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'Casa Gucci': Ridley Scott transforma crime real em novelão melodramático
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Ridley Scott tem pressa. Seu épico medieval "O Último Duelo" mal terminou sua (curta) carreira nos cinemas e o diretor britânico já chegava com "Casa Gucci" na fila. É de admirar seu vigor, aos 83 anos, em manter um fluxo de trabalho tão intenso.
O resultado, porém, às vezes é prejudicado. Rodado no começo deste ano, com a pandemia em seu auge, "Casa Gucci" teve processo de gestação curto. Mesmo com a história no radar do diretor desde 2006, foi em 2021 que ele aprovou o roteiro, filmou na Itália e acelerou sua pós produção.
Essa pressa transparece em cada fotograma do filme encabeçado por Lady Gaga e Adam Driver. O texto por vezes parece improvisado. A montagem é confusa, com a geografia oscilando entre Milão e Nova York sem muita explicação, além da repetição de tomadas similares para explicar de modo grosseiro onde os personagens se encontravam cena após cena. Falta a grandiosidade que essa história merece.
É surpreendente, portanto, que "Casa Gucci" seja um filme tão deliciosamente cafona. Não existe um momento enfadonho em suas mais de duas horas e meia de projeção. Ao dramatizar o recorte mais trágico da família que criou uma das marcas mais aclamadas do mundo da moda, Scott fez um novelão carregado no melodrama, uma versão moderna e acelerada de "Dallas" ou de qualquer folhetim ambientado no Leblon.
O gancho da trama é o assassinato de Maurizio Gucci, herdeiro acidental do império, a mando de sua ex-esposa, Patrizia Reggiani. O filme não é, entretanto, um exemplar de true crime, as produções que escarafuncham crimes reais popularizadas com o avanço do streaming.
A morte de Maurizio é um rodapé, uma moldura que abraça o recorte de um drama que começou em uma festa. É quando, ao final dos anos 1970, Patrizia conhece Maurizio, tornando-se levemente obcecada ao ouvir seu sobrenome famoso. Os encontros terminam em casamento, e segue-se o padrão das histórias de famílias ricas desconfiadas quando uma de suas crias pode cair no golpe do baú.
Acima de tudo, "Casa Gucci" é uma história sobre ambição, sobre uma mulher consumida pelo fascínio de um nome Patrizia tenta manipular o jogo de poder dentro da família para consolidar a ascensão de Maurizio, apenas para ser retirada de cena em uma combinação de ciúmes, humilhação e fúria. O fim, como o filme atesta, não poderia ser diferente.
O roteiro de Roberto Bentivegn e Becky Johnston, que adapta o livro de Sara Gay Forden, altera datas e cronologia, elimina alguns personagens e diminui outros, mas traça um retrato preciso dos acontecimentos. O problema, além do texto muitas vezes raso, é sua execução.
Palmas, portanto, a Lady Gaga e Adam Driver. Ao interpretar o casal Patrizia e Maurizio Gucci, eles entregam um jogo correto entre a contenção e a explosão. Se Driver é mais discreto, Gaga vai de jovem ambiciosa a matrona abandonada com desenvoltura. Nada empolgante, mas também nada que comprometa sua interpretação.
Al Pacino e Jeremy Irons, que interpretam os irmãos Aldo e Rodolfo Gucci, guardiões da marca, fazem seu trabalho com uma mão nas costas - Pacino em especial alterna ternura e momentos explosivos com a experiência de quem sabe exatamente o que fazer quando as câmeras estão rodando.
O problema é mesmo o tom imposto por Ridley Scott. "Casa Gucci" abraça com gosto o exagero do mundo que retrata, mesmo que provoque risos com mais frequência e com menos intenção do que deveria. O diretor, entretanto, imprime um verniz de sofisticação que consegue disfarçar o quanto seu roteiro é raso.
Quando consegue, temos sequências sublimes, como o momento em que Maurizio rompe os laços com Patrizia - a expressão de dor, desespero e raiva em Lady Gaga conduz a cena à perfeição. O outro lado da moeda é duro de engolir, exemplificado na cena em que Patrizia e sua amiga e confidente, Pina (Salma Hayek), contratam os assassinos para o trabalho: tudo é tão exagerado que parece uma paródia, um sketch do "Saturday Night Live".
Por falar em paródia, precisamos falar sobre Jared Leto. Seriamente. Porque não há absolutamente nada em "Casa Gucci" que justifique sua atuação como Paolo, filho de Aldo, retratado como um idiota excêntrico.
Leto claramente está se divertindo por trás das próteses que o deixam irreconhecível. Ele entrega um sotaque absurdo, aliado a uma composição física estranhíssima que o coloca em um universo paralelo. Não consigo imaginar suas conversas com Ridley Scott para entregar uma performance tão alienígena. Paolo Gucci é, basicamente, o Super Mario dos jogos eletrônicos.
Talvez o exagero e o tom farsesco fossem exatamente a intenção do diretor. "Casa Gucci" é o "Batman Eternamente" das biografias de figuras trágicas. É plasticamente fascinante, a metragem não pesa, traz comédia e drama em doses suficientes para envolver. Mas é preciso uma injeção cavalar de boa vontade para levar esse circo minimamente a sério. Nem precisa: circo é para ser divertido.
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