Devotada à nostalgia, 'WandaVision' é um recomeço sensacional para a Marvel
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"WandaVision" é uma série muito estranha. O retorno da Marvel ao holofote da cultura pop é totalmente diferente do que se espera de uma "série de super-heróis", mas sua imprevisibilidade é equilibrada por sua total devoção à nostalgia. É engraçada e incomum, é empolgante e cercada de mistério. É perfeita para esse momento tão esquisito. É muito estranha... E não podia ser diferente.
Até porque a pandemia mudou tudo. Hábitos foram repensados. Em meio às tragédias do mundo real, a maneira de consumir entretenimento foi alterada. O cinema foi para o escanteio, o streaming é o novo rei. "WandaVision", antes parte da engrenagem da nova fase da Marvel, terminou como primeiro "produto" do universo pós "Vingadores: Ultimato" e "Homem-Aranha: Longe de Casa".
Depois de um ano sem nada do estúdio no mercado (não estou contando "Novos Mutantes" por motivos óbvios), parece lógico que uma retomada fosse um produto para a TV e sobre a TV. Mais do que um novo e ambicioso ponto de partida, "WandaVision" é uma correção de curso.
Até porque seria bobagem tentar igualar-se em escala a "Ultimato". A essa altura, o produtor Kevin Feige entende muito bem não só o universo que ajudou a transformar na marca mais bem-sucedida do cinema moderno, como também entender como falar com seu público. A intensidade pede um respiro para recarregar as baterias.
Nesse sentido, "WandaVision" é um risco calculado. A série não entrega nem de longe o tipo de ação empolgante que associamos à marca Marvel. Nos três episódios que pude assistir antes de sua estreia amanhã (serão nove no total), o que temos é uma homenagem farsesca às comédias que ajudaram a desenhar a história da TV americana.
Claro que o diretor Matt Shakman, capitão da série ao lado da roteirista e produtora Jac Schaeffer, não estão zerando a cronologia. Tudo em "WandaVision" é consequência de eventos mostrados ao longo do universo cinematográfico Marvel. Mistério, porém, é a chave.
Para refrescar a memória, o sintozoide Visão, criado pela inteligência artificial Ultron em "Vingadores: Era de Ultron", aos poucos se aproximou de Wanda Maximoff, que demonstrou desde seu surgimento poderes associado à telepatia e telecinesia.
Em "Guerra Infinita", porém, Visão foi "morto" pelo titã louco Thanos, que arrancou de sua testa a Joia da Mente, artefato que ajudou a animar seu corpo sintético. "Ultimato" terminou com Wanda lamentando a perda de seu estranho amor, mas conformada com seu sacrifício.
"WandaVision" não traz lembranças imediatas de nada disso. Wanda e Visão são reintroduzidos juntos, casados e vivendo idilicamente num subúrbio retirado de alguma sitcom dos anos 1950. Na verdade, é literalmente isso: toda a estrutura do episódio espelha o humor maluco de "I Love Lucy". A aventura seguinte traz a estranheza de "A Feiticeira" nos anos 1960, e o terceiro capítulo, ambientado na década seguinte, não economiza na estética de "A Família Sol-La-Si-Dó".
Essa recriação, porém, esconde um monitoramento que deve ser revelado nos episódios seguintes. O objetivo, afinal, não é fazer de "WandaVision" uma paródia/homenagem de clássicos televisivos com a estampa dos heróis Marvel, e sim usar essa familiaridade na narrativa. É como "O Show de Truman", só que anabolizado por superpoderes.
Os primeiros episódios de "WandaVision" servem não só para apresentar esse novo mundo, mas também para sugerir um ambiente controlado, no qual Wanda possa ser monitorada. Ela é, afinal, um dos personagens mais poderosos da Marvel, que só não derrotou Thanos sozinha em "Ultimato" por conta de um ardil estratégico do vilão. Colocar o Visão a seu lado pode ser a melhor forma de consolidar esse controle. A pergunta que será respondida ao longo das próximas semanas é: quem está segurando os fios das marionetes?
Se a máquina surge bem azeitada, o crédito vai fácil para Elizabeth Olsen e Paul Bettany. Salvo raros momentos, seus personagens nunca tiveram o holofote em si - as aventuras dos Vingadores, afinal, foram erguidas em torno do trio Capitão América, Homem de Ferro e Thor.
A chance de dar o passo à frente, porém, parece ter energizado a dupla. Bettany, que provavelmente jamais sonhou ter uma carreira tão elástica na Marvel, mesmo estando em cena desde o começo - de "Homem de Ferro" a "Era de "Ultron", ele emprestava tão somente sua voz à inteligência artificial Jarvis - mostra um insuspeito talento cômico.
É a escada perfeita para Elizabeth Olsen, exagerada quando "entra" nas sitcoms que forram o roteiro, mas sutilmente assustadora nos momentos em que percebe que a realidade é uma construção. Colocar veteranas da TV como Kathryn Hahn e Debra Jo Rupp para ancorá-la À situação é tão divertido quanto brilhante.
O universo Marvel ainda se mostrará mais presente, já que Kat Dennings (Darcy, parceira de Natalie Portman em dois "Thor") e Randall Park (o agente Jimmy Woo, de "Homem-Formiga e a Vespa") ainda não deram as caras. Mais interessante ainda é Teyonah Parris, que interpreta Monica Rambeau - personagem que era uma criança em "Capitã Marvel", agora uma agente da S.W.O.R.D. (nos quadrinhos uma agência que monitora atividade alienígena) inserida neste mundo artificial.
Cada episódio de "WandaVision" vem coalhado de easter eggs do universo Marvel. Mas é bobagem perder tempo analisando cada artefato e cada referência (os "comerciais" que entrecortam os episódios trazem produtos Stark e da Hydra). O mais saboroso nessa retomada é acompanhar a narrativa tão familiar como comédia e tão peculiar como aventura de super-heróis.
É certo que fãs mais radicais passarão os próximos meses dissecando cada fotograma de "WandaVision", em busca de pistas para o futuro da Marvel no cinema e em streaming. Wanda Maximoff, afinal, é parte de "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura", atualmente em produção sob a direção de Sam Raimi.
Planejamento, afinal, é palavra de ordem na Marvel. "WandaVision" é o ponto de partida de pelo menos cinco anos já mapeados para o futuro do estúdio, entrecortando filmes e séries em streaming em um universo compartilhado que torna-se cada vez mais complexo e fascinante. E familiar. E estranho. Com esse novo passo, a Marvel mostra porque, no jogo dos super-heróis, está longe de entregar o topo do pódio.
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