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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O delicioso 'A Pior Pessoa do Mundo' abraça o caos da vida adulta

Renate Reinsve em "A Pior Pessoa do Mundo" - Diamond
Renate Reinsve em 'A Pior Pessoa do Mundo' Imagem: Diamond

Colunista do UOL

23/03/2022 04h00

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Depois de reavaliar seu relacionamento com o namorado, Julie acredita que está na hora de correr arás de seu amor verdadeiro, sua alma gêmea, a pessoa com quem dessa vez ela tem certeza que virá o conto de fadas.

É quando tudo em sua volta parece congelar e ela sai pelas ruas de Oslo, cheias de pessoas paralisadas no tempo, até encontrar seu príncipe encantado e viver um dia de idílio antes de a realidade voltar a mastigar seus calcanhares.

A cena, uma das mais bacanas neste "A Pior Pessoa do Mundo", traduz o turbilhão de fantasia, dúvida, inadequação e inconformismo na mente de Julia, interpretada pela não menos que perfeita Renate Reinsve. É também uma sequência que dita o tom agridoce deste filme de Joachim Trier, encerrando aqui sua "trilogia de Oslo" completada por "Reprise" (2006) e "Oslo, 31 de Agosto" (2011).

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Julie (Renate Reinsve) e o conforto sem riscos de Aksel (Anders Danielsen Lie)
Imagem: Diamond

Em comum, surge em "A Pior Pessoa do Mundo" a mesma preocupação em radiografar a angústia em se tornar adulto no novo século, em que a maturidade nem sempre acompanha a idade. Desta vez, porém, Trier abraça uma história mais solar, em que o peso e a complexidade das emoções não apagam o fragmento de esperança que nos faz seguir em frente.

Talvez o motivo seja a escolha de Julia como protagonista. "A Pior Pessoa do Mundo" traz um recorte na vida de uma jovem encostando nos 30 anos que navega por um mar de indefinição. No começo ela é uma estudante de medicina que depois opta pela fotografia, depois aceitando trabalhar como vendedora em uma livraria enquanto decide se tem ou não pulso para ser uma escritora.

Seu futuro profissional torna-se um leque de escolhas tão diverso quanto sua vida pessoal. Seus namorados, com quem ela invariavelmente divide um teto, parecem peças de um quebra-cabeças que ela tenta desvendar para preencher os espaços em sua personalidade que acredita estar vazios.

Se a vida com o cartunista Aksel (Anders Danielsen Lie, colaborador habitual do diretor e cola de sua trilogia) é segura, intelectualmente satisfatória e sem riscos ou emoções fortes, a experiência com o barista Elvind (Herbert Nordrum) é mais espontânea mas menos desafiadora.

Entre um e outro, Julie torna-se algoz de sua própria felicidade, em uma jornada de auto conhecimento ao mesmo tempo profunda e completamente caótica.

Esse equilíbrio surge com naturalidade sob as lentes de Joachim Trier, que salta da comédia para o drama para momentos lúdicos e para o folhetim desavergonhado com habilidade impressionante. A costura entre temas e situações, divididas nos doze capítulos, além de um prólogo e um epílogo, com os quais ele estrutura seu filme, resulta em uma experiência doce e honesta sobre os caminhos básicos apontados pela vida.

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Elvind (Herbert Nordrum) é o salto no desconhecido para Julie
Imagem: Diamond

Para segurar essa história, Trier confia no imenso talento dramático de Renate Reinsve. Sua Julie é divertida e triste, é hiperbólica e introspectiva. Tenta manter o mistério sobre quem ela é ao mesmo tempo em que expõe uma vontade imensa de compartilhar o que arde em seu peito com o mundo.

É um pouco como conhecer a si mesmo, mesmo que isso nunca seja o bastante. É um espelho, refletindo uma sensação de familiaridade sob o filtro da ficção. É a constatação que a vida é um processo eterno de transformação, somente encerrado no confinamento da metragem de um filme. Do lado de cá, não temos tanta sorte.