Filmes, séries, games, quadrinhos: O melhor do mundo pop em 2020
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2020 foi um ano terrível que não vai deixar saudades. A pandemia do coronavírus virou o mundo ao avesso, alterando o tecido social e econômico do planeta, situação potencializada no Brasil com o total descaso governamental. Se houve uma coisa que ajudou a manter a sanidade nos últimos meses, foi a arte.
Não digo o cinema, mas a arte! Fechadas no começo da quarentena, e reabertas posteriormente com operação severamente reduzida, as salas de exibição testemunharam o êxodo compreensível do público. Candidatos a blockbuster tiveram suas datas alteradas, para por fim serem empurradas para 2021 e além. Quem se arriscou em um lançamento global viu números nas bilheterias que só fariam bonito nos anos 1990.
Ainda assim, a arte respira. O streaming disparou. Filmes e séries produzidos para plataformas como Netflix e Amazon Prime tornaram-se o centro das discussões no mundo pop. Jogamos mais videogames. Lemos mais. Ouvimos mais música. Artistas deixaram a necessidade de ficar em casa mais tolerável - como disse um amigo, lembre-se disso ao escolher representantes políticos que demonizam a cultura.
FICANDO EM CASA
Em vez de apostar em minha tradicional lista de melhores filmes do ano, preferi organizar as ideias em momentos que se destacaram ao longo do ano. Filmes como "Nomadland", "Minari" e "First Cow", não lançados em circuito comercial, mas que fizeram burburinho em festivais e lançamentos longe do Brasil, entrarão em pauta quando confirmados por aqui.
"Ficar em casa" foi um de meus exercícios essenciais em 2020. Parte do meu trabalho foi justamente observar as mudanças no mercado pop e em seus desdobramentos. 2021 começa cheio de desafios e incertezas. Ainda não é seguro sair de casa, e para uma doença para a qual não existem remédios (nem "tratamento preventivo", quem caiu nessa pode comprar uma ponte), a melhor solução ainda é usar máscara e manter o distanciamento social.
Foi em casa, portanto, que eu organizei meus melhores momentos do mundo pop em 2020. Aguardo ansioso o momento em que eu possa retomar a rotina de compartilhar a experiência coletiva que é, por exemplo, curtir um filme no cinema. Enquanto esse momento não chega, seguimos firmes!
"MANK" É O MELHOR FILME DO ANO!
Antes de a pandemia alterar os hábitos de todo o planeta, o cinema seguia uma jornada tímida - normal no começo de cada ano. Ainda assim, "O Homem Invisível" foi uma boa surpresa ao reinterpretar um dos monstros clássicos da Universal. Em casa, entretanto, foi onde o streaming trouxe verdadeiras pérolas, filmes originais que elevaram a qualidade das plataformas.
Foi o caso de "O Som do Silêncio", drama disponível na Amazon com Riz Ahmed em interpretação sublime. Vale o mesmo para o terror "A Vastidão da Noite" (também na Amazon), provando que boas ideias sempre superam grandes orçamentos. Na Netflix, o excepcional "O Que Ficou Para Trás" trouxe uma variação excepcional da casa mal-assombrada.
Mas nenhum filme mostrou-se tão sublime quanto "Mank". Nas mãos de David Fincher, o que seria uma observação sobre os mecanismos que levaram à criação do clássico "Cidadão Kane" torna-se muito mais. É a radiografia de um homem, o roteirista Herman Mankiewicz, buscando ressignificar sua própria história.
Ao mesmo tempo, retrata uma época de mudanças profundas em Hollywood (e também nos Estados Unidos) que terminam como um paralelo inesperado acerca do mundo de hoje. "Mank" é um filme brilhante, uma obra reveladora que respeita a história do cinema, refletindo nela a história de todos nós. Fincher, longe da direção de longas desde "Garota Exemplar", é uma voz que faz falta.
"PARASITA" FAZ HISTÓRIA E VENCE O OSCAR DE MELHOR FILME
Parece que faz uma eternidade que "Parasita" fez história ao conquistar o Oscar de melhor filme na cerimônia de 2020. Pois é: há menos de um ano o filme de Bong Joon-Ho consagrou-se como o primeiro título estrangeiro a garfar a estatueta principal na festa da Academia.
Desde então, a pandemia alterou totalmente o panorama do cinema mundial, e o Oscar também experimentou mudanças. Com tantos títulos adiados, a cerimônia pisou no freio para ser realizada no próximo dia 25 de abril, com os candidatos ao prêmio chegando aos cinemas até 28 de fevereiro. Até lá, "Parasita" continua dono da coroa.
A JORNADA EMOCIONANTE DE "THE LAST OF US PART II"
Video games se tornaram narrativas mais sofisticadas há alguns anos, acompanhando sua evolução tecnológica e gráfica. Mas enquanto muitos jogos ainda patinam para criar uma trama envolvente o bastante (tipo o confuso "Death Stranding"), a segunda parte de "The Last of Us" entregou o game perfeito.
O motivo é simples: tudo parte de seus personagens. O primeiro jogo, lançado em 2013, acompanhou a jornada de um homem e uma adolescente em uma América pós apocalíptica, em que a civilização tenta se reconstruir após ser devastada por um fungo que transformou boa parte dos humanos em zumbis assassinos.
A sequência aumenta os riscos e traz protagonistas habitando uma imensa área cinzenta, em uma história sem heróis ou vilões, apenas sobreviventes com diferentes tragédias e pontos de vista. É um primor visual, emoldurado por um texto denso, cheio de camadas e conflitos. "The Last of Us Part II" traz uma única tristeza: ele termina.
"COBRA KAI" LIDERA O ANO EM QUE A NOSTALGIA DEU MUITO CERTO
Nostalgia vende. Mas poucas vezes ela é embalada de maneira tão saborosa como em "Cobra Kai". A série retoma a narrativa do drama adolescente "Karatê Kid - A Hora da Verdade", lançado em 1984 e que gerou uma série discreta nos anos 1980. Quando ninguém esperava, eis que o YouTube ressuscitou a premissa e recuperou seus protagonistas, Ralph Macchio e William Zabka.
Lançada com pouca fanfarra em 2018, a série virou fenômeno global quando a Netflix comprou suas duas temporadas no ano seguinte, fazendo com que o mundo (re)descobrisse a rivalidade entre Daniel LaRusso e Johnny Lawrence. A adição de um elenco jovem entre os atores veteranos trouxe a conexão para a nova geração, e "Cobra Kai" passou 2020 angariando novos fãs com sua mistura de drama adolescente e caratê censura livre. A terceira temporada chegou com o novo ano, dando esperança a 2021.
NASCE UMA.... RAINHA: ANYA TAYLOR-JOY EM "O GAMBITO DA RAINHA"
Anya Taylor-Joy sempre teve aquela qualidade a mais, o brilho que separa as boas atrizes das grandes estrelas. Já era impossível tirar os olhos dela quando estreou no monumental "A Bruxa". Depois ela foi a conexão humana em "Fragmentado", ao lado de James McAvoy, repetindo a mesma intensidade em "Vidro".
Depois de uma participação na quinta temporada de "Peaky Blinders", Anya entrou em 2020 com "Emma.", que ainda chegou aos cinemas antes da paralisação da indústria causada pela pandemia. Em "Os Novos Mutantes", destacou-se em um elenco hermético de um filme que quase ficou perdido nos cofres da Fox.
"O Gambito da Rainha" foi outra história. A minissérie de Scott Frank, um projeto que levou décadas para sair da gaveta, encontrou em Anya a protagonista perfeita, emprestando uma mistura de curiosidade e superioridade, de frieza e fragilidade, que fizeram de sua Beth Harmon, órfã que se torna campeã de xadrez, uma das personagens mais bem-sucedidas do ano.
Não é exagero dizer que "O Gambito da Rainha" foi um dos grandes momentos do streaming em 2020, inclusive disparando o interesse do público por xadrez! Agora esperamos os próximos passos de Anya Taylor-Joy, que volta esse ano sob direção de Edgar Wright em "Last Night in Soho". Depois ela volta a ser dirigida por Robert Eggers em "The Northman", e finalmente assume o papel que foi de Charlize Theron em "Furiosa", sob o comando do mestre George Miller.
"BACURAU" TORNA-SE A CARA DO CINEMA BRASILEIRO NO MUNDO
"Bacurau", western gonzo dos diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, chegou aos cinemas em 2019 e teve carreira estelar. Ainda assim, não foi escolhido como representante do Brasil no Oscar - a vaga ficou com "A Vida Invisível", que não chegou à lista dos pré-indicados. Vida que segue.
Então algo curioso aconteceu. Distribuido nos Estados Unidos, "Bacurau" chamou a atenção dos cinéfilos que buscavam histórias com novos pontos de vista. A história da cidade riscada do mapa, mas que resiste às forças que buscam sua erradicação, encontrou um espelho no "novo normal" da pandemia. O burburinho foi grande. O filme pegou tração.
Com as cortinas se fechando para 2020, "Bacurau" terminou na lista de melhores filmes do ano de dúzias de publicações. Hoje mesmo, antes de terminar esse texto, conversei com um amigo de Los Angeles, produtor de alguns filmes da Marvel pré-MCU, totalmente encantado com o filme de Kléber e Juliano, que ele assistira na noite anterior. Ao lado de "Cidade de Deus", "Bacurau" é hoje sinônimo de Brasil para o cinema mundial. Suas asas são longas...
"SOUL" CONDENSA O SENTIDO DA VIDA EM UM GOLAÇO DA PIXAR
Existe uma discussão boba sobre "Soul" ser ou não um "filme para crianças". Boba porque é óbvio que a mais nova produção da Pixar fala também para a petizada. Como todo bom filme, porém, desperta outros questionamentos e uma outra visão para os adultos. É uma experiência completa, que pulou seu lançamento nos cinemas para estrear na plataforma Disney+.
É uma pena, claro, já que as ideias do diretor Pete Docter ("Up", "Divertida Mente") mereciam o canvas gigantesco de uma sala de cinema. Mais importante, porém, foi a oportunidade de assistir a "Soul" como um presentaço de Natal. Um filme cuja complexidade só encontra paralelo em sua sensibilidade. Depois do quadradão "Dois Irmãos", foi um retorno e tanto para o estúdio.
Docter merece o crédito ao criar em animação uma discussão filosófica sobre o propósito da existência humana. Tudo concentrado na jornada de Joe (Jamie Foxx), músico de jazz que finalmente acredita ter chegado o "seu momento" para triunfar como músico. Empolgado, ele cai num bueiro e sua alma vai para o além vida.
Inconformado, ele termina no lugar onde almas são preparadas para nascer na Terra, um mundo de abstrações em que ganhamos nossa "personalidade". A partir daí "Soul" fica ainda mais complexo e empolgante, trocando os elementos fofinhos tão comuns em animações por personagens e questionamentos adultos.
Mas as crianças acompanham sem problemas. O bacana de "Soul" é levantar temas que são percebidos de forma diferente pelos baixinhos. Mais bacana ainda é Pete Docter e seu time terem sensibilidade em confiar em seu público e usar essa confiança para contar a história da melhor forma, sem concessões. "Soul" é um triunfo. Para todas as idades.
"CONAN, O BÁRBARO" INAUGURA OS TIJOLÕES EM QUADRINHOS NO BRASIL
O mercado de quadrinhos foi agitado em 2020. Apesar da pandemia, editoras grandes e independentes ajustaram suas agendas e, aos poucos, colocaram títulos de diversos gêneros no mercado. Entre novidades e relançamentos, selos como Pipoca & Nanquim, Mino, Veneta e Comix Zone trouxeram variedade para as livrarias - que, obviamente, cresceram no comércio online.
Mesmo com tanta coisa nova, o que mais encheu os olhos foi uma dose pesada de nostalgia. "Conan, O Bárbaro Omnibus" é um colosso de quase 800 páginas, um calhamaço que reúne mais de trinta edições que a Marvel publicou do personagem de Robert E. Howard nos anos 1970. Trazendo a fase inicial de Roy Thomas e Barry Windsor Smith, é o melhor exemplar do gênero espada e feitiçaria, compilado no tipo de publicação que, até então, só existia na gringa. O melhor: É o primeiro de muitos!
"STAR WARS" RECUPERA SEU TRONO NA CULTURA POP COM "THE MANDALORIAN"
O final da segunda temporada de "The Mandalorian", série capitaneada por Jon Favreau e Dave Filoni, deixou muito fã de "Star Wars" com os olhos marejados. Foi um grito coletivo que estava entalado na garganta desde que a LucasFilm, produtora da série, foi encampada pela Disney. "Star Wars", finalmente, estava a salvo.
É uma bobagem, claro. A saga espacial demorou mas engrenou na Casa do Mickey, o que não significa que os fãs mais radicais tenham razão. "O Despertar da Força" e "Os Últimos Jedi" foram filmes que alavancaram a jornada da família Skywalker no cinema. "Rogue One" mostrou a força da expansão desse universo. Os soluços causados por "Han Solo" e, principalmente, por "A Ascensão Skywalker" não tiram o brilho da retomada da série.
"The Mandalorian", porém, apresentou uma alternativa. A série protagonizada por Pedro Pascal como um guerreiro solitário, um estranho sem nome em um western cósmico, desviou dos "grandes temas" associados historicamente a "Star Wars" e construiu seu cantinho, misturando novos mundos e personagens com alguns já estabelecidos, mesmo que pouco conhecidos, nesse mesmo universo.
O resultado foi unânime entre devotos e neófitos, reacendendo a chama de "Star Wars" com uma nova estrutura narrativa proporcionada pelo Disney+. Foi o respiro que a série precisava para reconquistar sua posição como propriedade intelectual mais poderosa da cultura pop. Consolidada com a visão emblemática de um sabre de luz esverdeado. O futuro nunca pareceu tão promissor!
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