'Ghost' 30 anos: O fenômeno que o cinema foi incapaz de reproduzir
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Quando "Ghost - Do Outro Lado da Vida" chegou aos cinemas ianques, em 13 de julho de 1990, entregou uma estreia modesta. Ficou em segundo lugar nas bilheterias (atrás de "Duro de Matar 2", em sua segunda semana) e parecia destinado a ser um hit apenas ok, abraçando unicamente seu suposto público-alvo de mulheres em busca de um filme romântico.
Mas as coisas não correram exatamente assim. Ao fim de 1990, o drama dirigido por Jerry Zucker acumulava inacreditáveis 505 milhões de dólares em sua conta, cravando na época a terceira maior bilheteria da história, atrás de "Star Wars" e "E.T.". Ninguém, nem produtores, nem executivos, nem analistas, souberam explicar a longevidade de "Ghost". Três décadas depois, o cinema mostra que ninguém também deu a mínima.
O barulho que "Ghost" fez na temporada de verão em 1990 foi ensurdecedor. Sua produtora, a Paramount, havia planejado seu hit com "Dias de Trovão", aventura em alta velocidade com Tom Cruise, repetindo a parceria com Tony Scott, seu diretor em "Top Gun".
Mas os números acumulados pelo romance sobrenatural com Patrick Swayze e Demi Moore eram mais e mais absurdos. Tão absurdos que o estúdio publicou um anúncio em jornais de todo o país com um número de telefone: "Se você assistiu a 'Ghost' mais de duas vezes, a Paramount quer conversar contigo". Absolutamente surreal!
Para refrescar a memória, "Ghost" conta a história de Sam (Swayze), bancário assassinado em um assalto, que volta como um fantasma (duh...) para salvar sua namorada, Molly (Moore). Ele conta com o apoio de uma médium, Oda Mae (Whoopi Goldberg), para resolver o mistério de sua morte. É bonitinho. É piegas. É redondo. E você vai chorar no fim.
Olhando friamente, o sucesso de "Ghost" não parece assim tão aleatório. É um filme capaz de saciar todos os gostos, com todo tipo de elemento narrativo para todo tipo de público, sem que nada entrasse em conflito. Tem terror sobrenatural (algumas cenas encostaram no limite de sua classificação indicativa para adolescentes). Tem comédia, representada pela performance que rendeu um Oscar a Whoopi Goldberg. Tem um mistério que amarra a coisa toda. Tem efeitos especiais bacanas. E tem, claro, o romance além da vida de seus protagonistas.
Patrick Swayze nunca se tornou um astro capaz de carregar grandes filmes. Hollywood nunca soube direito o que fazer com ele, e insistia em o colocar em filmes de ação, mesmo com Swayze acertando em cheio como galã romântico - "Dirty Dancing" havia passado o rodo nas bilheterias apenas três anos antes de "Ghost". Sua química com Demi Moore - que, vale lembrar, nunca foi grande atriz - criou conexão emocional imediata com o público.
E este público respondeu com força. Depois de sua estreia modesta, "Ghost" passou as nove semanas seguintes oscilando entre o primeiro e o segundo lugar nas bilheterias. Foram semanas transformadas em meses mantendo números sólidos. Os resultados continuavam impressionantes ainda em novembro, quando "Esqueceram de Mim", outro fenômeno do ano, chegou aos cinemas.
É verdade que 1990 foi um ano representado por surpresas, começando pelo sucesso do mega independente "As Tartarugas Ninja" em março. "Ghost" terminou na frente nas bilheterias globais, seguido de "Esqueceram de Mim" (476 milhões de dólares), "Uma Linda Mulher" (432 milhões) e "Dança com Lobos" (424 milhões).
O quinto lugar foi tomado por um blockbuster tradicional, "O Vingador do Futuro", que rendeu 261 milhões de dólares. Outras apostas "certeiras", como "De Volta Para o Futuro III", Dick Tracy" e "Caçada ao Outubro Vermelho" não chegaram perto do pódio. "Dias de Trovão"? Terminou na décima-terceira posição, com 157 milhões em caixa.
A lógica ditaria que a fórmula de "Ghost" apontaria o futuro de Hollywood na década que se iniciava. Afinal, a dobradinha com "Uma Linda Mulher" mostrou a força de romances impossíveis nas bilheterias. Mas não foi assim que a história foi escrita.
O cinemão apostou em propriedades intelectuais como "Batman", sucesso do ano anterior (ou "O Exterminador do Futuro 2", o campeão em 1991), para ditar o futuro de seus investimentos. Até hoje os estúdios insistem no blockbuster com tentáculos enraizados em outros quintais da cultura pop.
A história, porém, também prova outra coisa. O público é igualmente ávido por um bom romance, capaz de conectar emoções comuns a plateias de todo o planeta, e filmes que apostam nessa equação raramente passam batido - e raramente são planejados como candidato a arrasa quarteirão.
Foi assim com "Casamento Grego" (374 milhões de dólares em 2002). E também com "Mamma Mia!" (615 milhões em 2008). Ou com o recente "Pobres de Ricos" (240 milhões em 2018). Ah, e o público também lotou os cinemas para acompanhar uma história de amor trágica em 1997, quando "Titanic" faturou (ainda) inacreditáveis 1.8 bilhão de dólares.
Hollywood não aprendeu (ou não quis aprender) com o sucesso de "Ghost". Três décadas depois de chegar ao cinema, o filme deixou marcas pouco visíveis na cultura pop. Sim, a cena em que Swayze e Demi se lambuzam ao tentar fazer um vaso de cerâmica, embalados pelos Righteous Brothers com "Unchained Melody", ainda é um dos momentos icônicos do cinema moderno.
Como produto, porém, "Ghost" é inerte. Não rendeu uma fileira de imitadores tentando morder uma fração de sua bilheteria. Nunca teve uma continuação cogitada. Indo na contramão de seus pares no olimpo dos campeões de bilheteria, nunca teve um grande relançamento. E, ao contrário de "Titanic" ou "Uma Linda Mulher", não inspirou uma coleção de Funko Pop.
Revi "Ghost" essa semana. O filme envelheceu bem, e três décadas depois continua um exemplar decente do cinemão-pipoca. Mesmo que sua indicação ao Oscar de melhor filme tenha sido exagero - além de Whoopi, o roteirista Bruce Joel Rubin levou a estatueta por seu script. Decodificar seu sucesso, porém, ainda é complicado. As variáveis estão ali, mas não existe fórmula para organizar o fenômeno de forma lógica.
Talvez seja por isso que o cinemão tenha deixado "Ghost" de lado, vitorioso em sua singularidade. Um blockbuster que se recusou a seguir as "regras" de um blockbuster. Arrisco uma alternativa aqui: Entre tantos super-heróis extravagantes, viagens fantásticas e universos compartilhados, o que o povo gosta mesmo é de chorar no cinema. E de acompanhar a fantasia de um grande amor.
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