'Goldfinger': Como Sean Connery definiu o herói do cinema de ação moderno
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É preciso um ídolo para criar outro. Sean Connery não era exatamente um nome conhecido quando deu vida ao espião James Bond em 1962 com "007 Contra o Satânico Dr. No". Mas logo ficou claro que o ator, morto na manhã de hoje aos 90 anos, não se intimidara com a tarefa. Sua mistura de charme, carisma e talento não só foram fundamentais para materializar a criação do escritor Ian Fleming, como também impediram que Connery ficasse amarrado ao personagem.
Foi há pouco mais de três meses que eu lembrei-me dos grandes filmes de Connery além de Bond, justamente na ocasião de seu aniversário de 90 anos. Mas é inegável que seu trabalho como 007 não só deu um norte para toda sua carreira, como também determinou o que seria o herói do cinema de ação moderno, uma base sólida seguida praticamente por todo ator que se arriscou no gênero.
Certa vez eu disse que foi Roger Moore o Bond que marcou a minha geração. Era ele quem estava em cartaz nos cinemas como 007 quando eu era moleque. Mas foi Connery quem encabeçou meu filme favorito de toda a série, a aventura que também ditaria os rumos dos heróis maiores que a vida na tela grande: "007 Contra Goldfinger".
Lançado em 1964, o filme de Guy Hamiton foi o terceiro de Connery como Bond. Foi aqui também que ele acertou em definitivo sua interpretação do espião, um equilíbrio de humor e ironia, perigo e poder de sedução. Tudo embalado por uma estrutura narrativa desenhada para 007, já um sucesso na Inglaterra, pudesse conquistar o mercado americano. Tinha romance, um vilão grandiloquente, cenas de ação grandiosas e coadjuvantes marcantes - tudo a serviço de seu astro. Era a criação de uma fórmula espelhada no cinema de gênero até hoje.
O sucesso de "Goldfinger" abalou Connery. Ao contrário de Bond, o ator era reservado, não muito afeito à sedução dos holofotes. Depois de dois outros filmes, "007 Contra a Chantagem Atômica" e "Com 007 Só se Vive Duas Vezes", ele decidiu se afastar do personagem, criando um vácuo que dificilmente seria preenchido.
E foi com um caminhão de dinheiro que os produtores da série o convenceram a uma última rodada como Bond depois de uma substituição malfadada pelo desconhecido George Lazenby em "007 A Serviço Secreto de Sua Majestade". Com uma peruca que mal disfarçava sua calvície, Connery conduziu "Os Diamantes São Eternos" no piloto automático antes de passar o bastão para Roger Moore.
Ao longo da década de 1970 e além, Sean Connery experimentou gêneros diferentes para descolar sua imagem de Bond. Usou um traje futurista esquisitíssimo em "Zardoz". Encabeçou outros sucessos de bilheteria ("Assassinato no Expresso do Oriente"), encarou personagens que desafiavam o conceito de herói ("O Homem Que Queria Ser Rei"), abraçou até a cafonice do cinema catástrofe da época ("Meteoro").
A sombra de Bond, porém, sempre estava lá. E Connery finalmente fez as pazes com o personagem que lhe abriu as portas do mundo em 1983, quando protagonizou um filme "não oficial" da série, o acelerado "Nunca Mais Outra Vez".
Rodado usando uma brecha contratual pelo produtor Kevin McClory, co-autor da trama de "007 Contra a Chantagem Atômica", o filme trouxe o astro peitando seus antigos chefes, que seguiam com Moore na série "principal", claramente se divertindo com a aventura.
Foi o que bastou para Connery entrar na fase mais eclética e bem-sucedida de sua carreira, marcada pelo Oscar de melhor ator coadjuvante por seu trabalho em "Os Intocáveis", de 1987. O astro então assumiu em definitivo seu lugar no panteão dos grandes ídolos do cinema, encarando o blockbuster moderno ("Indiana Jones e a Última Cruzada", "A Caçada ao Outubro Vermelho", "A Rocha").
O novo século já encontrou um Sean Connery certo que sua missão fora cumprida. Em 2003, depois de recusar papéis em candidatos a blockbuster como "O Senhor dos Anéis" e as continuações de "Matrix", o ator voltou ao jogo no preguiçoso "A Liga Extraordinária". Os bastidores atribulados soaram o alarme que apontou o fim de sua carreira. O cinema deu lugar ao golfe e a tranquilidade nas Bahamas.
Ainda assim, James Bond bateria à sua porta uma última vez. Foi em 2005, quando os produtores de uma versão para videogames de "Moscou Contra 007" fizeram o convite para que ele emprestasse sua voz mais uma vez para o espião que uma vez definiu sua carreira.
Foi uma despedida elegante e em grande estilo, em que Sean Connery lembrou ao mundo que, por mais imortal que um personagem da ficção pudesse ser, ele precisava de uma âncora com charme, carisma e talento para ser real. Agora o astro, finalmente, deixa este plano para se tornar, ele também, maior do que a vida.
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