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'Sem Tempo Para Morrer': Adeus de Daniel Craig a 007 é uma história de amor
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Lançado em 1969, "007 - A Serviço Secreto de Sua Majestade" talvez tenha sido o último "Bond raiz". Antes de a série passar a responder ao espírito do cinema de seu tempo, com inspiração de "Star Wars" a "Os Caçadores da Arca Perdida" a "Duro de Matar", o filme de Peter Hunt trouxe um protagonista complexo, dividido entre o dever e o desejo, entre a crueldade de seu trabalho e o conforto de uma vida comum. Sem firulas.
Ainda assim, era uma aventura de James Bond, com as convenções aos poucos estabelecidas em seus cinco predecessores: o vilão excêntrico, as locações exóticas, um clímax construído em cenas eletrizantes que criaram a fórmula para o cinema de ação. Seu relativo escanteio no cânone de 007 tem nome e sobrenome: ele representou a partida de Sean Connery, substituído como protagonista por um desconhecido que não passou de um Bond, o australiano George Lazenby.
"007 - Sem Tempo Para Morrer" traz mais em comum com "A Serviço Secreto de Sua Majestade" do que o tema musical ("All the Time in the World", com a voz de Louis Armstrong) ou seus créditos de abertura. A quinta e derradeira aventura de James Bond com Daniel Craig à frente é econômica na ação (mas não se furta dela para avançar sua narrativa), traz um herói ainda às voltas com seu passado e é, acima de tudo, uma história de amor.
Não espere, entretanto, um clima açucarado no estilo de Nicholas Sparks. Aqui é a roteirista Phoebe Waller-Bridge, da excepcional série "Fleabag", que joga um tempero no texto de Neal Purvis e Robert Wade, veteranos da série que também dividem o crédito com o diretor Cary Fukunaga. O ímpeto de deixar a violência e as sombras para trás e viver feliz para sempre ao lado de Madeleine Swann (Léa Seydoux) é o fantasma que paira sobre Bond.
Usar a estrutura de um romance não é invenção do novo filme. Desde que assumiu o papel de Bond em "Cassino Royale", Craig adicionou camadas ao espião que iam além do sujeito calculista que usava as mulheres em suas aventuras como objetos descartáveis. Foi na produção de 2006 que 007 mostrou rachaduras em sua frieza e precisão assassina ao se apaixonar por Vesper Lynd, personagens de várias faces interpretada por Eva Green.
Sua morte trágica, a princípio encarada por Bond como traição, foi o gancho para "Quantum of Solace" e reverberou tanto em "Operação Skyfall" quanto em "007 Contra Spectre". Foi este filme de 2015 que, por sinal, abriu espaço para um novo amor para o espião. O romance com Madeleine Swann, entretanto, surgiu apressado, com uma personagem de poucas camadas dramáticas. Essa trama, agora retomada e desenvolvida com mais profundidade, é a espinha dorsal de "Sem Tempo Para Morrer".
Criar uma continuidade entre os filmes soprou novo fôlego à série. Era uma necessidade depois que "007 - Um Novo Dia Para Morrer", último com Pierce Brosnan, exagerou na fantasia super heroica. Antes de Daniel Craig entrar no mundo de Bond, os filmes eram unidades isoladas, aventuras que seguiam a mesma fórmula (com resultados não raro espetaculares) desde "007 Contra Goldfinger", que em 1963 mapeou o DNA do filme de ação moderno.
Em Craig, porém, os produtores enxergaram um Bond menos fantástico e mais humano. Ele trouxe coesão ao personagem e aos filmes ao interpretar um sujeito complexo, apresentado menos como um arquétipo de masculinidade e mais como alguém curvado por suas falhas e pelo peso de sua profissão: matar gente. Todos temos nosso Bond favorito, de Connery a Moore a Brosnan, dependendo de quando fomos expostos aos filmes. Mas é Daniel Craig, sem dúvida, o melhor ator a dar vida a 007.
Sua despedida, portanto, foi lapidada com cuidado. Depois de um começo trôpego (a resistência de Craig em encarar mais uma filmagem, a troca de diretores reiniciando todo o processo do zero), "Sem Medo Para Morrer" chega como um filme melancólico e divertido, empolgante e agridoce. Um adeus digno.
A trama começa como um epílogo de "Spectre", com Bond e Madeleine vivendo seu idílio. Logo a realidade violenta se impõe causando uma ruptura. Retornamos a 007 cinco anos depois, quando ele vive na Jamaica, sozinho e aposentado, longe das maquinações geopolíticas globais. Seu amigo de longa data, o agente da CIA Félix Leiter (Jeffrey Wright), o procura para pedir sua ajuda na captura de um cientista renegado, e logo Bond volta ao jogo.
Esse jogo, porém, é outro. A começar por seu código, 007, agora em posse de outra agente do MI-6, Nomi (Lashana Lynch). Outros personagens surgem, como Ana de Armas, breve e memorável como uma agente da CIA em Cuba. O retorno de Madeleine Swann, o confronto com Blofeld (Christoph Waltz, talvez o elemento menos utilizado no novo filme) e uma nova ameaça, representada pelo lunático Safin (Rami Malek), preparam o tabuleiro para a última partida de Craig como James Bond.
Mais do que uma nova aventura de 007, "Sem Tempo Para Morrer" é um presente para Daniel Craig. "Spectre" não foi o retorno ao Bond "clássico" anunciado pelos produtores - e talvez não devesse mesmo ser. No novo filme, Craig leva 007 pelas mesmas convenções já imortalizadas na série (a base exótica do vilão excêntrico remete ao vulcão inativo de "Com 007 Só Se Vive Duas Vezes"), mas a direção de Cary Fukunaga é como jazz, improvisando em cima de temas familiares.
"007 - Sem Tempo Para Morrer" marca a primeira vez em que um intérprete de James Bond arquiteta um adeus planejado. Sean Connery se retirou quando o cansaço e a indesejada celebridade minaram sua paixão pelo espião. Roger Moore foi aposentado quando determinaram que ele havia "passado da idade". Timothy Dalton mal teve tempo de esquentar o banco, e Pierce Brosnan aguardou por um último filme que nunca veio.
E temos George Lazenby, o herói menos festejado de um dos filmes mais complexos da série. Com uma só tacada, porém, ele trouxe a inspiração necessária para Daniel Craig conduzir sua versão de James Bond como um personagem multidimensional, riquíssimo e alinhado com o cinema moderno. Ele se afasta de 007 certo de que deixou sua marca e enriqueceu seu legado. Agora a série deve dormir para o reboot inevitável. Boa sorte para o próximo da fila.
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