Por que o Batman inspira o melhor e o pior dos universos DC no cinema
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É engraçado quando alguém pergunta o motivo de o Batman encabeçar mais um reboot cinematográfico, praticamente entrelaçado a outras encarnações do herói. Como propriedade intelectual mais valiosa da DC Comics, o Homem-Morcego naturalmente comanda a atenção e entrega um elemento familiar a quem encara qualquer produção da casa.
Isso não podia ter ficado mais evidente do que ao longo do mega evento DC Fandome, em que a editora, parte de um conglomerado gigantesco de mídia, celebrou seu presente e apontou seu futuro, ainda fazendo de conta que os gibis, origem de todo esse movimento, existem apenas como um detalhe incômodo.
Claro que os produtos apresentados trazem outros heróis à frente, mas de uma forma ou de outra ainda habitam a sombra do morcego. Foram painéis, trailers, artes conceituais e celebridades fazendo o tempo passar enquanto a vida não volta ao normal.
Alguns produtos são promissores. O diretor James Gunn, por exemplo, revelou o que seu elenco fará em "The Suicide Squad", continuação distante do fiasco "Esquadrão Suicida", e deu uma pista de como seu humor anárquico e sua irreverência fazem um bem danado ao universo DC, que muitos fãs com boletos a pagar insistem em ser "sombrio e adulto". O Pacificador discorda.
Já a prévia de "Mulher-Maravilha 1984" habita em algum lugar tomado pela preguiça. Confio no talento de Patty Jenkins, que depois do primeiro filme ganhou moral para tocar o terror com um mínimo de interferência corporativa. Mas essa segunda incursão de Gal Gadot como a amazona no mundo do patriarcado precisa ir além do "ok" para superar a inercia. A coadjuvante de "Cats" perdida em meio ao trailer não ajuda.
"Adão Negro" e "Shazam: A Fúria dos Deuses" prometem mais personagens, mais mergulhos no catálogo da DC para rechear aventuras que, no momento, parecem tão distantes. Ou seja, Dwayne Johnson, Zachary Levy e cia. Deram as caras para dizer que também fazem parte da brincadeira, mas que é cedo para entrar no jogo.
O que nos leva ao astro deste universo, o Batman.
Sempre que o personagem criado por Bob Kane e Bill Finger sai das páginas dos quadrinhos para enfeitar as telas do cinema, é um acontecimento. Foi assim com o fenômeno "Batman", de 1989. Foi assim com a trilogia "O Cavaleiro das Trevas" de Christopher Nolan. E, vá lá, foi assim quando Ben Affleck foi anunciado como intérprete do herói em sua encarnação mais recente.
Mais uma vez, três produtos com a marca do Homem-Morcego foram o centro do evento - mesmo que por motivos distintos. Um a um, eles mostram o quanto o personagem é, ao mesmo tempo, importante e problemático para a DC no cinema. Explico.
TUDO QUE É VELHO TORNA-SE NOVO
Existe algo curioso quando um filme ruim lançado há três anos é vendido como um grande evento. Mas "Liga da Justiça: Snyder Cut" tornou-se um grande trunfo para a plataforma de streaming HBO Max. Por um motivo simples: eles estão investindo US$ 30 milhões, o preço de um filme modesto, em um evento de quatro horas de duração e de marketing espontâneo infinito.
Pois é. "Liga da Justiça", que mal bateu em duas horas de projeção quando chegou aos cinemas, agora é um colosso de quatro horas. Ou seja, não faltava material nos arquivos do diretor Zack Snyder, que retomou seu rebento depois que viu sua... errr... "visão" comprometida no longa finalizado por Joss Whedon (Snyder se afastou depois de uma tragédia pessoal).
O primeiro trailer dessa nova versão aterrissou durante do DC Fandome e não impressionou (por sinal, por que ele está no formato para imagem de televisão de tubo?). Ao som de "Hallelujah", canção de Leonard Cohen que ele usara em uma sequência de seu "Watchmen", Snyder fez de tudo para garantir que essa nova versão é nova. Mas ele não pode fazer isso, porque ela não é.
"Liga da Justiça" em sua nova encarnação deve recuperar algumas ideias de Snyder, recuperando material descartado por Whedon. Mas a não ser que ele tenha rodado algo novo (o que não aconteceu), veremos o mesmo filme com algumas cenas-bônus, como a inclusão do vilão Darkseid (o que dificilmente deve impactar a trama) e um arco dramático mais completo para o Cyborg (porque é exatamente isso que o mundo clama... certo?).
"Liga da Justiça" foi a terceira vez que vimos Ben Affleck como Batman. Depois do absurdo "Batman vs. Superman", e de uma ponta decente no indecente "Esquadrão Suicida", o herói voltou como líder relutante e como personagem confuso. A apatia de Affleck só refletiu o texto em suas mãos, que em um momento encara o Superman como ameaça e, dois segundos depois, enxerga o Homem de Aço como um farol de esperança. Decida-se, homem!
Zack Snyder, por sua vez, não sai do twitter para defender sua cria. Quando o trailer vazou antes do evento, e foi enxovalhado por um crítico, o diretor foi puxar sua orelha e dizer que sua visão não é "a de quem assiste a desenhos animados na TV, e sim algo para adultos". Sério. "Liga da Justiça". Para adultos. O tempo passa e ele continua sem entender os personagens que teve o privilégio de colocar as mãos. Mas o ego vai bem, obrigado.
UM UNIVERSO, MAIS UNIVERSOS... UM MULTIVERSO?
Anunciado no que parece ter sido uma geração atrás, o Flash, versão Ezra Miller, finalmente verá seu filme sair do papel. Bom, "seu filme" é um certo exagero. O título é dele, mas a atenção sem dúvida estará no desfile de Batmen em cena.
"The Flash", a ser dirigido por Andy Muschietti ("It - A Coisa"), é inspirado na série de quadrinhos "Ponto de Ignição", que vê Barry Allen (Miller) usar sua super velocidade para viajar no tempo e impedir o assassinato de sua mãe. Mas Marty McFly ensinou que mexer em linhas temporais pode dar zica, e uma realidade paralela descortina-se ante o herói.
Para ajudá-lo em sua jornada, foi convocado Michael Keaton, que reassume o papel do Batman anos depois de ter originado a nova era dos super-heróis no cinema com "Batman" e "Batman - O Retorno". Essa justaposição entre o velho e o novo pode funcionar tanto como narrativa cinematográfica como também metalinguagem, já que termina um comentário sobre as várias versões do heroi no cinema.
O que já era curioso ganhou um "como é?" há alguns dias quando o estúdio anunciou que Ben Affleck também fará parte do filme, reprisando o papel de um Cavaleiro das Trevas familiar com o velocista defendido por Ezra Miller. Ironicamente, quando é usado assim o Batman se torna um "coringa" para a DC no cinema. O Homem de Ferro deste universo.
Ou melhor, deste multiverso. Esse conceito demorou décadas para ser assimilado nos quadrinhos, mas hoje ele é parte de seu tecido criativo. Se o público do cinema vai ou não embarcar na viagem, sem se confundir com tanto Batman em cena, fica a dúvida.
O que é certo é que "The Flash" vai alterar ainda mais as ideias do "visionário" Zack Snyder: a primeira coisa revelada durante o DC Fandome é que o herói vai ganhar um novo uniforme. A julgar pela arte conceitual, será algo mais adequado a um ser superveloz, fugindo do traje desengonçado de "Liga da Justiça". James Wan já havia dado uma banana a alguns de seus conceitos e fez seu "Aquaman" longe das ideias de Snyder. É tendência...
O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE
Eu lembro quando o trailer de "Batman" chegou aos cinemas em 1989. Cheguei a entrar em sessões aleatórias só para ver repetidamente a prévia de um de meus personagens favoritos de todos os tempos em tela grande. Quando Christopher Nolan revelou sua visão para o herói com as primeiras imagens de "Batman Begins", lá estava eu, empolgado mais uma vez.
Vai saber qual o fascínio que o Homem-Morcego exerce. Mas ao ver o teaser de "The Batman" (que aqui será simplesmente "Batman"), montado pelo diretor Matt Reeves ao som de "Something in the Way", do Nirvana, lembrei porque o cinema pop consegue ser tão empolgante.
Cinema é tom. É intenção. Não adianta Zack Snyder (sempre ele) berrar que faz "filmes para adultos" quando o resultado são aventuras infanto juvenis como "Batman Vs. Superman". Não, deixa eu melhorar a frase: ele faz filmes com a visão de um adolescente de 12 anos teria sobre o que é uma história "adulta, sombria e realista". Não é. Nunca foi.
Matt Reeves, por sua vez, mostra aqui que entende do riscado. Vale lembrar que "The Batman" não tem mais de 25 por cento de sua produção rodada, o que mostra o poder da história, que forneceu material para um teaser de mais de dois minutos coerente, com intenção bem clara.
Intenção, meus caros, é tudo. Filme e tom e narrativa, é saber que história será contada e para qual público. "The Batman" surge como um mistério, a caça a um serial killer, um filme de pavor urbano, de uma cidade encurralada, e que entra em seu segundo ano lidando com um vigilante violento e implacável, que mói bandidos com os punhos antes de jogar um "Eu sou a vingança".
Tim Burton entendeu o Batman como uma fantasia gótica. Christopher Nolan entendeu o Batman como uma ilha racional em um mundo anárquico. Matt Reeves parece trazer um Batman ainda jovem, capaz de errar muito, obrigado a lidar com as consequências de seus erros. Ele faz, de fato, filmes para adultos.
Por isso a escolha de Robert Pattinson é tão perfeita. Ele é jovem, mas traz um ar de perigo no olhar, uma certa imprudência trazida com o excesso de confiança, que agora, depois de seu primeiro ano patrulhando fantasiado as ruas de Gotham, começa a mostrar suas consequências.
Ela deve ser materializada na "origem" de três outros personagens: a Mulher-Gato (Zöe Kravitz), o Pinguim (Colin Farrell, que eu ainda não consigo enxergar em sua maquiagem perfeita), e o Charada (Paul Dano), o serial killer que vai fazer o Batman usar habilidades dedutivas que vão além dos punhos.
Sim, eu pesquei tudo isso de um teaser. Ainda falta mais de um ano para "The Batman" estrear, e confesso que mal posso esperar. Quando artistas erram com o Batman, a coisa fica feia - só lembrar de "Batman & Robin", "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" e "Batman vs. Superman". Quando acertam, porém, não há outro herói dos gibis que chegue perto. Nenhum.
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