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O novo (e excelente) 'Pânico' dá o recado: o fã precisa acabar
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"Pânico", quinto episódio da série lançada há um quarto de século, é exatamente o que parece ser. O novo filme é, ao mesmo tempo, uma sequência e um reboot, um recomeço que usa um elenco novinho em folha, a maioria despontando daqui para o anonimato, apoiados pelos veteranos que garantem a conexão com o "legado".
É bom para atrair novos fãs, é ok para não desagradar os mais antigos, é menos um filme e mais uma experiência em metalinguagem que por pouco não perde a mão na linha que separa ficção - os filmes anteriores em si - e realidade, que é a própria existência de "Pânico" como série. Além de tudo, é um filme que sabe exatamente que é tudo isso. E talvez por isso seja um produto tão saboroso.
O primeiro "Pânico", de 1996, é criação do roteirista Kevin Williamson, fruto de uma década definida por arte pop auto referencial, com influência pesada do "Pulp Fiction" de Tarantino e seus diálogos afiados que não pareciam proferidos por seres humanos. Foi o diretor Wes Craven, porém, que alinhavou os pontos e entendeu que o terror, para seguir relevante, tinha de se levar menos a sério.
Ele conduziu então uma imensa experiência em metalinguagem, em que os personagens, perseguidos por um serial killer misterioso, citavam filmes de terror populares como "regras" para sobreviver ao massacre do qual eles próprios eram alvos. Funcionou, e "Pânico" tornou-se o pilar para uma nova geração de produtos do gêneros que buscavam, em vão, repetir a mesma fórmula.
Para cada bobagem como "Eu Sei O Que Vocês Fizeram No Verão Passado", "Lenda Urbana" e "Premonição", Wes Craven reunia a trupe para um novo "Pânico", sempre misturando mortes violentas e assassinos diversos, sempre usando a máscara do Ghostface, sempre com uma piscadela de leve para a plateia, dizendo "a gente entende a piada".
O segundo, de 1997, conseguiu superar o primeiro em referências e surpresas. O terceiro, em 2000, parecia mais cansado em surfar no mar cheio de imitadores. O quarto filme, de 2011, recuperou o espírito do original ao voltar seu olhar para a febre de sequências e remakes que assolaram o cinema de gênero do começo do século. Foi, também, o último filme de Craven antes de sua morte em 2015.
O novo "Pânico", seguindo a cartilha de metalinguagem da série, chega com o olhar voltado para as "continuações legado". São os filmes que pretendem reiniciar uma propriedade intelectual, mas recuperam elementos do original para garantir sua legitimidade. É "Blade Runner 2049" e "Ghostbusters - Mais Além", são os novos "Halloween" e "O Mistério de Candyman". Quando as partes são misturadas sem solavancos, a coisa funciona.
Desta vez, os diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett (do esperto "Casamento Sangrento"), usam literalmente o legado tecido por Wes Craven para construir seu filme. A protagonista é Samantha Carpenter (sério), papel de Melissa Barrera, do simpático "Em Um Bairro de Nova York".
Dona de um segredo que a conecta com os assassinatos do filme original, ela retorna a Woodsboro quando sua irmã, Tara (Jenny Ortega) é atacada por Ghostface em uma sequência que bisa a abertura do filme de 1996, com o assassino ao telefone perguntando "Você gosta de filmes de terror?".
A estrutura é uma xerox, com um grupo de amigos reunido para entender a nova ameaça e, cientes da história sangrenta da cidade, buscar as novas regras para estar um passo à frente do assassino. É uma geração que não cresceu com "Pânico" - ou "Facada", o filme dentro do filme que adaptou o massacre original em uma série de terror cinematográfico que, a cada novo exemplar, desviava-se mais do conceito original. A turma está mais interessada no "horror sofisticado" de "O Babadook", "Corrente do Mal" e "Hereditário". Sem assassinos em série. Sem regras.
Quando Samantha retorna com seu namorado, Richie (Jack Quaid, de "The Boys"), Ghostface revela aos poucos seus planos, o que termina envolvendo o trio original, o policial Dewey Riley, a repórter Gale Weathers e, claro, Sidney Prescott, a última grande final girl do cinema.
A brincadeira com o lugar que o terror ocupa hoje na indústria é acompanhada de um trio de atores calejado e que entra sem concessões na brincadeira. Mesmo com a turma jovem segurando a parte pesada da narrativa, é a presença de David Arquette, Courteney Cox e Neve Campbell que eleva a qualidade da empreitada. Eles de fato emprestam legitimidade ao filme, e "Pânico" fica uns dedinhos acima da média de seus pares.
O problema, claro, é que estes pares meio que não existem mais. Depois da geração de slashers adolescentes trazidos pelo "Pânico" original, o terror transmutou-se em uma celebração à violência mais que explícita impulsionada por "Jogos Mortais", antes de voltar seus canhões para o sobrenatural com "Invocação do Mal". Nesse meio tempo, Jordan Peele, Ari Aster e Mike Flanagan surgiram como as vozes mais interessantes do gênero no novo século.
Tudo isso funciona a favor do novo "Pânico", que nubla com inteligência a linha entre realidade e ficção ao colocar em primeiro plano o descontentamento dessa geração de fãs insuportáveis que, de repente, se viu órfã de um ícone assassino, como Freddy Krueger e Jason Voorhees. É uma turma que enxerga arte sofisticada quando o grande barato de Ghostface era banal: o assassino podia literalmente ser qualquer um.
Claro que sustentar duas horas de filme com essa única premissa é tarefa complicada, e "Pânico" por vezes escorrega para clichês fáceis para manter o fluxo narrativo acelerado (o elevador que fecha as portas deixando um sobrevivente de fora é um pouco demais).
Mas o elenco é sólido, as mortes seguem brutais (uma faca atravessando um pescoço em câmera lenta prova-se particularmente angustiante) e o terceiro ato mistura risadas com sustos rápidos em uma reviravolta divertida, mesmo que nada surpreendente.
O saldo no final é positivo, já que "Pânico" é empolgante e assustador como uma montanha russa no parque de diversões. Honestamente, a série nunca foi exatamente de terror, encaixando-se mais na categoria thriller esperto (inventei agora, me deixa).
É o descompromisso que o gênero precisa até para que seus exemplares mais, digamos, elegantes, possam ser melhor apreciados. Os fãs mais tóxicos, corretamente desdenhados neste novo "Pânico", precisam aprender que eles não podem transformar tudo em uma refeição sofisticada de restaurante chique. Às vezes, é bom lembrar que cerveja e churrasco na laje também matam a fome.
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