(Million Dollar Baby, 2004)
"Menina de Ouro" é um dos retratos mais devastadores do que significa amar alguém que o cinema já criou. E não um amor romântico, mas a relação entre duas pessoas que encontraram entre elas o sentimento quase sufocante para preencher o vazio que se tornara suas vidas.
Uma delas é o treinador de boxe Frankie Dunn (Eastwood), que conseguiu em vida afastar toda sua família e alienar seus poucos amigos - um sujeito oco que deixou a vida endurecê-lo. A outra é Maggie (Hilary Swank, absolutamente espetacular), uma mulher que em seus 30 anos quer se tornar atleta no ringue. Ela pede a ajuda de Frankie, que cede após repetidas recusas.
Clint constrói com honestidade desconcertante a relação entre Frankie e Maggie, que se tornam pai e filha sem nunca proferir essas palavras, lapidando sua cumplicidade com as vitórias da boxeadora no ringue. Um acidente durante uma luta, porém, muda totalmente a dinâmica de "Menina de Ouro" e põe à prova, de maneira inimaginável, o laço entre eles. Uma obra-prima.
CARTAS DE IWO JIMA
(Letter From Iwo Jima, 2006)
Clint Eastwood nunca escondeu sua posição, em sua carreira e também em sua vida pessoal, de defensor do "estilo de vida americano". Ao voltar ao tema da Segunda Guerra Mundial, porém, ele traçou um caminho radicalmente oposto à glorificação de sua própria geração.
Ao retratar a batalha de Iwo Jima, um dos momentos decisivos do conflito no Pacífico, ele preferiu voltar seu olhar para o curto humano da guerra. "A Conquista da Honra" mostrou a trajetória dos soldados americanos que ergueram sua bandeira em uma das imagens mais icônicas da história - mas seu destino ao retornar para casa não foi o júbilo do heroísmo, e sim a culpa e o trauma da batalha.
O melhor, porém, foi o filme que mostrou o ponto de vista "do inimigo". "Cartas de Iwo Jima" não mostrou um outro lado de uma mesma moeda, e sim o quanto o custo da guerra é alto para quem a trava no campo de batalha, não importa onde está sua lealdade.
É, também, um filme mais bonito, mais sensível e mais representativo de seu diretor. "No fim das contas", disse à época do lançamento. "São mãe perdendo seus filhos, sejam japoneses, americanos ou de qualquer nacionalidade."
GRAN TORINO
(2008)
Depois de "Menina de Ouro", eu honestamente achava que Clint Eastwood trabalharia somente atrás das câmeras. "Gran Torino", entretanto, mostrou que ainda havia histórias que se tornariam real somente com seu rosto de granito impresso mais uma vez em celuloide.
Veterano da Guerra da Coreia, Walt Kowalski não esconde o racismo estrutural em sua personalidade. Ainda assim, ele toma como missão regenerar um adolescente chinês, que se mudou com a família para a casa vizinha, após ele tentar roubar seu precioso Gran Torino 1972.
O choque dos valores ultrapassados de Walt com as mudanças que se descortinam a seu redor - o que significa também a chegada de imigrantes, a violência de gangues e uma comunidade mais diversa - é o centro de "Gran Torino". E a prova que Eastwood, então com 78 anos, nunca perdeu o foco como artista em sintonia com o mundo.
SNIPER AMERICANO
(American Sniper, 2014)
Aos 84 anos, e observando os conflitos no Iraque e no Afeganistão, Clint Eastwood sentiu que o cinema precisava abordar o ponto de vista de quem está em combate e o que acontece quando as balas param de zunir. Encontrou no fuzileiro Chris Kyle a história que queria contar.
Bradley Cooper assumiu o papel de Kyle, atirador de elite que matou mais de 150 "inimigos" em combate, e que sofreu de transtorno de estresse pós-traumático ao voltar para casa. O lançamento não fugiu da polêmica, com o diretor enfrentando acusações de glorificar a guerra e respondendo que, ao mostrar o estado deplorável dos veteranos, ele fez justamente um filme anti-guerra.
"Sniper Americano" é, também, um drama que caminha no fio de uma lâmina, uma história carregada de tensão, reproduzindo no limite da narrativa cinematográfica a tensão experimentada por seu protagonista, que não é aliviada sequer quando sobem os créditos. Ironicamente, tornou-se também o maior sucesso comercial de Clint Eastwood, com 550 milhões de dólares em caixa. Uma coroa adequada para uma carreira brilhante.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.