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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em 'Moonfall', o espetáculo da destruição do mundo não empolga mais ninguém

Patrick Wilson em "Moonfall: Ameaça Lunar" - Diamond
Patrick Wilson em 'Moonfall: Ameaça Lunar' Imagem: Diamond

Colunista do UOL

03/02/2022 15h00

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É difícil acreditar que "Moonfall: Ameaça Lunar" seja um filme de verdade. A impressão é que algum executivo engraçadinho levantou a trama como piada e foi levado a sério pelos colegas. "E se a Lua fosse estimulada por uma força externa para despencar na Terra?", dispara nosso engravatado imaginário. "E se a Lua não fosse, de fato, uma lua?" Ha ha, que hilário.

Mas cá estamos, alguns caminhões de dólares depois, com o filme na lata, realizado pelo mesmo Roland Emmerich que se especializou em arquitetar espetáculos de destruição modernos. Ele conduziu aliens dizimando o planeta em "Independence Day", ressuscitou "Godzilla" em Nova York, trouxe uma nova era do gelo em "O Dia Depois de Amanhã" e deu cabo de... Bom, de tudo em "2012".

Podia ter parado por aí, mas a ideia de colocar a Lua como algoz da Terra deve ter estimulado todos os sentidos do diretor. Seria, claro, a pessoa perfeita para o trabalho. O cinema catástrofe, afinal, sempre caminhou de mãos dadas com a pseudociência e com a suspensão da descrença, e Emmerich sempre foi bom em ancorar suas ideias, por mais absurdas que fossem, em um fragmento de realismo.

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John Bradley explica suas teorias absurdas em 'Moonfall'
Imagem: Diamond

Mas não dessa vez. Em "Moonfall", a linha que separa o conjunto de ideias bizarras de uma total falta de sentido saiu para comprar cigarros e não voltou mais. Quando a trama parece ter atingido seu limite de situações inverossímeis até para um filme do gênero, o texto atropela o bom senso como uma trator puxando uma solução ainda mais alucinada. É uma sinfonia de caos que, admite-se, é tão fascinante quanto cansativa.

Se você já assistiu a algum filme catástrofe assinado por Roland Emmerich, sabe que ele conta basicamente a mesma história desde 1996. É mais ou menos assim. Um cientista qualquer descobre uma crise global. É ridicularizado pelas autoridades. O problema torna-se real e não pode mais ser ignorado.

Daí, personagens mais radicais (geralmente políticos ou militares) buscam alguma solução extrema. O tal cientista, aliado com algum homem de ação improvável, salva o dia. No meio do caminho, parte do elenco morre, a outra redescobre o amor de sua família. O mundo respira, irremediavelmente modificado. Fim.

Nesse desenho para colorir com números, KC Houseman (John Bradley, o Sam de "Game of Thrones") descobre que a Lua desviou-se de sua órbita e busca alertar a NASA. Ninguém dá bola, já que ele é um lunático que os aporrinha há anos com suas teorias sobre a existência de "megaestruturas", construções artificiais gigantescas que escondem segredos do cosmos. As duas coisas estão, obviamente, relacionadas.

Ignorado, ele esbarra em Brian Harper (Patrick Wilson), astronauta que caiu em desgraça há uma década depois de ver, em uma missão, uma entidade misteriosa que ataca seu ônibus espaciais e tira a vida de um amigo. A princípio cético das descobertas de KC, Harper percebe que o conspiracionista não está assim tão fora da casinha.

O terceiro elemento é Jo Fowl, ex companheira de Harper na NASA que agora, ocupando cargo de alto escalão na agência, chega à mesma conclusão que a Lua está se aproximando perigosamente da Terra. O trio, então, encabeça uma missão montada às pressas e torna-se a última esperança de salvação para ir ao espaço e eliminar a tal anomalia lunar.

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John Bradley e Halle Berry passeiam por uma megaestrutura em 'Moonfall'
Imagem: Diamond

Emmerich usa toda sua caixinha de truques em "Moonfall". Temos as marés alteradas causando tsunamis que destroem cidades inteiras. O núcleo familiar disfuncional busca um último refúgio ante a catástrofe iminente. Barcos e caminhões são arremessados ao vento pela fúria da gravidade ensandecida. Explosões! Mortes! Ladrões de carros no fim do mundo?!!

A novidade aqui é a reviravolta no terceiro ato que transforma toda a pseudociência em ficção científica hardcore, indo de civilizações perdidas à própria origem da vida na Terra. É tudo tão grandioso e absurdo que não deixa de ser admirável a coragem do diretor em jamais tirar o pé do acelerador.

O grande problema é que tudo que um dia foi novidade, em especial os efeitos digitais a serviço da destruição global, agora parece notícia de anteontem. Não existe mais o assombro com devastação em grande escala, até porque o cinema espremeu estes recursos à exaustão. Esse tipo de espetáculo hoje ficou nas mãos dos super-heróis no cinema, que combinam fantasia e ficção científica em uma mistura mais divertida.

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'Moonfall' não seria um filme de Roland Emmerich sem cidades destruidas
Imagem: Diamond

Além disso, as exatas duas horas de "Moonfall" parecem curtas para criar arcos dramáticos que ao menos simulem conexões humanas entre os personagens. Tirando o trio de protagonistas, todo mundo abraça um estereótipo e boa. Falta também um "vilão" mais convincente, já que os militares com o dedo no gatilho para um ataque nuclear à Lua (!!!) mal tem tempo em cena para que esse drama ganhe alguma tração.

Roland Emmerich sempre foi picareta o bastante para dar um verniz sério às histórias mais bobocas. Aqui, porém, ele pesa a mão no melodrama e conduz seu elenco como se fosse uma leitura de Shakespeare. Os atores entregam cada frase estapafúrdia com tanta convicção que é difícil não sentir um mínimo de empatia. São boletos pagos, mas são boletos pagos com trabalho duro!

O que não se aplica, talvez, a Donald Sutherland, aqui no papel do "cientista misterioso que revela a verdade". Ele surge nas sombras, balbucia algo sobre um segredo guardado pela NASA há cinco décadas e desaparece antes que a gente decore seu nome. O ator veterano tem literalmente uma cena, e deve ter pedido para que seu personagem use uma cadeira de rodas para trabalhar sentado. Quer saber? Errado não está.