Joel Schumacher: 5 filmes espetaculares do diretor de 'Batman & Robin'
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"Joel Schumacher foi diretor de dois filmes clássicos do Batman." A informação, garfada de sites nerd, é... parcialmente verdadeira. Morto ontem em sua Nova York natal aos 80 anos, Schumacher de fato dirigiu duas aventuras do Homem-Morcego. Mas há um abismo entre filmes velhos e clássicos, e com certeza seu herói com traje de mamilos não obedece ao segundo predicado.
Joel Schumacher era, na verdade, um operário dedicado da indústria hollywoodiana. Em uma carreira que abraçou mais de quatro décadas, ele trabalhava como vitrinista quando começou sua carreira no cinema. Inspirado por "Grandes Esperanças", versão do clássico (aí, sim!) de Charles Dickes dirigida por David Lean em 1946, ele sempre buscou a cadeira de diretor.
Começou, porém, como figurinista em "Play It as It Lays", adaptação de 1972. do romance de Joan Didion. Continuou na função para diretores como Paul Mazursky, Herbert Ross e Woody Allen. Também passou a assinar roteiros, inclusive de filmes populares como "Car Wash - Onde Acontece de Tudo" e "O Mágico Inesquecível" - versão contemporânea para "O Mágico de Oz" com Michael Jackson e Diana Ross.
Sua carreira como diretor começou nos anos 1980. Se não gerou absolutamente nenhum clássico, foi capaz de criar alguns filmes memoráveis e com personalidade, perdidos entre alguns facilmente esquecíveis e outros indiscutivelmente terríveis - como seus dois primeiros longas, "A Incrível Mulher Que Encolheu" e "Taxi Especial".
Schimacher sempre demonstrou talento para lidar com elencos jovens. Uma geração de futuros astros foi reunida em "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas", um filme ambicioso porém oco, que ganhou notoriedade pela batalha de sua estrela, Demi Moore, contra o vício em drogas durante as filmagens (ela recordou em seu Instagram o apoio constante do diretor durante o período).
Entre seus filmes mais ok estão duas parcerias esquecíveis com Julia Roberts (o suspense "Linha Mortal" e o dramalhão "Tudo por Amor") e o exagerado "O Fantasma da Ópera", adaptação do musical de Andrew Lloyd Webber. Já bobagens como "8MM", "Ninguém É Perfeito", "Em Má Companhia" e "Número 23" a gente pode deixar de lado.
"Batman Eternamente" e "Batman & Robin", entretanto, terminaram por motivos óbvios como seus filmes mais populares. Em busca de fugir da escuridão gótica das aventuras dirigidas por Tim Burton, o estúdio deu a Schumacher a tarefa de jogar cores no mundo do Cavaleiro das Trevas.
Não funcionou, e o diretor viu sua visão ceder ante a pressão de empresas de brinquedos e do departamento de marketing do estúdio. Fã do herói, com planos de adaptar a série de Frank Miller e David Mazzucchelli "Batman: Ano Um", Schumacher terminou por literalmente desculpar-se com os fãs por tê-los decepcionado. Humilde e honesto.
Por fim, talentoso! Nos cinco filmes a seguir, organizados por ordem de preferência, Joel Schumacher deu um vislumbre do grande diretor que poderia ter sido. São obras imperfeitas que, ainda assim, mostram um cineasta sem amarras, disposto a gerar beleza do caos. Ele pode não ter criado clássicos do cinema. Mas com certeza, e ao menos por uma vez, atingiu a perfeição.
5 - TEMPO DE MATAR
(A Time to Kill, 1996)
Dirigir um filme de tribunal deve ser como o próprio exame da OAB para cineastas americanos. Schumacher o fez duas vezes, ambas adaptando livros de John Grishham. Se "O Cliente" mostrou-se um drama de ação eficiente (que rendeu a Susan Sarandon uma indicação ao Oscar de melhor atriz em 1995), "Tempo de Matar" trouxe uma trama menos acelerada e mais pungente.
Matthew McConaughey é um advogado idealista que defende um homem (negro) de matar dois sujeitos (brancos) que estupraram sua filha. Samuel L. Jackson poucas vezes esteve tão intenso, Sandra Bullock poucas vezes esteve tão de enfeite. Uma frase resume o filme: "Imaginem que ela é uma menina branca".
4 - POR UM FIO
(Phone Booth, 2003)
O roteiro do veteraníssimo Larry Cohen, que chegou a ventilar a ideia para Alfred Hitchcock nos anos 60, passou pelas mãos de diretores como Mel Gibson e Michael Bay, e por astros como Tom Cruise, Mark Wahlberg e Will Smith antes de pousar nas mãos de Schumacher.
Ele escolheu o virtualmente desconhecido Colin Farrell como o sujeito que atende ao telefone em uma cabine pública e se vê na mira de um atirador profissional. Tenso de ponta a ponta, genuinamente surpreendente, "Por um Fio" mostra o quanto Schumacher podia ser um diretor preciso, econômico e eficiente.
3 - TIGERLAND - A CAMINHO DA GUERRA
(Tigerland, 2000)
Schumacher deu a Colin Farrell seu primeiro papel como protagonista neste drama que mostra soldados treinando nos Estados Unidos antes de ser despachados para a Guerra do Vietnã. Lançado timidamente em 2000, "Tigerland" retrata a devastação psicológica dos militares americanos antes mesmo de embarcar para a guerra.
Ambientado em 1971, quando o país nitidamente colecionava uma derrota fulminante no Vietnã, o filme não recua ao mostrar que os "defensores" da América eram jovens alienados, não raro violentos, a caminho de um conflito político inútil. O único que se mostra realmente são é Bozz (Farrell), indisciplinado e arredio, que usa o cinismo como única reação normal ante o caos. Um filmaço que merece, mesmo duas décadas depois de seu lançamento, ser redescoberto.
2 - OS GAROTOS PERDIDOS
(The Lost Boys, 1987)
Poucos filmes capturaram com tanta beleza e elegância o zeitgeist dos anos 1980 como essa "aventura cômica de terror" encabeçada por Jason Patric e Kiefer Sutherland. O primeiro se muda com a mãe solteira (Dianne Weist) e o irmão mais novo (Corey Haim) para uma cidadezinha litorânea na California. Não demora para eles descobrirem que o lugar é um ninho de vampiros.
É o ponto de partida para Schumacher desfilar cada uma de suas paixões, como HQs (dois moleques que caçam os desmortos são donos de uma loja de gibis), rock 'n' roll (a trilha é uma preciosidade) e vampiros (que o diretor considerava os "únicos monstros eróticos" do cinema). Levemente assustador e divertidíssimo, "Os Garotos Perdidos", assim como os companheiros de Peter Pan, não envelheceu um dia sequer desde seu lançamento. O tempo é o melhor crítico.
1 - UM DIA DE FÚRIA
(Falling Down, 1993)
Certa vez, conversando com o ator Vondie Curtis-Hall, perguntei por qual de seus personagens ele gostaria que o público lhe reconhecesse. "O homem não economicamente viável", respondeu sem hesitar. Sua participação em "Um Dia de Fúria" resume-se a poucos segundos e uma troca de olhar com D-Fens, papel de Michael Douglas neste que é, de longe, o melhor filme da carreira de Joel Schumacher. "Aquele filme nos entende, cara", continuou Curtis-Hall. "Entende o sistema, entende tudo que está errado e entende que, cedo ou tarde, alguém vai ceder à pressão."
É exatamente o que acontece com D-Fens, ou William Foster, ex-engenheiro, desempregado e divorciado, que tenta manter sua rotina numa Los Angeles caótica. Quando o ar condicionado de seu carro pifa no que deve ser o dia mais quente do milênio, ele decide abandonar o veículo e ir a pé para casa. No caminho, ele cruza com os seres humanos mais desagradáveis da cidade em uma espiral de burocracia, crime, insultos, falsa indulgência, elitismo, racismo e homofobia. E ele quebra.
A jornada de D-Fens (apelido por conta da placa de seu carro) não é diferente do caminho trilhado por Arthur Fleck em "Coringa". Schumacher, porém, sequer arrisca passar um verniz fantástico em sua fábula de caos urbano, e o realismo da "queda" do personagem de Michael Douglas é tradução exagerada, mas nada fantasiosa, da pressão constante que a vida urbana moderna exerce sobre o cidadão comum.
"Um Dia de Fúria" é um filme de ideias perigosas, salpicado de humor nervoso e conduzido por uma performance espetacular de Douglas. Ele, assim como Schumacher e seu filme brilhante, entende a todos nós: basta um dia ruim. É só o que basta.
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