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'O Esquadrão Suicida': o que faltava para a DC era um visionário de verdade
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Existem duas formas de enxergar este "O Esquadrão Suicida". A primeira, e menos importante, é como parte do universo cinematográfico que a DC tenta levantar, e fracassa de forma espetacular, desde "O Homem de Aço". A segunda, a que realmente vale, é como um filme executado com a assinatura única de um verdadeiro artista.
Nas mãos de James Gunn, a nova tentativa de adaptar a equipe de anti heróis dos quadrinhos para o cinema é um sucesso absoluto, não importa o ponto de vista. Seu "O Esquadrão Suicida" é uma aventura vibrante e intensa, que preocupa-se menos em compor o xadrez dos heróis DC em tela grande e mais em executar uma trama simples, surpreendentemente emocionante, violenta na medida certa e divertida de ponta a ponta.
Na verdade, a preocupação com um universo compartilhado é zero. Provavelmente foi a decisão que injetou personalidade na aventura escrita e conduzida por Gunn, que não vê a menor necessidade em ligar os pontos ou em criar alguma deixa para filmes de terceiros. É um primo mais robusto de "Shazam!" e "Aquaman" (e, vá la´, de "Mulher Maravilha"), um filme superior de todas as formas às outras adaptações cometidas pelo estúdio.
A "fórmula" não é nenhuma equação complexa. Quando recebeu carta branca para escolher qualquer personagem e fazer qualquer filme, James Gunn seguiu o coração. Mirou no arco de histórias que recuperou o Esquadrão Suicida nos quadrinhos logo depois da série "Lendas", na segunda metade dos anos 1980.
Nas mãos da dupla John Ostrander e Luke McDonnell, a equipe foi reinventada e ganhou uma líder, a estrategista Amanda Waller, que selecionava entre bandidos condenados os que mais se adequavam a cada missão. Sucesso significava redução da pena. Fracasso era sinônimo de morte.
James Gunn, um verdadeiro visionário que mostrou sua mistura de humor, aventura e referências pop em dois "Guardiões da Galáxia" para a Marvel, enxergou o potencial de uma aventura com o mesmo tom de "Desafio das Águias" ou "Os Guerreiros Pilantras". A salada é a mesma: uma equipe improvável de anti heróis, reunida para uma missão aparentemente impossível em território inimigo.
O filme não perde tempo com explicações. Rapidamente a missão fica clara. Amanda Waller (Viola Davis) precisa de um time, mais uma vez liderado pelo coronel Rick Flagg (Joel Kinnaman), para invadir a ilha-nação de Corto Maltese (criada por Frank Miller para o gibi clássico "O Cavaleiro das Trevas" e adotada brevemente por Tim Burton em seu "Batman") e destruir um programa militar que ameaça a soberania americana.
Para isso, são pincelados da prisão de Belle Reve os bandidos com perfil mais adequado para o sucesso, incluindo o mercenário Sanguinário (Idris Elba), o Pacificador (John Cena), a Caça-Ratos 2 (Daniela Melchior), o estranhíssimo Bolinha (David Dastmalchian) e o auto explicativo Tubarão-Rei (voz de Sylvester Stallone). Retornando surgem os rostos conhecidos do Capitão Bumerangue (Jai Courteney) e, claro, da Arlequina (Margot Robbie).
Existe, portanto, uma conexão tênue com o malfadado "Esquadrão Suicida" de David Ayer, mas ela é periférica. Gunn estabelece que seu filme habita a mesma caixa de brinquedos, ao mesmo tempo em que se impõe como uma aventura totalmente separada. Não há o que coçar muito a cabeça: nova missão, alguns jogadores repetidos, fim de papo.
O que importa de verdade é como Gunn organiza o caos. Usando como inspiração o primeiro arco da dupla Ostrander/McDonnell nos quadrinhos, ele constrói uma história linear de ramificações imprevisíveis. Como o título do filme explica, é melhor não se apegar a ninguém. Os personagens que roubam os holofotes, portanto, podem não ser os mais óbvios.
É aí que fica evidente a diferença de James Gunn para outros proclamados "visionários". Se existe aqui uma óbvia preocupação estética - e a cena da invasão a Corto Maltese pela praia é testamento de seu apuro técnico -, a maior preocupação é mesmo com a construção dos personagens e sua interação.
Para um filme de ação armado em cima de uma propriedade intelectual valiosa, Gunn aposta mais em diálogos que deixem claro quem é quem e menos em sequências aceleradas e desmioladas. Não existe gordura em "O Esquadrão Suicida", absolutamente cada movimento obedece unicamente à história que aos poucos ele vai contando. Flashbacks contextualizam a ação em curso. A trama principal é continuamente reconstruída ao longo do caminho. É uma guerra, e não existem planos perfeitos em uma guerra.
O modo de contar essa história mostra a liberdade entregue a Gunn. Longe de ter qualquer preocupação com realismo, ele entendeu a mecânica fantástica do "cinema de super-heróis" e aposta no absurdo. Isso é visto, por exemplo, com a melhor versão da Arlequina já colocada em cena. Margot Robbie deve ter vibrado ao ler o roteiro, que a coloca como uma psicopata que, quando solta as amarras, habita um mundinho psicodélico de sangue e flores e ultra violência tão assustador quanto empolgante.
A melhor demonstração da reverência de Gunn aos quadrinhos da DC, porém, é a escolha da principal ameaça de "O Esquadrão Suicida", o conquistador estelar Starro. Basicamente uma estrela do mar cósmica gigante, a criatura surgiu como "vilão" na primeira edição de "Liga da Justiça" nos quadrinhos ianques. Aqui ele é um kaiju capaz de controle de mente em massa, capturado, estudado e torturado há décadas - e, obviamente, sedento por vingança. É uma figura trágica que adiciona ao absurdo costurado pelo diretor.
Nada disso, porém, surge como pedaços de roteiro de difícil digestão. Nas mãos de Gunn, "O Esquadrão Suicida" é uma aventura que não precisa de bula, habitada por personagens fantásticos e bem construídos, usados como ferramentas em um roteiro sofisticado em sua simplicidade. A ideia aqui não é montar um universo ou preparar personagens para produtos derivados, e sim contar uma boa história.
A ironia é que "O Esquadrão Suicida", como melhor filme da DC desde "Batman - O Cavaleiro das Trevas", deve se tornar o espelho no qual o estúdio deve arquitetar seus projetos futuros. O próprio James Gunn, durante a pandemia, escreveu e sugeriu uma série para o personagem de John Cena, o Pacificador, que deve estrear nos próximos meses no streaming HBO Max.
Nada em "O Esquadrão Suicida", porém, serve de trampolim para outros filmes fora de sua aba. O estúdio prossegue com "The Batman", agendado para ano que vem, e filma "The Flash" e "Adão Negro" para compor seu catálogo. A cola que junta tudo isso é, quando muito, superficial.
Se James Gunn teve uma visão grandiosa, portanto, foi justamente sair desse emaranhado de ideias que empacou a DC no cinema. Com esse respiro ele criou um filme anárquico, colorido e bem humorado, longe do "realismo" boboca que coisas como "Batman vs. Superman" insistiam em tornar regra.
Super-heróis, afinal, existem no limiar do ridículo. Entender esse limite é, na atual atmosfera pop, que não raro se leva muito a sério, uma proposta ousada. James Gunn, claro, respeita o legado de seus hominhos fantasiados.
Mas em vez de seguir muitos de seus pares e jogar um verniz para disfarçar, ele preferiu escancarar o quanto essa bobagem toda pode ser emocionante, empolgante e divertida. Como a leitura de um bom gibi. "O Esquadrão Suicida" é muito melhor por causa de sua visão. Entreguem a ele as chaves do reino!
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