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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Ambulância': Graças a Michael Bay, já temos candidato a pior filme do ano

Jake Gyllenhaal e Yahya Abdul-Mateen II em "Ambulância" - Universal
Jake Gyllenhaal e Yahya Abdul-Mateen II em 'Ambulância' Imagem: Universal

Colunista do UOL

23/03/2022 12h00

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Houve um momento em "Ambulância", novo filme do diretor Michael Bay, que eu pensei estar preso em um loop temporal por semanas. Provavelmente foi entre algum diálogo risível, uma tomada aérea filmada por um drone e mais um carro de polícia arremessado em uma barreira/veículos estacionados/qualquer outro obstáculo enquanto perseguia a ambulância do título. O tempo simplesmente não passava.

Quando se trata de um filme de ação, nenhum pecado é mais grave do que a falta de ritmo. Ainda mais vindo de um cineasta como Bay, responsável por filmes hipercinéticos em que muita coisa parecia acontecer no espaço entre os segundos. Desta vez, talvez travado pelo pior roteiro em que ele já colocou as mãos, sua caixa de truques tenha se mostrado mais do que ineficiente: ela é entediante.

Em seus melhores momentos, Michael Bay é um realizador interessantíssimo, um autor verdadeiro, de estilo visual inconfundível, que consegue destacar-se em meio a dúzias de operários de Hollywood. "Os Bad Boys" e "A Rocha" lapidaram o melhor do cinema de ação dos anos 1990, enquanto "Armagedom" estabeleceu a fórmula do filme-evento bombástico para o novo milênio.

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Michael Bay dirigindo o caos em 'Ambulância'
Imagem: Universal

Seus pecados, por outro lado, evidenciam todas as suas omissões como contador de histórias. "Pearl Harbor" tentou copiar o "romance em meio à tragédia histórica" que James Cameron aperfeiçoou em "Titanic", mas sua falta de sensibilidade atrás das câmeras transformou a coisa toda em um torneio de testosterona. Ele seguiu o ótimo "Transformers" com mais quatro continuações tão amorfas e sem personalidade que é impossível enxergar filmes distintos.

Se o exagerado "Esquadrão 6", produzido para a Netflix e com Ryan Reynolds à frente, ao menos tinha a decência de não se levar a sério, "Ambulância" é uma tentativa desastrosa em que Bay tenta provar que é um "artista relevante", preocupado com temas que supostamente vão além das coisas explodindo. Spoiler: ele não consegue.

Will Sharp (Yahya Abdul-Mateen II) é um veterano de guerra desempregado que precisa de US$ 200 mil dólares para bancar a cirurgia de sua mulher, que está com câncer. Ele apela para seu irmão adotivo, Danny (Jake Gyllenhaal), que como seu pai caminha do lado errado da lei. Em vez do empréstimo, ele faz uma proposta: Will precisa integrar sua equipe para roubar US$ 32 milhões de um banco federal. Sem saída, Will topa.

Até aí existe uma tonelada de dilemas morais ensaiados por Bay, que são resolvidos com nada além de um "ok, vamos lá". A coleção de diálogos patéticos inclui apelidar um dos bandidos da gangue de Mel Gibson (porque Danny "adora" o épico "Coração Valente") e a já nocauteada de tão batida desculpa do "este é meu último trabalho". Sei.

Claro que o roubo dá errado. Afinal, parecem os Trapalhões comandando o assalto, um golpe com zero planejamento (saudades de "Fogo Contra Fogo") e mais buracos do que queijo suíço, com direito a um ladrão de sandálias (porque sim) e outro que não tem pudor em atropelar os colegas. Quando tudo vai para o vinagre, Will e Danny roubam uma ambulância, sem absolutamente nenhuma rota de fuga, e disparam uma caçada que parece um passeio pelo lado feio de Los Angeles.

O filme original, dirigido pelo dinamarquês Laurits Much-Petersen em 2005, era um thriller enxuto, de exatos 80 minutos, em que dois irmãos tornam-se inimigos ao roubar um banco e sequestrar uma ambulância com um paciente cardíaco e uma médica residente à bordo. Nas mãos de Michael Bay, "Ambulância" é um monstro de quase duas horas e meia em que tudo explode - e absolutamente nada acontece.

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Em 'Ambulância', o que você vê é basicamente isso aí por quase duas horas e meia
Imagem: Universal

A ambulância sequestrada também tem "passageiros" na figura da socorrista Cam (Eiza González, que ao menos não é vendida como "a nova Megan Fox") e um policial baleado pelo próprio Will. O dilema é deixar o sujeito morrer (o que Danny faria sem problemas) ou manter a consciência limpa (escolha óbvia do "mocinho" Will).

Essa é a teoria. Na prática o que temos é uma perseguição interminável, com policiais que preenchem todos os clichês possíveis, além de um senso de humor totalmente deslocado, tentando capturar a dupla sem colocar a vida do colega ferido em risco. Daí eles apertam o cerco e afrouxam a perseguição repetidamente, enquanto o filme se estica num pesadelo sem fim.

Daí temos de tudo, de um agente do FBI que convenientemente estudou com Danny a uma cirurgia de emergência executada dentro da ambulância, com cirurgiões conduzindo a coisa via uma chamada de zoom. Nem que eu quisesse poderia inventar algo tão tosco.

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Danny (Jake Gyllenhaal) ameaça Cam (Eiza Golzález) em 'Ambulância'
Imagem: Universal

Bay, por sua vez, deve ter brincado com drones durante a pandemia, porque "Ambulância" está infestado de tomadas aéreas totalmente irrelevantes, com a câmera dando rasantes e correndo próxima ao chão. Se formos beber uma dose de tequila com cada uso de drone, o cinema estará bêbado em menos de uma hora.

Jake Gyllenhaal e Yahya Abdul-Mateen II devem ter percebido a pilantragem narrativa de "Ambulância" já no primeiro dia de filmagens. Eles obviamente não estão nem aí, atuando com preguiça e recitando cada frase de diálogo como iniciantes que não sabem modular a própria voz. É uma vergonha e, de longe, seu pior trabalho.

Sem uma trama que preste ou um trabalho dramático para se ancorar, "Ambulância" apela para cenas de destruição ao longo de Los Angeles, em que cada curva nos lembra um filme melhor. Bay é tão cara de pau que ele cita, nominalmente ou visualmente, "A Rocha" e "Transformers".

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Danny e Will em raro momento fora da ambulância (sim, eles voltam)
Imagem: Universal

Quando a coisa entra no terceiro ato, em que Danny desenha um plano sem o menor sentido, e uma gangue de ladrões de alguma coisa fortemente armados entra em cena, a plateia só está implorando para que o sofrimento acabe.

Ele acaba, claro, mas não sem antes mergulhar no sentimentalismo mais rasteiro, na conclusão mais pífia e na lição de moral mais torta do cinema moderno - basicamente, que o crime compensa. Michael Bay, pedido de amigo, faz logo um sexto "Transformers" que a vergonha, acredite, é menor.