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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

5 ótimos filmes de Kenneth Branagh como diretor (e um que não vale a pena)

Kenneth Branagh em "Morte no Nilo" - 20th Century Studios
Kenneth Branagh em 'Morte no Nilo' Imagem: 20th Century Studios

Colunista do UOL

11/02/2022 04h00

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Kenneth Branagh chegou em Hollywood no final dos anos 1980 e rapidamente estabeleceu uma posição dupla. Com "Henrique V", ele mostrou que Shakespeare estava em seu coração. Por outro lado, não havia nele o menor pudor para encarar uma eventual megaprodução hollywoodiana.

Fosse atrás das câmeras (ele fez o primeiro "Thor"), na frente delas (como, por exemplo, o vilão de "Tenet") ou em tarefa dupla (alguém lembra de "Frankenstein de Mary Shelley"?), Branagh se estabeleceu como uma peça valiosa no tabuleiro do cinemão.

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Kenneth Branagh no set de 'Belfast'
Imagem: Universal

É pura coincidência que suas duas facetas, o autor e o operário, estejam batendo cabeça no cinema. "Morte no Nilo", segunda adaptação de uma obra de Agatha Christie com direção de Branagh, entrou em cartaz agora, mesmo pronto desde 2019. Já o mezzo autobiográfico "Belfast", que concorre a sete Oscar este ano, chega aos cinemas em 10 de março.

Nada mais oportuno, portanto, do que nos lembrar de cinco momentos em que Kenneth Branagh assumiu o comando e entregou filmes de primeira - e um filme que você pode esquecer que existe! Claro, seu trabalho como ator também é extenso. Mas por ora a gente deixa isso de lado, até porque ninguém quer lembrar de seu sotaque russo bizarro em "Operação Sombra: Jack Ryan".

HENRIQUE V
(Henry V, 1989)

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'Henrique V'
Imagem: Reprodução

Kenneth Branagh interpretou o Rei da Inglaterra na montagem da Royal Shakespeare Company de 1984, com direção de Adrian Noble. Foi essa versão da peça que Branagh levou para o cinema em 1989, marcando sua estreia como diretor. Foi um arraso. Ele deixou de lado o humor e a estilização da versão dirigida por Laurence Olivier em 1944 e transformou o texto em um retrato mais brutal e realista da trajetória do monarca.

Sua visão, provavelmente a melhor adaptação de Shakespeare para o cinema de todos os tempos, pavimentou o caminho para uma abordagem mais suja e violenta da vida no começo do século 15 - a Batalha de Agincourt é um espetáculo brutal banhado a sangue! Um filmaço atemporal e um começo auspicioso para Branagh como diretor.

VOLTAR A MORRER
(Dead Again, 1991)

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'Voltar a Morrer'
Imagem: Paramount

O sucesso de "Henrique V" escancarou as portas de Hollywood para Branagh. Seu primeiro filme em Los Angeles, porém, deixou o bardo de lado e concentrou-se em uma única missão: entreter. Para isso, o diretor desenhou um mistério neo noir com uma pitada de fantasia que, mesmo sem fazer sentido na metade do tempo, envolve de ponta a ponta.

Branagh, além de dirigir, assumiu o papel do detetive Mike Church, que investiga a identidade de uma mulher sem memória, papel de Emma Thompson. A trama volta no tempo e enrosca-se em um assassinato ocorrido quatro décadas antes, com uma série de reviravoltas mais e mais inverossímeis.

Não tem problema. "Voltar a Morrer" foi um respiro para a sobriedade do texto shakespeareano e mostrou à indústria que Branagh não tinha um único truque na manga. Foi um bom ponto de partida no cinemão em um filme deliciosamente cafona e cheio de estilo.

MUITO BARULHO POR NADA
(Much Ado About Nothing, 1993)

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'Muito Barulho Por Nada'
Imagem: Reprodução

A volta de Branagh a Shakespeare deixou de lado a densidade e os temas complexos para abraçar o entretenimento. "Muito Barulho Por Nada" é uma comédia romântica exuberante que traz um elenco improvável, como Keanu Reeves, Michael Keaton e Robert Sean Leonard, todos dando seu melhor para não fazer feio com o texto.

A melhor inspiração para eles, claro, está em cena. É Denzel Washington, que recebe um casal de noivos e, durante a celebração da boda, armam a união da dupla Benedick (o próprio Branagh) e Beatrice (Emma Thompson), que não só desprezam o conceito de amor mas também um ao outro.

Filmado na região da Toscana, sob o Sol convidativo da Itália, "Muito Barulho Por Nada" traz Kenneth Branagh com a missão de provar que o texto de Shakespeare, além de extremamente acessível, também podia ser divertido e sem nenhum medo de ser bobo e exagerado. Missão cumprida!

HAMLET
(1996)

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'Hamlet'
Imagem: Columbia

Não é exagero cravar que Branagh fez aqui a versão definitiva de "Hamlet", possivelmente a peça mais popular de William Shakespeare. Essa versão, épica em escopo, vibrante em seu estilo, não só uma a totalidade do texto original, baseado na montagem de Adrien Noble para a Royal Shakespeare Company, como também expande sua narrativa, executando cenas e diálogos até então implícitos ao longo da peça.

O resultado é um filme com quatro horas de duração, que nem por um segundo deixa de ser imponente e hipnotizante. Ao transportar a ação para o século 19, Branagh troca a aridez da ambientação medieval para as cores e a arquitetura da era Vitoriana. A aposta traduz-se em uma festa para os olhos, indicada em 1997 ao Oscar de melhor direção de arte e de melhor figurino, além de indicações para Patrick Doyle (trilha sonora) e para o próprio Kenneth Branagh (roteiro adaptado).

É a moldura perfeita para contar a história de Hamlet (Branagh), príncipe da Dinamarca que descobre que seu pai fora assassinado pelo atual rei Claudius (Derek Jacobi), auxiliado por sua mãe, Gertrude (Julie Christie). O elenco absurdo ainda traz Kate Winslet, Rufus Sewell, Robin Williams, Gérard Depardieu, Jack Lemmon, Billy Crystal, Charlton Heston e (ufa) Judi Dench.

CINDERELA
(Cinderella, 2015)

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'Cinderela'
Imagem: Disney

Aqui, Kenneth Branagh veste a camisa do "operário do blockbuster" com louvor. O conto de fadas imortal com o selo Disney o deixou mais à vontade para lidar com fantasia do que em "Thor", por exemplo. Em vez de um Deus do Trovão, aqui ele empresta seu talento para contar a história da menina que sofre nas mãos da madrasta malvada e, por intervenção de sua fada madrinha, conhece seu príncipe encantado em um baile.

Ok, a essa altura ninguém precisa ser lembrado da história de "Cinderela". Essa adaptação da animação do estúdio do Mickey traz Lily James no papel principal, cercada do talento de Cate Blanchett e Helena Bonhan Carter (e, vá lá, Richard Madden), em uma empreitada que não quis reinventar nem uma linha, apenas traduzir o desenho com atores de verdade.

Esse tradicionalismo é cercado por uma produção impecável, de cenários luxuosos e figurino caprichado. Não diria que é a melhor maneira de fazer um filme, mas "Cinderela", assim como outros mergulhos modernos no catálogo Disney, é assumidamente um produto feito não para refletir, mas para encantar. Ter Cate Blanchett como uma vilã deliciosamente exagerada é, claro, um bônus.

ARTEMIS FOWL
(2020)

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'Artemis Fowl'
Imagem: Disney+

"Artemis Fowl" era para ser um novo "Harry Potter", o primeiro de uma série de aventuras infanto-juvenis que levariam para o cinema a criação de Eoin Colfer. Publicado em 2001, no auge da histeria em torno do bruxo de Hogwart, e da procura por aventuras de personagens com a mesma vibe, o primeiro livro introduziu o gênio de 12 anos, líder de um império do crime, em uma aventura que mistura mistério e fantasia.

O primeiro problema do filme foi o péssimo timing. Embora o projeto estivesse caminhando desde 2001, com um roteiro pronto em 2003, "Artemis Fowl" só pegou tração em 2013, com Branagh chamado para a direção dois anos depois. O lançamento original passou de 2019 para o ano seguinte, e terminou cancelado com a pandemia, estreando na plataforma de streaming Disney+ sem nenhuma fanfarra.

Pudera. "Artemis Fowl" é uma coleção de personagens antipáticos e desinteressantes, em uma aventura que nunca decola. Branagh parece ter dirigido a coisa toda por telefone, e o estúdio não demonstrou nenhum interesse para que o personagem colasse no zeitgeist. No papel, o primeiro ciclo de histórias de Artemis Fowl consiste em oito livros. Na prática, isso se chama "oportunidade desperdiçada".