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Daniel Craig despede-se de 007: 'James Bond precisa ser visto no cinema'
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Daniel Craig não aguentava mais responder à mesma pergunta: "Você vai voltar como James Bond?". Depois do lançamento de "007 Contra Spectre" em 2015, a resposta era fácil: "Não".
Seis anos depois, Craig voltou de fato a Bond em "007 - Sem Tempo Para Morrer", que encerra sua carreira como o espião mais famoso da ficção, depois de deixar uma marca indelével e firmar-se como o melhor ator a interpretar a criação de Ian Fleming.
"Eu só percebi que ainda havia uma história para ser contada quando Bárbara Broccoli me ligou e disse que tinha", diverte-se Craig, em um papo direto de Londres. "A verdade é que depois de 'Spectre' eu precisava respirar, descansar e ficar com minha família."
Refratário a um retorno depois da intensidade física de "Spectre", que ele rodou com a perna protegida por uma prótese biônica para adiar uma cirurgia inevitável, o ator respondera à época que "preferia cortar os pulsos" a retomar o personagem. O tempo, portanto, foi determinante para ele mudar de ideia.
"O importante sempre é a história, então foi um processo lento até começar a pensar em um novo filme com Bárbara e Michael", continua, referindo-se à dupla de produtores Barbara Broccoli e Michael G. Wilson, donos dos direitos de 007 no cinema. "E essa era uma história que valia a pena ser contada."
FILMES APRECIADOS COMO LIVROS
A jornada de "007 - Sem Tempo Para Morrer" terminou sendo a mais intensa desde que a série quase capitulou antes do lançamento de "007 O Espião Que Me Amava" em 1977. O filme, terceiro com Roger Moore como protagonista, recuperou o fôlego da série, cambaleante e sem foco desde a saída de Sean Connery anos antes.
Começou com um diretor que deixou a produção após um ano trabalhando no filme - Danny Boyle, que à época do lançamento de "Yesterday" me disse que tudo se resumia a quanto ele estava disposto a comprometer sua visão artística para o filme. No fim, não estava, e o projeto passou para Cary Fukunaga, mentor da série "True Detective".
"Minha missão era pegar os quatro filmes anteriores com Daniel Craig e tentar encontrar um capítulo final satisfatório e empolgante", lembra o diretor, que usou o tom de "Cassino Royale" como ponto de partida. "Se fosse um livro, aquele seria o primeiro capítulo e esse seria o capítulo final. Imagino as pessoas fechando o livro e pensando que foi uma leitura agradável."
"007 - Sem Tempo Para Morrer" fecha o círculo com a versão de Craig para Bond. A série havia seguido um caminho absurdo e inverossímil com "007 - Um Novo Dia Para Morrer", que seria o último com Pierce Brosnan. Os produtores apertaram o reset quando escolheram Daniel Craig para o papel.
"Uma coisa que me bateu, especialmente quando passamos a enxergar de forma mais analítica, é o quanto a versão de Daniel era diferente de Pierce Brosnan", lembra Fukunaga. "Sua versão é um homem de poucas palavras, e esse diálogo interno, para entender os mecanismos de seu pensamento o tornam mais próximo da versão original de Ian Fleming que seus pares."
"Cassino Royale", lançado em 2006, desconstruiu as convenções estabelecidas em décadas de aventuras. Menos engenhocas elaboradas, mais ação crua, com atenção especial para o conflito interno que move Bond. O mundo abraçou com entusiasmo essa nova versão de 007.
Quando Craig chegou em seu terceiro filme como o espião, "Operação Skyfall", a série estava confortável para recuperar algumas de suas marcas registradas. O público respondeu com uma bilheteria de mais de US$ 1 bilhão, maior da história da série. "007 Contra Spectre", por outro lado, tentou equilibrar a versão soturna de Craig com a grandiosidade habitual de Bond. A mistura não desceu bem.
"EU NÃO ESPERAVA QUE DANIEL FOSSE VOLTAR"
Para muitos, o filme eram as cortinas de 007 fechando-se para Craig. "Eu não achava que fosse voltar para mais um filme porque achei que Daniel não voltaria como Bond", revela Léa Seydoux, de volta como Madeleine Swan, que no filme anterior conquistara o coração endurecido do espião.
"Eu adorei a possibilidade de explorar melhor a minha personagem", continua a atriz, que descobriu ao ler o roteiro um segredo até então insondável da Dra. Swan. "Cary (Fukunaga) queria que ela fosse mais consistente, mais crucial para a trama. É a mesma Madeleine, mas sob uma perspectiva diferente."
Antes mesmo de as câmeras começassem a rodar, "007 - Sem Tempo Para Morrer" encontrou-se no meio de uma polêmica quando a atriz Lashana Lynch foi anunciada como a nova agente 007. Sem perceber que tudo fazia parte da trama do novo filme, aquele recorte mais histérico de fãs atacou a escolha como "uma rendição ao politicamente correto".
Não que Lashana desse a mínima. Ela estava, por motivos óbvios, celebrando a oportunidade - e as portas que a escolha de uma mulher negra como possível substituta de Bond no serviço secreto.
"SERÁ UM EFEITO DOMINÓ"
"Eu não sabia que estava fazendo um teste para um filme de James Bond, e muito menos que (a agente) Nomi já existia muito antes de eu entrar em cena", empolga-se a atriz. "Observando como parte do público e também como fã da série, fico feliz em ver essa indústria mudando, e admiro as pessoas que criaram a base que me permitiu estar nessa posição."
Nomi assume a designação 00, que lhe dá licença para matar, quando Bond se aposenta e afasta-se desse mundo de perigos e surpresas. "Tenho ouvido novas vozes e ideias radicais e incríveis por trás da criação de minha personagem", continua. "É um papel poderoso, e terá um efeito dominó que vai afetar a indústria, vai estremecer a comunidade negra e vai atingir todo o mundo."
Rami Malek foi convocado para "007 - Sem Tempo Para Morrer" na euforia de seu Oscar por "Bohemian Rhapsody", no papel de Safin, antagonista de Bond. "Interpretar um vilão traz um sentimento libertador que nos permite fazer qualquer coisa", diverte-se. "Abraçar um personagem assim é ter algo no bolso, é poder surpreender, e surpresas levam a momentos explosivos que podem ser divertidos e mortais."
A maior surpresa envolvendo "007 - Sem Tempo Para Morrer", porém, foi seu período de inércia forçada, causada pela pandemia do coronavírus que tomou o mundo e também abalou a indústria do cinema.
O filme, originalmente agendado para novembro de 2019, foi adiado para abril de 2020 - e terminou como o primeiro grande filme a pisar no freio. O lançamento então foi remarcado para novembro de 2020, depois para abril de 2021, finalmente chegando aos cinemas este mês.
"Acho que tivemos o segundo menor período de pós produção da série", revela Fukunaga. "Tivemos dezesseis semanas para finalizar. Eu assisti a uma versão bruta dez dias depois do término das filmagens e senti confiança para mostrar aos produtores. Quando entregamos o filme para o estúdio em março, já era uma versão que todos nós estávamos satisfeitos." Então o mundo foi afetado pela pandemia.
"JAMES BOND PERTENCE AO CINEMA"
Mesmo assim, a versão que o diretor mostrou aos executivos da MGM em março de 2020 é a mesma que chega agora aos cinemas. "Não havia necessidade de ficar mexendo, e talvez eu tivesse problemas sérios se fizesse isso", desabafa. "Se fosse apenas o roteiro seria totalmente diferente, mas já era o filme pronto, com efeitos, correção de cor, som. Ele está pronto desde então."
"Antes de mais nada, é extraordinário que todos chegamos aqui, os últimos anos foram bastante traumáticos para todo mundo", completa Daniel Craig. "Eu sou muito grato à Universal e à MGM por sua confiança e ousadia para segurar a estreia."
Craig é categórico ao ressaltar a importância de lançar "Sem Tempo Para Morrer" no cinema. "Não teremos o filme no streaming", avisa. "Os filmes de James Bond precisam ser vistos em tela grande, devem ser saboreados como uma experiência coletiva."
O astro entende o peso da chegada de mais uma aventura de 007 no cinema, especialmente no momento em que o mundo lentamente recupera algum semblante de alívio: "Eu espero que ele possa marcar algum tipo de normalidade para todo mundo e ajudar a indústria do cinema a se recuperar".
Daniel Craig encerra assim, quinze anos depois de "Cassino Royale", o relacionamento mais longo que um ator já teve com James Bond. Mesmo assim, o astro evita pensar em seu legado como 007. "Acho que outras pessoas vão determinar qual será esse legado", reflete. "Eu só posso esperar que os filmes continuem relevantes e que as pessoas possam se entreter com eles."
Agora que ele encerrou as portas para James Bond, Craig não precisa mais se esquivar da pergunta que o perseguiu por quase sete anos. Ano que vem os produtoras começam a busca por um novo 007, e a roda volta a girar.
"Meu único conselho (ao próximo Bond) seria para ele manter a mente aberta", encerra Craig, com a habitual elegância britânica. "Eu tive a chance de interpretá-lo à minha maneira, e eu me esforcei para isso. Então é isso que eu diria, deixe sua marca."
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