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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Army of the Dead' é uma coleção de boas ideias que não funcionam juntas

Colunista do UOL

21/05/2021 16h31

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Zack Snyder, a essa altura, é um gosto adquirido. Entregando filme após filme com uma legião crescente de fãs, o diretor passou a última década envolvido com o universo DC em uma trilogia informar do Superman: "O Homem de Aço" (2013), "Batman vs. Superman" (2016) e "Liga da Justiça" (eu vou com a versão de 2021 aqui). "Army of the Dead" marca seu retorno ao cinema original. E ideias aqui não faltam!

O problema é que Snyder, trabalhando aqui com a Netflix e carta branca para criar seu novo universo, tem dificuldade em manter o foco. "Army of the Dead" é uma salada de estilos, uma coleção de ótimas ideias que parecem funcionar separadamente, mas que se tornam confusas ao ser adicionadas à mesma mistura.

É bacana ver um diretor agindo com plenos poderes em um mercado dominado por propriedades intelectuais e cuidado excessivo com marcas e produtos. Mesmo Snyder, entretanto, precisava de um bom produtor a seu lado para conter seu ímpeto e mantê-lo em curso para contar uma única história.

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Mercenários não gostam de máquinas ATM em 'Army of the Dead'
Imagem: Netflix
E ela é uma beleza. Uma infestação de zumbis transforma Las Vegas em terra de ninguém. Murada por uma parede de containers, a cidade está marcada para a destruição, com um ataque nuclear a ser celebrado pelo presidente dos Estados Unidos. Com essa contagem regressiva, um grupo de mercenários precisa entrar na cidade e recuperar US$ 200 milhões no cofre de um cassino.

Seria um mix divertido de "Onze Homens e Um Segredo" com "Madrugada dos Mortos" (filme do próprio Snyder), embalado de uma comédia de ação com o humor afiado de "Zumbilândia" conduzido pelo climão militar de "Resgate" (produção da própria Netflix). Mas o recorte era pouco para Zack Snyder. Afinal, ele estava construindo não apenas um filme, mas todo um universo!

Exatamente por isso, "Army of the Dead" peca pelo excesso. Não basta desenvolver a trama principal. O diretor, trabalhando em cima de uma história que ele mesmo bolou, dá um jeito de criar também um drama familiar. Afinal, o líder da equipe, Scott Ward (o sempre confiável Dave Bautista), foi obrigado a matar sua esposa zumbificada, para o horror de sua filha, Kate (Ella Purnell) - que calha de ter acesso à Los Angeles cercada por militares.

Achou pouco? "Army of the Dead" também lida com guerra biológica, com poderosos usando o golpe para se apoderar do sangue de zumbis-alfa para fazer novas armas. Claro, porque os mortos-vivos, embora sejam compostos em sua maioria por assassinos sem cérebro, evoluíram como uma tribo, liderados por um superzumbi com direito a uma rainha, um tigre e um cavalo desmortos. Para coroar ainda temos o resgate de desavisados que entraram na cidade em busca de dinheiro fácil e agora estão à mercê das criaturas. Ufa!

Cada pedaço do quebra-cabeças renderia um filme inteiro. Mas Snyder quer preparar o bolo e depois comer, empurrando todas as ideias em duas horas e meia de caos zumbi. Os créditos iniciais, com a primeira incursão da equipe de Ward em Las Vegas, será expandido em uma série animada já em produção para a própria Netflix. Eficiência é o nome do jogo.

Com tanta coisa acontecendo, e uma dezena de personagens em cena buscando seu momento de brilho, seria impossível que "Army of the Dead" fosse satisfatório em qualquer uma de suas histórias. O que está ausente é o estilo cinético de Snyder, que no mínimo consegue orquestrar cenas de ação plasticamente empolgantes. Até isso está em falta, com a ação arrastando-se como um videogame ruim, em que chefes de fase sacrificam parte dos jogadores até a próxima fase.

Ainda bem que o elenco em nenhum momento leva a coisa a sério. Em especial a humorista Tig Notaro, adição de última hora (quando a produção ejetou o comediante Chris D'Elia, no centro de um escândalo de abuso de mulheres) que rodou suas cenas quando as filmagens já haviam terminado, inserida no filme com trucagens digitais absolutamente perfeitas. Dave Bautista, por sua vez, mostra-se perfeitamente capaz de encabeçar um filme desse porte com seu charme de brutamontes sentimental.

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O zumbi alfa toca o terror em 'Army of the Dead'
Imagem: Netflix

"Army of the Dead", apesar de navegar em um oceano de ideias, parece existir como uma colagem de outros bons filmes. Tem uma pitada de "Terra dos Mortos" (de George Romero), um suspiro de "Fantasmas de Marte" (de John Carpenter), uma pitada de "Jurassic Park" (sim, de Spielberg) e um clímax que copia sem a menor cerimônia uma das cenas chave de "Aliens - O Resgate", de James Cameron.

Com seu entusiasmo juvenil, Zack Snyder ainda consegue fazer com que cada fragmento pareça seu. Assim como o bombardeio sensorial que Michael Bay trouxe a "Esquadrão 6", também lançado pela Netflix, o diretor de "300" faz de "Army of the Dead" uma cápsula do tempo, retomando um cinemão em que estúdios apostavam na visão de seus diretores, por mais absurda que ela fosse.

É um tipo de cinema sepultado na tela grande, agora ressuscitado pelo streaming. Se tem uma coisa que Zack Snyder entende, de "Madrugada dos Mortos" a "Liga da Justiça", é trazer suas ideias de volta à vida.