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Roberto Sadovski

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Batman: Quem são (todos) os homens por trás da máscara

Warner. Arte: André Gordirro/4 Fantásticos
Imagem: Warner. Arte: André Gordirro/4 Fantásticos

Colunista do UOL

04/03/2022 04h05

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Batman não é um só, Batman são vários. Ao longo de sua rica história, iniciada nas páginas do gibi "Detective Comics" em 1939, o personagem criado por Bob Kane e Bill Finger já foi reinterpretado dezenas de vezes em períodos, realidades e até planetas diferentes. É fantasia, então tudo vale.

Quando fez o salto do papel para as telas do cinema, o herói passou a refletir de forma mais aguda o espírito de seu tempo. Ainda sob o impacto da Segunda Guerra Mundial, começou um namoro com as imagens em movimento quando fez parte das matinês que divertiam a juventude americana. Não parou mais.

Nos anos 1960, manteve um véu psicodélico e um registro de comédia enquanto, na vida real, os Estados Unidos eram humilhados no Vietnã. Abraçou uma estética mais sombria ao fim dos anos 1980, flertou com a ilusão de realismo no novo século e, por um breve momento, arriscou ser uma versão fiel do super-herói dos gibis.

Todas as versões, da paródia à fantasia ao espetáculo, são Batman. Talvez não o mesmo, mas cada um compartilhando o DNA de um personagem que há mais de oito décadas é reinventado para nossa diversão. Tarefa, no cinema, encabeçada pela coleção de atores a seguir. Um grupo seleto que, certamente, não deixará de crescer.

A Era de Ouro

O MORCEGO
(Batman, 1943)
A VOLTA DO HOMEM-MORCEGO
(Batman and Robin, 1949)

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Lewis Wilson (Batman) e Douglas Croft (Robin) e seus trajes folgados em 'O Morcego'
Imagem: Columbia

Desde os anos 1910, os seriados, geralmente umahistória dividida em quinze episódios, mantinha a criançada grudada nos cinemas. A era de ouro do formato começou em 1936, com três grandes estúdios - Columbia Republic e Universal - dominando a produção de aventuras que iam do western à ficção científica, passando por histórias de crime e perigos na selva.

As histórias em quadrinhos, então popularizadas em tiras de jornal, começaram a fornecer personagens originais no mesmo ano com a estreia de "Flash Gordon", e os heróis do papel foram presença constante desde então, como "Dick Tracy", "Secre Agent X-9", "Adventures of Red Ryder" e "Spy Smasher".

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Robert Lowery (Batman) e Johnny Duncan (Robin), rendidos mas não derrotados, em 'A Volta do Homem-Morcego'
Imagem: Rights Managed/COLUMBIA PICTURES / Ronald Grant

O primeiro seriado com o Batman surgiu em 1943. Batizado "O Morcego" no Brasil, trazia Lewis Wilson como o herói e Douglas Croft como Robin. Quando o personagem voltou ao cinema seis anos depois, quando o formato já esvaziava, em "A Volta do Homem-Morcego", era Robert Lowery atrás da máscara.

Como boa parte dos filmes de aventura lançados em meio à Segunda Guerra Mundial, os dois seriados do Batman eram pouco mais que propaganda para alistar jovens para o front e manter a moral do país elevada. Os vilões eram criações originais - com o Dr. Daka dos episódios de 1943 mostrado como uma caricatura do "perigo nipônico". Vale como registro histórico e pouco além.

Tudo Era Piada

BATMAN, O HOMEM-MORCEGO
(Batman, 1966)

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Adam West faz pose para promover seu 'Batman'
Imagem: Fox

O Homem-Morcego só chegou ao cinema em seu primeiro longa depois que a série de TV estrelada por Adam West já havia se tornado um sucesso. O filme manteve o mesmo senso de humor anárquico e abraça a cultura pop da época.

Nas estrelinhas, porém, "Batman" cumpria uma função cívica importante: manter o americano médio rindo e anestesiado enquanto o país estilhaçava o american way of life de forma gritante na guerra do Vietnã.

Rejeitado pelos fãs por anos, especialmente depois da reformulação do personagem nos quadrinhos dos anos 1970, em que ele perdeu o tom exagerado e assumiu a escuridão do vigilante urbano, essa versão do herói recuperou posteriormente seu lugar de direito como um retrato legítimo do Batman. E o filme, com seu bat-repelente de tubarão e sua coleção de extravagâncias, é um barato.

Fantasias Góticas

BATMAN
(Batman, 1989)
BATMAN - O RETORNO
(Batman Returns, 1991)

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Michael Keaton em Kim Basinger curtem a escuridão em 'Batman'
Imagem: Warner

O produtor Michael Uslan adquiriu os direitos do Batman em 1979, determinado a fazer uma versão séria e sombria do herói. A lembrança da série dos anos 1960 ainda era forte, e ao longo da década seguinte ele foi recusado por diversos estúdios.

Tim Burton assumiu o projeto em 1986, quando ele foi abraçado pela Warner, e escolheu Michael Keaton para o papel duplo de Bruce Wayne e Batman. Influenciado pela nova geração de HQs mais sérias com o personagem, em especial "O Cavaleiro das Trevas" e "Ano Um", ambas de Frank Miller, Burton criou uma fantasia gótica em uma Gotham City criada em estúdio.

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Michael Keaton com o símbolo do morcego correto em 'Batman - O Retorno'
Imagem: Warner

Michael Keaton, até então conhecido por papéis cômicos, entendeu a natureza dividida do personagem e criou uma performance séria, em que o Batman tem uma natureza tão psicótica quanto os vilões que enfrenta, do Coringa (Jack Nicholson) no primeiro filme ao Pinguim (Danny De Vito) e a Mulher-Gato (Michelle Pfeiffer) na sequência, "Batman - O Retorno".

Não é exagero dizer que o fenômeno "Batman", que em 1989 dominou os cinemas e a cultura pop, tornou-se o exemplo a ser seguido por toda adaptação de um super-heróis dos quadrinhos lançada desde então. A interpretação de Michael Keaton, por sua vez, determinou como um personagem de gibis poderia trazer alguma conexão, por mais fantástico que fosse. O ator, por sinal, está de volta como Batman esse ano nos cinemas (em "The Flash") e também na HBO Max (no filme "Batgirl").

Estética do Excesso

BATMAN ETERNAMENTE
(Batman Forever, 1995)
BATMAN & ROBIN
(Batman & Robin, 1997)

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Val Kilmer (sem mamilos) em 'Batman Eternamente'
Imagem: Warner

Percebido pelo estúdio como um filme pesado e sombrio demais para a gurizada aproveitar nos cinemas nas férias, o estúdio pediu mudanças para seu terceiro Batman. Tim Burton e Michael Keaton deixaram o projeto, e o diretor Joel Schumacher assumiu o comando.

Em sua mão, "Batman Eternamente" abandonou a estética gótica ao criar uma Gotham City colorida e vibrante, ainda mais artificial e histérica, como uma criança deixada sozinha numa loja de doces.

Val Kilmer foi escolhido para ser o Batman e fez do herói uma criatura sexy, com um traje cheio de curvas que ressaltavam a anatomia humana. Alinhado com o cinema de ação da época, "Batman Eternamente" tinha pouca preocupação com um roteiro coerente, o foco voltado para cenas de ação vertiginosas em que o herói enfrenta o Charada (Jim Carrey) e o Duas Caras (Tommy Lee Jones) ao lado de seu companheiro, Robin (Chris O'Donnell).

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George Clooney (com mamilos) em 'Batman & Robin'
Imagem: Warner

O sucesso absurdo de "Eternamente" fez com que o estúdio acelerasse uma continuação. De cara eles perderam Kilmer, que optou pela aventura de espionagem "O Santo". George Clooney, galgando os degraus do mega estrelato, tornou-se o terceiro Batman da era moderna, com um traje anatomicamente correto (mamilos e tudo) em uma aventura que, curiosamente, lembrava a série dos anos 1960.

Foi o filme errado no pior momento. O roteiro, escrito explicitamente para vender brinquedos, se tornava poesia trash com Arnold Schwarzenegger, no papel do vilão Mr. Freeze. Por não ter sotaque austríaco, Uma Thurman (Hera Venenosa) e Alicia Silverstone (Batgirl) não tiveram a mesma sorte.

Clooney fez o que pode, mas não impediu o fracasso comercial e criativo de "Batman & Robin". Rejeitado pelos fãs e ignorado pelo público, o filme sepultou o Homem-Morcego de suas aventuras na tela grande, ficando no banco dos reservas enquanto a concorrência reescrevia os super-heróis no cinema com "X-Men" e "Homem-Aranha".

"Sombrio e Realista"

BATMAN BEGINS
(Batman Begins, 2005)
BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS
(The Dark Knight, 2008)
BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE
(The Dark Knight Rises, 2012)

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Christian Bale alça voo em 'Batman Begins'
Imagem: Warner

Christopher Nolan tinha três filmes modestos no currículo quando foi escalado para relançar o Batman no cinema. le despiu-se de qualquer resquício de fantasia das encarnações anteriores do herói e foi buscar em seus gibis mais casca grossa inspiração para "Batman Begins".

O que ele construiu foi uma história de origem, mostrando pela primeira vez os mecanismos psicológicos e físicos enfrentados por Bruce Wayne para se tornar um combatente do crime em Gotham. Nessa versão, tudo trazia uma explicação pseudocientífica, de seu traje de combate ao novo batmóvel, um tanque de guerra enfezado.

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Christian Bale no fenômeno 'Batman - O Cavaleiro das Trevas'
Imagem: Warner

A ilusão de realismo bolada por Nolan deu certo, e a nova versão foi abraçada por fãs e também por não iniciados. Christian Bale fez de seu Bruce Wayne um sujeito atormentado, de testa franzida, injetando credibilidade no playboy bilionário que se liberta de verdade ao se tornar o Batman.

Três anos depois de "Begins", Nolan voltou à sua Gotham City com um trunfo chamado Coringa. Retratado como um anarquista psicótico por Heath Ledger, o vilão ajudou a aumentar a aura maldita do filme, já que seu intérprete tragicamente morreu antes de "O Cavaleiro das Trevas" chegar aos cinemas.

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Christian Bale vai passear em 'Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge'
Imagem: Warner

Foi um fenômeno comparável ao "Batman" de Tim Burton, com a batmania mais uma vez varrendo o globo. A aura sofisticada do filme o fez transcender a legião de fanáticos fervorosos, batendo em US$ 1 bilhão nas bilheterias mundiais. A missão de Nolan e Bale estava cumprida. Ainda assim, diretor e protagonista voltaram para mais um round em "O Cavaleiro das Trevas Ressurge", e a coisa toda espanou.

Um vilão bobão, Bane (Tom Hardy), chega em Gotham com um plano que não faz o menor sentido, e o Batman sai da aposentadoria para mais uma vez salvar a cidade. Como bônus, o filme traz a pior vilã de toda a história do Homem-Morcego no cinema: Marion Cotillard, que devia entregar seu Oscar após "morrer" em cena de forma tão preguiçosa.

O Super-Herói

BATMAN VS SUPERMAN: A ORIGEM DA JUSTIÇA
(Batman v Superman: Dawn of Justice, 2016)
LIGA DA JUSTIÇA
(Justice League, 2017/2021)

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Ben Affleck todo fortão em 'Batman vs Superman'
Imagem: Warner

De todos os diretores que abraçaram um projeto com o Batman, Zack Snyder é certamente o único genuinamente apaixonado por histórias em quadrinhos - durante a pós produção de "Watchmen", passei uma tarde com ele discutindo a obra de Alan Moore e Dave Gibbons.

"O Homem de Aço" abriu o caminho para ele adaptar, à sua maneira, o gibi já clássico "Batman: O Cavaleiro das Trevas", de Frank Miller. O resultado é "Batman vs Superman", uma bagunça bem-intencionada que começa como thriller de ação, resultando no combate dos heróis, e termina como um filme de terror e ficção científica ao inserir o monstro Apocalypse no mesmo balaio.

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Ben Affleck mais fortão ainda em 'Liga da Justiça'
Imagem: Warner

Ben Affleck era o sonho de consumo do fã de gibi para o Batman. Bombado, com queixo quadrado, trajando uma roupa que não escondia seu porte físico atrás de uma armadura. Visualmente perfeito, não havia muito para Affleck fazer com o roteiro besta, que o reduziu a um playboy raivoso sem nenhuma camada dramática.

A coisa não melhorou muito em "Liga da Justiça", um desastre que já foi dissecado à exaustão. Seja na versão light assinada por Joss Whedon, seja no corte redux de 4 horas que o próprio Snyder recuperou para a HBO Max, o Batman de Ben Affleck pode ser a versão em carne e osso mais bacana do herói, mas também provou que pastel vazio não mata a fome.

O Cavaleiro do Futuro

BATMAN
(The Batman, 2022)

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Agora é a vez de Robert Pattinson em 'Batman'
Imagem: Warner

Robert Pattinson encarou a descrença dos fãs ("Ben Affleck é o único Batman!!!!") e dos não iniciados ("Mas ele não é o vampiro que brilha no Sol?") e criou um Bruce Wayne descobrindo seu papel como guardião de Gotham, incerto se o medo é de fato a melhor ferramenta para combater o crime.

O novo "Batman", dirigido por Matt Reeves, é um belo recomeço que apaga todas as versões anteriores e recomeça a saga do Cavaleiro das Trevas no cinema em uma folha em branco. Ainda é incerto quanto tempo Pattinson vai durar no papel, mas se for neste único filme, ele já deixou sua marca.