Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
'Sempre em Frente': Joaquin Phoenix e a difícil arte de escutar uma criança
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Um tempo atrás eu me ofereci para ser babá do filho de uma amiga. Ia passar uma tarde com ele e um coleguinha, os dois com 10, 11 anos. "Vai ser moleza", pensei. No fim da tarde eu estava exausto, deitado no chão da sala, zero energia. Não só pelo pique da dupla, mas pela bateria de perguntas que, a certa altura, eu não conseguia mais ouvir. Nem queria mais ouvir.
"Sempre Em Frente" é um filme justamente sobre ouvir. Ou melhor, sobre a dificuldade de traçar um diálogo entre um adulto e uma criança. Uma barreira ainda maior quando não havia convívio anterior, quando as regras são descobertas ao longo do caminho. Romper essa barreira é uma tarefa espinhosa e igualmente fascinante.
É a tarefa que termina nos ombros de Johnny (Joaquin Phoenix), um documentarista que tem rodado os Estados Unidos entrevistando crianças e perguntando a elas sobre o futuro. Afastado da irmã, Viv (Gabi Hoffman), por motivos que a vida impõe, ele precisa transpor essa parede invisível.
Uma emergência com seu ex-marido, que lida com problemas mentais, a faz viajar para outra cidade. Johnny vai, então, de Detroit a Los Angeles para tomar conta do sobrinho, Jesse, de 9 anos. Quando Viv percebe que não vai resolver a bronca em um fim de semana, Johnny remaneja sua vida para ser o tio que nunca conseguiu ser antes.
Existe, portanto, a construção narrativa em cima do clichê do adulto com problemas de comunicação, obrigado a se abrir mais e mais com o convívio com uma criança esperta - talvez até demais para o bem do filme. O diretor Mike Mills, porém, contorna as convenções apostando na empatia e no talento de sua dupla improvável de protagonistas.
Joaquin Phoenix já mostrou que é capaz de interpretar tudo, e que é assustadoramente convincente em qualquer papel, de um sujeito apaixonado por uma inteligência artificial ao mais notório Palhaço do Crime. A tensão latente que ele injeta em Johnny transparece em pequenos gestos, em expressões discretas, na linguagem corporal que às parece parece desarmar quando ele encara um dilema que a vida adulta não lhe ensinou a lidar.
A revelação aqui, porém, é mesmo Woody Norman. Já tivemos nossa cota de crianças prodígio para reconhecer quando surge um talento tão natural quanto o jovem intérprete de Jesse. É um papel difícil, e fica claro que Phoenix foi o parceiro perfeito para extrair a melhor performance de Norman, especialmente em cenas em que os dois precisam de fato desnudar seus sentimentos e descobrir, juntos, que não há problema em admitir que a vida nem sempre é perfeita.
Mike Mills não é estranho a retratar relações familiares fora da curva em seus filmes. O melhor exemplo é o delicado "Toda Forma de Amor", de 2010, em que Ewan McGregor estreia a convivência do seu pai quando ele, um papel premiado com o Oscar de melhor ator coadjuvante para Christopher Plummer, revela que esta com câncer e que, ao revelar ser gay depois da morte de sua mulher, busca explorar a vida que sempre manteve fechada antes de partir.
Em "Sempre em Frente" sua direção é mais pesada, e por vezes os personagens parecem roteirizados ao extremo, perdendo parte de sua espontaneidade. Quando Johny e Jesse têm uma desavença, por exemplo, existe toda uma conversa sobre "como tratar crianças como pequenos adultos" que arranca um pedaço do realismo que o filme busca.
Ainda assim, é um filme de belos momentos, uma sensação agridoce de acolhimento traduzida nos laços invisíveis, silenciosos e indissolúveis que mantém famílias juntas. É um sentimento que Mills condensa em um tema simples: Criança não mente, e os adultos muitas vezes precisam aprender a ouvir algumas verdades.
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